LIVROS

LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

FIGURAS MUSICAIS QUE TODO MUNDO DEVERIA CONHECER

Olivier Toni!

Meu caro amigo leitor músico, atribulado em seu trabalho ou estudo, não pense que vou aqui falar de semibreves, mínimas, semínimas, colcheias, semicolcheias e afins. Mesmo que eu volta e meia adote um tom didático em meus textos, devo ao leigo algumas pausas para descanso, para que pequenos excessos não lhe atrapalhem a leitura. Assim como na ciência, na música e na vida (ou na arte da guerra, diria Napoleão) é sempre importante dar um passo atrás, que não significa retroceder, mas recapitular para avançar e concluir.
Falo de figuras humanas, gente cujo caminho cruzei vez por outra, por breve ou mais longamente no caminho da vida. São pessoas que moldaram minha formação como profissional e pessoa; por enquanto, devo concentrar-me nos que fizeram a história da música no Brasil, os que tive o privilégio de conviver ou conhecer, às vezes mesmo sem ter estado em uma de suas salas de aulas, de olho na ‘pedra’ (como se chamava lousa, antigamente). E mesmo a certa distância, foram eles meus professores de vida.

Capa do CD, pintura de O. Toni em foto de Heloísa Bortz
Hoje recebi de presente do amigo Antonio Ribeiro o CD ‘Só isso e nada mais’, do músico, professor, regente, pesquisador e principalmente desbravador musical do Brasil, George Olivier Toni, com um amável autógrafo. O título é sugestivo: trata-se do primeiro registro exclusivo de suas músicas, aos 88 anos!!! A trajetória de Toni é longa, desde suas aulas com o grande Camargo Guarnieri à sua ‘deserção’ para a modernidade (‘pero no tanto’) que seduziu tantos compositores, pelas mãos de Koellreuter (1915-2005). Seus colegas, como ele, terminaram abraçando uma técnica sedutora pela facilidade, mas com prazo de validade já vencido quando chegada ao Brasil, o dodecafonismo: com ele, Guerra-Peixe, Aylton Escobar, Claudio Santoro e muitos outros.

Florestan Fernandes
Toni voltou ao seu caminho, que também teve como preparador o grande mestre austríaco Martin Braunwieser, trazido ao Brasil por Mário de Andrade. Mostrou-se coerente em sua obra e pensamento político, cria que foi da Faculdade de Filosofia da USP, orientado por Gilles Grangér, Otto Klineberg e o grande Florestan Fernandes.

Pesquisou a música brasileira, mas não quis passar para a história como musicólogo. Lecionou, mas era mais polêmico do que mero repaginador de surrados compêndios do passado. Discutia, questionava, fazia germinar o espírito investigativo e questionador tão necessários à vida na universidade – no caso, a USP, de cujo Departamento de Música foi fundador e chefe.

Matéria recente de João Luiz Sampaio para O Estado

É compositor, tem um técnica bastante pessoal, mas nunca aspirou a um busto de bronze na academia. É regente, trabalhou à frente de alguns dos melhores conjuntos orquestrais do país, mas não foi contaminado pela vaidade do estrelato. E foi um bandeirante musical: fundou a Orquestra Sinfônica Jovem Municipal de São Paulo (1968), até hoje mais viva do que nunca, a Escola Municipal de Música (1969), orquestras e festivais como os de Prados (MG), em que reunia poucos e bem selecionados alunos.

Willy Corrêa de Oliveira: o gênio do aluno
Criou um Departamento de Música na USP com nomes como Willy Corrêa de Oliveira e Gilberto Mendes, inicialmente em uma casa improvisada próxima ao lugar onde alunos de medicina iam dissecar corpos ou namorar (é tudo verdade!). Fez germinar a música na USP, agora muito bem revigorada.
Gilberto Mendes: vanguardista e revolucionário
Sua equipe era nitidamente influenciada pelo pensamento que tinha grande força na universidade, o marxismo em suas teorias políticas e estéticas, e nelas trafegava com naturalidade. Nunca deixou de ser crítico, como convém a todo marxista que se veste do título, sem modismos juvenis: disse-me certa vez que a esquerda brasileira (penso em Cecilia Meireles, sobre a liberdade: “que ninguém sabe o que seja”) nunca teve certeza do que fazer com a cultura, e muito menos com a música.


Em um de seus diversos cartões, que recebo e coleciono, a marca de sua personalidade (aliás, mais parecem declarações de amor paternal): “Teve o destino que afastar-nos, mas tenho você sempre presente...” Ele havia também se esquecido de outra vez em que nos 'apartamos', apenas ignorou-a com sabedoria. Refiro-me à primeira ocasião, quando rompemos por alguns anos por conta de certos vícios acadêmicos, coisa rotineira intramuros. Porém, mesmo sendo chefe, nunca me importunou, menos ainda perseguiu-me. Tenho obrigação que deixar esse registro. Da segunda vez que nos distanciamos, quando Natal de 2013 me enviou o cartão acima, ele se referia à distância física mesmo.

CCSP: entrada, na R. Vergueiro
Grata surpresa foi em um certo dia no Centro Cultural São Paulo, enquanto eu fazia a abertura das comemorações do 25º aniversário da fundação da Escola Municipal de Música, e percebi o próprio fundador sentado na plateia. Após minha fala, bem ao meu lado, estava o Toni, pedindo para si o microfone. Em público, desculpou-se por ter se oposto a mim como diretor da escola que ele fundou, fez o ‘mea culpa’ e passou a tecer-me rasgados elogios – esse é e sempre foi o Toni: sabe tanto atacar sem papas na língua quanto retroceder com a humildade que é exclusiva dos grandes homens. Aquela noite foi a de um reatamento informal. Toni, quatro meses mais novo do que meu pai, ainda é um amigo à distância, elogioso mas sempre desinteressado estimulador. Aqui retribuo ao mestre, com carinho.

"Só isso e nada mais"
Na capa do CD, algo abstrato. Apenas na parte interna, uma discreta foto, em pleníssima forma e jovem aos seus 88 anos, mais lúcido do que nunca, desenhou com sua caligrafia peculiar: “Pra meu caríssimo Henrique Dourado, exemplar músico e amigo, com o abraço do Olivier Toni. 22/10/14”. Uma figura, como disse, de enorme importância na música brasileira do século 20 e até hoje. Suas palavras do passado ainda ecoam em meus ouvidos – e se ontem eu as achava 'caretas' ou quase sem sentido (coisa de jovem profesor), hoje as vejo como a lição de um mestre que permanece na memória, sabedoria que levei uma década para assimilar. O CD, lançado recentemente pelo SESC, tem a abertura do incansável Danilo Miranda, ministro sem pasta da cultura desde sempre, e um texto saborosíssimo do Willy que, só pelas citações, para mim nem precisaria estar assinado: cada letra tem seu perfil estampado! A obra do Toni ali gravada é moderna, mas querendo ser eterna, como diria o Drummond, e mostra um apreço especial pela voz humana, com Caroline de Comi, e o talento do pupilo de sempre, o grande Claudio Cruz,  na voz do violino. Acabamos de completar os 30 anos de nossa amizade!  Um abraço para você também e longa, longa vida, Toni!



Um comentário: