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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

MARLOS NOBRE, QUIXOTE PERNAMBUCANO

Para a Câmara Municipal do Recife, música é prioridade

Marlos Nobre (blog de Mirella Martins)
Marlos Nobre é brasileiro, recifense e cidadão do mundo, um ícone da nossa música. Aos 76, tem a energia de um jovem que luta e obtém o que se propõe, como todo bom vencedor. Pianista, compositor, regente, é considerado por vários críticos o maior compositor vivo da América Latina e mesmo do continente ibero-americano (MARCO, Tomás. Cuadernos de Música. Madrid: Fundación Autor, 2006). Ao ouvir sua obra, é difícil confundi-la com a de qualquer outro compositor brasileiro: tem a digital marcada na identidade artística. É brasileiro de corpo e alma, e, embora nunca tenha sido um nacionalista ferrenho, deixa sua veia regional regar todas as melhores influências.

Comungo da opinião de Tomás Marco, no livro “Marlos Nobre, el sonido del realismo mágico”: “As obras de Nobre possuem um magnetismo e uma força que as fazem irresistíveis”. É inevitável a remissão de uma expressão do título deste livro, que fala em “realismo mágico”, a outro latino, o escritor colombiano Gabriel García Márquez, especialmente com referência à sua mítica cidade Macondo, de “Cem anos de solidão”.


Royal Philharmonic Orchestra
Títulos e cargos, ele os tem de sobra. Foi Presidente da Funarte, do Conselho Internacional de Música da Unesco, em Paris, e da Rádio MEC, entre inúmeros outros. Primeiro brasileiro a reger a Royal Philarmonic Orchesta, também esteve à frente da prestigiosa ORTF francesa, a do Teatro Colón e outras. Tem assento na cadeira nº 1, de Villa-Lobos, na Academia Brasileira de Música. Porém, seus títulos maiores não são cargos e láureas, eles têm nome: “Convergências e Desafio VII para piano e orquestra”, “Rythmetron”, para 10 percussionistas, todas de 1968, “Biosfera”, de 1970, “Mosaico” e “Passacaglia” para grande orquestra, ambas de 1997, entre quase 250 outras. Sua origem brasileira predomina sobre as influências de seus grandes mestres: Messiaen, Ginastera, Copland, Dallapiccola, Gunther Schuller e Guarnieri, entre outros. Sua escrita é obra de tapeçaria intricada, absolutamente pessoal e inconfundível.

Rádio MEC
Conheci Marlos Nobre visitando meus pais no Brasil, por volta de 1980, no Rio. Ele estava na Rádio MEC, à frente de um projeto de reestruturação para a Sinfônica Nacional. Achou que eu poderia colaborar, e, logo que voltei definitivamente ao país em 1982, fui ao seu apartamento e de sua esposa, Maria Luiza Colker Nobre, excelente pianista. Marlos estava se retirando do projeto, atropelado pela imensa burocracia brasileira. Porém, nossa amizade começara musicalmente, como não poderia deixar de ser: colaborei para a edição e estreei em Boston, em 1981, seu “Desafio IV para contrabaixo e piano” (ouça o áudio abaixo). Obra bastante complexa, demandou-me estudo dedicado. O saudoso Steven Brewster, então spalla (solista de naipe) dos contrabaixos da Sinfônica Nacional de Washington de Rostropovich, disse que foi uma das melhores peças para o instrumento que ouvira nos últimos vinte anos!


O saudoso Eugene Egan: regente, violinista e grande piadista
Nobre é diretor artístico infatigável da Orquestra Sinfônica do Recife, talvez a mais antiga do Brasil em trabalho contínuo, 82 anos de vida! O conjunto foi criado com a participação de Ernani Braga (1888-1948) e o maestro Vicente Fittipaldi. Teve entre seus regentes Eleazar de Carvalho, que ousou avançar no repertório, seguido por seu assistente, o saudoso Eugene Egan, que o substituiu, maestro e violinista, com quem tive o prazer de tocar em um grupo de câmara. O Nobre regente de hoje retoma a linha de trabalho de crescimento da orquestra, e faz um trabalho de formiga até no verão, mas com fôlego de gigante. Ergueu o grupo, e graças ao seu carisma tem projetado a Sinfônica do Recife como um novo paradigma de crescimento musical no país. Lembro-me de Eleazar de Carvalho afirmando que uma orquestra não se faz em dez anos, mas em cem. Marcará época.

O deslumbrante Teatro Santa Isabel, sede da OSR
A casa da orquestra é o famoso Teatro de Santa Isabel, projeto neoclássico de grande beleza do francês Louis Léger Vauthier que completa este anos 165 de existência, um dos mais belos e imponentes prédios do Império. Bem mais antigo do que os grandes Colón de Buenos Aires (1908) e os municipais do Rio (1909) e São Paulo (1911), além do famoso Palais Garnier (Opera de Paris), de 1875. Já recebeu Carlos Gomes, a bailarina Anna Pavlova, Jasha Heifetz e muitos outros. Ter uma casa como essas ajuda a Sinfônica do Recife a crescer em sonoridade, com a acústica incomparável das grandes construções antigas.

Nobre, à direita, na Câmara de Vereadores do Recife
Marlos Nobre tem lutado por seu grupo como bom quixote, obcecado em dedicar-lhe de presente à terra que lhe foi mãe, e galgando todas as etapas para a melhor profissionalização da Sinfônica. Do último dia 16 de novembro, encerrou a temporada de 2016 com sua Passacaglia para grande orquestra e a imponente Sétima Sinfonia de Beethoven. Antes disso, porém, foi em pessoa batalhar por uma ajuda de custo que elevasse o salário dos músicos a um patamar mais digno, o que neste momento de crise é tarefa para um mestre tanto no pódio quanto na articulação dos bastidores e coxias. Porém, com o legado cultural da cidade, toda a cultura herdada dos anos holandeses e sua vocação artística, ainda conseguiu, no dia 9 de novembro, a aprovação pela Comissão de Legislação e Justiça ao projeto de lei que beneficia seus músicos. O relator, Raul Jungmann, afirmou que a orquestra exerce um papel fundamental na formação da sociedade não só de Recife, mas de todo o Brasil. É preciso ser mais do que um grande compositor, um mestre, há que se compartilhar a arte de lutar e tornar-se exemplo para todo o país. Noblesse oblige.

Bandeira da cidade: Recife

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