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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A POLÍCIA FEDERAL E SEU CALDO DE CULTURA

Satyagraha, Zelotes, Catilinárias, Alegoria da Caverna

Zulmar Pimentel (Isto é)
O delegado Zulmar Pimentel, ex-diretor executivo da Polícia Federal, é homem de sólida formação, versado em história, filosofia e mitologia, assuntos a que se dedica com erudição de estudioso. Daí terem surgido criativos títulos codificados para investigações de crimes de colarinho branco, fraudes e desvios. Por soarem “como grego”, serviam para ocultar o esquema das fraudes dos “ladrões de casaca”, expressão que tomo emprestada de um filme de Hitchcock. 

Juiz Fausto De Sanctis e alunos (foto: Kazuo Watanabe)
Em 2008, a 6ª Vara Federal condenou e prendeu, via Operação Satyagraha, o banqueiro Daniel Dantas e alguns dos principais nomes envolvidos em um forte esquema. O responsável pelo desfecho, cumprido pela Polícia Federal, foi o então juiz Fausto de Sanctis, que destinou a entidades filantrópicas, por sentença, parte do dinheiro apreendido em outra apuração, além de financiar a aquisição de instrumentos musicais de qualidade para uma dúzia dos melhores alunos carentes do Conservatório de Tatuí. A ideia foi gestada durante uma conversa em festa ocorrida em São Paulo – ele, um amante da música, e eu, admirador do serviço que ele prestava à nação.

Ghandi: "Um olho por olho somente
termina fazendo o mundo inteiro cego"
Mahatma Gandhi, em sua luta pela independência da Índia, usava o termo Satyagraha, que unia as palavras ‘Satya’, verdade, e ‘Agraha’, dura, luta pacifista que me lembra a “Revolução dentro da Paz”, do nosso Dom Helder Câmara. Enquanto na concepção do líder indiano a palavra servia para mostrar o rumo a seguir, a “nossa” Satyagraha foi à residência do banqueiro Dantas e lá a PF encontrou farto material sobre o propinoduto que abastecia contas escusas de políticos e autoridades. O codinome serviu para encobrir a ação, sob sigilo absoluto.

Sergio Moro (jornaldocentrodomundo.com.br)
Da Lava Jato, que celebrizou o juiz Sergio Moro, outra mais recente, a Operação Catilinárias. Dessa vez, o título remete ao Senado romano, palco do discurso do ícone da filosofia republicana latina, Cícero (106-43 a.C.), embebido nos pensamentos de Platão (429-347 a.C.) em sua Politeia – aliás, nome de outra ação policial.

Cícero
No Senado, o cônsul Cícero acusa o golpista Lucius Catilina, proferindo seu famoso discurso: “Até quando, Catilina, vais abusar de nossa paciência? Por quanto tempo vais caçoar de todos com os teus delírios? Até que extremo vais te jogar nessa audácia sem limites?”. A série de falas de Cícero ficou conhecida como “Catilinárias”. O traidor foi condenado à morte e terminou fugindo, mas tombou em combate um ano depois.

Operação Catilinárias (jornalrondoniavip.com.br)
No dia 15 de dezembro passado, a Polícia Federal armou uma vasta operação contra integrantes de um partido político, cumprindo 53 mandados de busca e apreensão por ordem do STF, inclusive nas propriedades do presidente da Câmara dos Deputados e escritórios do presidente do Senado, entre outros.

Claudio Damasceno (foto: Sindfisco)

Outra operação de vulto é a “Zelotes”, que investiga supostos desvios e corrupção no Carf (Conselho de Arrecadação de Recursos Fiscais), do Ministério da Fazenda, que autua e executa por diversos tipos de sonegação. Como apenas metade dos conselheiros é composta por auditores concursados e a outra parte é voluntária, ou seja, trabalha ‘de graça’, o presidente do Sindfisco, Claudio Damasceno, diz que são facilmente seduzidos por ‘agrados’ de empresas arroladas nos autos. No rastro da Zelotes, o ex-presidente Lula foi intimado a depor, a fim de prestar esclarecimentos acerca de supostas influências em medidas provisórias do governo federal, além de explicar contratação de mais de 2,5 mi à empresa de seu filho mais novo.

Zelotes em Jerusalem
Zelotes de Tessalônica, em meados do século 14, foi um grupo travestido de luta por conquistas sociais. No século 1, os zelotes insuflavam o povo judeu contra o Império Romano, ameaçando-o com o uso da força. Em hebraico, traduzido como zelotés, designa quem defende o nome de Deus, mas na verdade era uma espécie de confraria do mal, e teria provocado a derrubada de Jerusalém e do Templo de Iaweh, construído por Salomão, sagrados ao povo hebreu. Terminaram cometendo suicídio coletivo.

A Caverna (ilustração)
Em Juazeiro do Norte, no dia 10 de dezembro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Alegoria da Caverna contra um grupo que fazia uso de coletes oficiais, documentos falsos, posse ilegal de armas e invasão de domicílios, acusados também de formação de quadrilha. Seus membros identificavam-se como sendo da Polícia Ferroviária Federal, que apesar de prevista na Constituição nunca foi instituída.

Os mandados foram cumpridos por determinação da 16ª Vara Federal em operação que leva o nome do texto, também conhecido como Mito da Caverna, do filósofo grego Platão. No livro 7 de seu Politeia (A República), o filósofo ensina o caminho para nos libertarmos da escuridão da qual somos reféns, em busca da luz da verdade - e o perigo de voltarmos.


Operação Navalha
Uma das operações policiais criadas pelo ex-delegado Zulmar Pimentel quase o fez morrer do próprio veneno: na chamada “Navalha”, em 2007, a própria passou rente ao seu pescoço: tentaram incriminá-lo pelo vazamento de informações do esquema, que investigava empresários e funcionários do governo. Foi gerado um processo administrativo (PAD), depois arquivado, e a ação no STJ foi travada por liminar.


Encenação de Navalha na Carne: Tônia Carrero,
Nelson Xavier e Emiliano Queiroz (foto: Carlos Moscovicks)
O autor teatral Plínio Marcos, se vivo, provavelmente teria sugerido o título “Navalha na Carne”, nome de uma de suas peças mais importantes, que tem como personagens um gigolô, uma prostituta e um travesti, e como cenário o quarto de um prostíbulo. Se é que não foi ela própria que serviu de inspiração ao então delegado.

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