Marquês de Pombal (Jean-Michel van Loo e Claude Vernet - 1766) |
A Capitação (de capita, cabeça) foi um tributo
instituído pela Coroa Portuguesa em 1734, para acabar com a “ociosidade dos
negros e vadios em geral” (sic). Recaía sobre cada cabeça de escravo de
qualquer raça, e mesmo homens “pobres ou vadios”. Porém, a Coroa achava pouco,
e, conforme o Marquês de Pombal (1699-1782), “ou se extinguia a Capitação ou
Portugal perderia não só Minas, mas a própria Colônia”.
Degredados |
No final do século XVIII, o
Brasil sofria com os abusos das autoridades e a cobrança de impostos, como a
taxação do quinto (1/5) do ouro extraído, que já vinha desde 1534. Passaram a
cobrar 100 arrobas, algo como 1.500 quilos anuais sobre o ouro obtido. As
tentativas de burla à cobrança eram severamente punidas e chegavam ao degredo,
ou seja, uma espécie de deportação violenta para algum território português na
África. Claro que, a uma certa altura do Ciclo do Ouro, a diminuição da
quantidade do metal extraído e a consequente perda na arrecadação já despertavam
a ira de Portugal.
Tapeçaria de tecelagem portuguesa |
Como o ouro passou
a escassear e a cobrança não atingia mais tal enorme volume, soldados foram
autorizados a invadir as casas do povo de uma região e retirar tudo o que fosse
de algum valor. A Inconfidência Mineira de 1789
foi uma rebelião contra a Coroa Portuguesa e a cobrança de impostos e
confiscos. Mas a extorsão oficial já vinha de antes, 1785, quando a fabricação
de tecidos em todo o território da Colônia fora proibida, de forma a coibir a
competição com as indústrias portuguesas.
Grupo Globo |
Criar
impostos, taxas e tributos sempre foi uma maneira de cobrir os monumentais
gastos da máquina pública, e mesmo com as gritas contra supostas eventuais
bitributações (cobranças em dobro) aqui e ali, eles persistem. O fantasma da
CPMF, guardado insepulto no armário e vivo como nunca, surge no afã de
arrecadar um volume enorme de recursos, 32 bilhões, pouco mais de 1% do
orçamento anual do país para 2016, de 3,05 trilhões.
Pezão, governador do Rio |
Houve
até dança de tributos e números às vésperas do badalado réveillon carioca, dia
29 de dezembro passado: o governo do estado do Rio de Janeiro sancionou a lei
7.174/15, que aumenta a alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e
Doação (ITCMD) que é cobrado sobre o bem herdado ou recebido em doação. Antes,
eram 2,5%, depois, avançaram para 4%, e agora saltam para 4,5%, ou 5%, conforme
o caso. Os preços dos imóveis no mercado do Rio são altíssimos, e até os de
outras grandes cidades, como Niterói, Campos de Goytacazes, São Gonçalo e Duque
de Caxias, além de estâncias como Petrópolis e Teresópolis. A sangria da
Colônia se repete, e como disse um economista e pensador do passado, desta vez
como farsa.
Evolução do ITCMD |
Tomemos
um exemplo prático, o do herdeiro de um imóvel no valor de R$ 1,3 mi: ele teria
de desembolsar R$ 91.000,00 de ITCMD, já somados os 2% de Imposto sobre
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), da esfera municipal, para ter direito ao
bem recebido por direito. Pior ainda, o imposto devido pelo usufrutuário – que
não é proprietário, mas tem ‘usos e frutos’ de um imóvel por ele doado passou a
100% do valor, contra os 50% anteriores. Isso quer dizer também que, no caso de
falecimento do doador que tem o usufruto do imóvel, o ônus recairá
integralmente sobre os herdeiros, se o ITCMD já não tiver sido pago no ato da
transmissão por doação em cartório. Recebe-se um imóvel, mas para tê-lo
pagam-se impostos enormes.
(marioquintanaresidencial.com) |
Considerando
a média do preço do metro quadrado na cidade do Rio, R$ 8.514,00, conforme
pesquisa com quase 69 mil unidades feita pela Agente Imóvel, um apartamento
básico de 100 m² valeria R$ 851 mil. E isso é a média. Já na região de Ipanema,
onde o preço às vezes supera em muito os 20 mil/metro, um apartamento de 150
m², metragem nada exuberante para a área, vai custar mais de 3 milhões, e os
impostos (ITCMD e ITBI) chegarão a 210 mil.
Um
apartamento antigo em Ipanema, daquele sobre pilotis, com 107m², a cinco
quadras da praia, mais perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, chega a custar 1.850
mil (R$ 129.500 de imposto), enquanto um na aprazível Vieira Souto, na orla da
praia, coisa de 25 milhões (1,75 milhões para os mesmos tributos).
Prédios de apartamentos na Av. Vieira Souto |
Nessa
profusão de siglas e percentuais crescentes, temos a tributação “causa mortis”
no Rio recaindo também sobre direitos relativos a planos de previdência (PGBL)
ou ainda o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). A criação de novos
impostos, tributos e taxas é uma bola de neve, já que, uma vez bem sucedida,
todos tendem a copiar, na frente o governo federal, campeão na prática da
taxação.
STF no julgamento da ADI 1923 (OS): 17 anos |
Uma vez aprovados por lei, a tentativa de
contestação dos impostos poderá ser feita por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) no STF, um processo excessivamente moroso e complicado, dado o imenso
acúmulo de ações no Supremo – coisa de uns bons anos. Sei que é cansativo, sim,
ouvir falar de cifras, mas minha consciência de cidadão deve estar acima de minhas
preferências pessoais.
Afastado o risco da violência física ao
estilo da derrama colonial e suas invasões, o que vemos hoje é um enorme
achatamento de todas as classes e reflexos no já alto custo de vida dos mais
pobres, a reboque do aumento das alíquotas e mesmo criação de mais e mais
impostos. Nossas casas são invadidas não pela derrubada de portas e intrusões
como na época da Colônia, mas sim pela nossa entrada principal e sem
boas-vindas ou pedir licença, contas da novena nossa de cada dia, esse rosário
sem fim.
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