JORGE ANTUNES
Pode
não ser o compositor mais popular, nunca deve ter pensado nisso. Sua música é
plena de conceitos, faz pensar, sua missão não lhe permitiria a fama. O carioca
Jorge Antunes (1942), radicado em Brasília, onde trilhou longa carreira na UnB e
orientou uma legião de talentos da vanguarda, não é um desses simples adeptos
da modernidade: para chegar onde chegou, conheceu os caminhos da mais
sofisticada erudição, formando-se na UFRJ, e depois em Paris, Utrecht e Buenos
Aires, tendo sido aluno de nomes históricos como o do papa da música concreta,
Pierre Schaeffer, e do ícone da composição Alberto Ginastera. Foi laureado como
"Chévalier des Arts", entre diversos títulos. Sua obra é das mais ecléticas,
tendo composto desde música eletroacústica, da qual foi pioneiro no Brasil,
criou sua Música Cromofônica (sons e luzes) e compôs óperas, música de câmara,
peças sinfônicas e tudo o que pudesse unir sons ao seu pensamento filosófico.
Não faz música para apenas para se ouvir, sua arte persuade a pensar.
Universidade na Grécia |
Controverso,
polêmico, Antunes, pessoalmente, cumpre papel inverso. É uma personalidade de
fácil acesso, boa conversa e bastante simpático no trato com colegas, público e
alunos, esses últimos a grande devoção de sua vida, que é ensinar. Mais ainda,
não os introduz, apenas, aos cânones acadêmicos, mas literalmente chacoalha as
mentes e faz despertar nos jovens a necessidade da consciência política e da
reconstrução musical. E faz tudo isso com um português escorreito, redigindo
seus textos com clareza cristalina. Procura despertar a indagação, a
necessidade de pensar, pensar, pensar, criticar. Ou seria outra a missão da
universidade, desde o seu primórdio?
Vou falar de três momentos meus
com Jorge Antunes. Há muitos anos, houve um programa da Rádio Bandeirantes de
São Paulo sobre o Hino Nacional – e tive a grata honra de dividir, cada um em
sua área, a conversa com o especialista em língua portuguesa Pasquale Cipro
Neto. Daí, uma revista nacional de grande porte me entrevistou e ao Jorge
Antunes. Enquanto eu fiquei por conta da dificuldade de se cantar uma música
instrumental complexa de 1831 (já foi Hino da Abdicação) e uma letra de tão
difícil compreensão para o povo, Antunes expôs sobre seu Hino Nacional alternativo,
polêmica que poderia ter tido consequências nada agradáveis, já que questionava
um símbolo pátrio em tempos mais duros.
Não demorou muito, e o
compositor me pediu que analisasse uma obra sua, “Três Impressões
Cancioneirígenas” para sua Poética Musical, depois publicada pela Ed. Sistrum
(2002). A peça que abordei é um caleidoscópio de símbolos musicais, visuais e
textos, com alusões ao AI-5, usando de truques como “éramos ene / aí um foi
embora / aí dois foram embora / aí três foram, embora (...) aí 5, aí 5",
clara referência ao famigerado Ato Institucional de 1968, que foi um golpe
fortíssimo dentro do golpe militar.
Escrevi, com plena liberdade
para fazê-lo, abrindo o texto com as colunas do Niemeyer no Palácio da Alvorada
dando forma gráfica ao monte empilhado de palavras e sílabas do texto do Ato
Institucional, simbolizando a imagem-símbolo do Distrito Federal, as belas
colunas do Alvorada.
Olga Benário |
Há
mais de dez anos, Antunes estava com sua ópera Olga, baseada na perseguição e
morte da companheira do líder Luís Carlos Prestes, inteiramente pronta.
Disse-me que ele já chegava aos 65, e tinha medo de morrer antes de vê-la
encenada. Ora, disse-lhe eu, rindo, você não vai tão cedo, vamos batalhar. Uma
vez em São Paulo, Antunes, puxando em um carrinho de bagagem os enormes volumes
encadernados da ópera, viu a primeira tratativa fracassada. Raro se fazer ópera
no Brasil, quase impossível vê-la encenada.
O sofrimento de Olga, com Martha Herr |
Pois
foi no tradicionalíssimo Teatro Municipal de São Paulo, que em 2006, portanto
há dez anos, aconteceu a grande encenação, com nossa amiga comum, a saudosa
Martha Herr, soprano, no papel de Olga, que lhe coube como uma luva. Como o
terrível Chefe de Polícia de Vargas, Filinto Müller, o grande tenor Fernando
Portari. O cenário foi impactante, as citações de Tristão e Isolda, de Wagner,
de uma riqueza inteligentíssima, remetendo a uma das maiores óperas de todos os
tempos, até a longa ária final de Olga lembrando o Liebestod (canto de amor e morte) de Isolda, na cena final. Nunca
imaginei ver meninas, com cara daquelas aficionadas por novelas jovens,
chorando ao final, bem da fila da frente – devem ter vindo em grupo colegial ou
coisa assim. Isso foi prova que o povo não pode gostar daquilo que não conhece,
bastando a oportunidade de conhecer algo para se apaixonar pela música, quando
ela consegue seduzir.
Ano
que vem, 2017, Jorge Antunes completa 75 anos de plena e incessante atividade.
Não me falou nada sobre medo de “partir” assim, sem o reconhecimento à altura,
isso ele deve guardar para si, mas advirto logo que ele não irá tão cedo, e o
Brasil saberá reconhecê-lo, com as mais justas homenagens pelos 75 anos de
vida. Tendo à disposição diversas publicações, certamente poderemos fazer de
uma apresentação uma breve viagem por sua obra, no Conservatório de Tatuí.
Todos têm espaço para compor, no Brasil, seja pela trilha mais nacionalista,
conservadora ou vanguardista, correntes que revelaram alguns gênios, fora as de
visões personalíssimas, marca de Antunes. Só desejamos que a celebração tenha o
mais amplo espaço no país, pois cravar esse marco em sua homenagem é
fundamental. Mesmo porque não se faz um músico desses e 75 anos todos os dias.
Catálogo de obras de Jorge Antunes: http://www.concertino.com.br/cms2/files/ANTUNES,%20JORGE_Catalogo-Obras%202011.pdf
Obras disponíveis e preços: http://www.concertino.com.br/cms2/files/ANTUNES,%20JORGE_Lista%20de%20Precos%202011.pdf
Contato: Sistrum Edições musicais (61) 3683976 /
mauritz@americasnet.com.br
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