A pátria do músico é onde ele está. Começo por duas grandes
orquestras americanas e os que para lá foram, ensinando gerações e moldando
grupos. Na Filadélfia, onde há também o famoso Curtis Institute, ensinaram os
que fizeram a base da interpretação, principalmente dos sopros, o mito Marcel Tabuteau,
oboísta francês, e o fagotista Sol Schoenbach, americano de origem alemã, entre
outros.
Na Sinfônica de Boston, e professores da New England, Armando
Ghitalla, Gaston Dufresne e Roger Voisin. (Sem falar no lendário ucraniano Louis
Krasner, que foi professor de Aírton Pinto - eu o via pela janelinha de vidro
da porta, já bem idoso, dando aulas. Para ele foram escritos dois dos maiores concertos
para violino do século 20: Alban Berg e Schönberg, por ele estreados).
Sergei Koussevitzky |
Foram regentes de Boston, desde 1881, Sir George Henschel,
Wilhelm Gericke, Arthur Nikisch, Emil Paur, Karl Muck, Max Fiedler, Henri
Rabaud, Pierre Monteux, Koussevitzky, Charles Mûnch, Leinsdorf, Steinberg, Ozawa,
Andris Nelsons, e, exceção à regra, James Levine, seu antecessor. Parece que
havia uma certa predileção por grandes regentes de fora do país, mas nada a ver
com isolar influências políticas, já que as orquestras americanas são todas
privadas. Até na Filarmônica de Berlim, de Furtwängler e Karajan, hoje há Sir
Simon Rattle e dois músicos latinos: um brasileiro e um venezuelano.
David Chew |
No meu tempo, vieram para a Orquestra Sinfônica Brasileira – cujo
primeiro regente foi o húngaro Eugen Szenkar – onze tchecos, incluindo meu
professor Ladislav Bàlek (retornou ao seu país para ser solista na Sinfônica de
Praga!), Zdenek Svab, Frantisek Batîk e outros. Tinha o magnífico fagotista
francês Noël Devos e o português José Botelho, refinado clarinetista, e hoje o
meu amigo violoncelista David Chew (agraciado com a Ordem do Império
Britânico), idealista realizador do Cello Encounter.
Jean Noël Saghaard |
Com minha volta ao Brasil, fui lecionar na Escola Municipal
de Música, do Teatro Municipal de São Paulo, onde mais tarde fui diretor, convivi e fiz amizade com
algumas das figuras mais interessantes do mundo musical, como o saudoso húngaro
Gèza Kiszely, a quem já dediquei um artigo, o austríaco Gustave Busch, lendário
fagotista que morreu tragicamente atropelado na 9 de julho com sua bicicleta,
já bem passados seus setenta anos, o grande flautista e professor de gerações
Jean Noël Saghaard - o melhor solo do Bolero de Ravel que já ouvi -, protagonista
de alguns dos bons momentos da vida em minha estada como diretor. Verdade que
às vezes não era fácil lidar com o Busch e, menos ainda, o Saghaard. Mas eu os
compreendia e saía em defesa do que para alguns pareciam exageros.
Naomi Munakata |
Músicos estrangeiros, aqui ou no exterior, só acrescentam.
Passam a ser não estrangeiros, mas, adotando nossas terras, brasileiros
nascidos em outros lugares. Pela Osesp, lembro a brilhante Naomi Munakata, de
Hiroshima, que foi regente do Coro Sinfônico, meu amigo veneziano Emmanuele
Baldini, spalla da orquestra, o excelente
trombone baixo Darrin Milling, formado pelo Curtis Institute de sua Filadélfia,
para citar os mais chegados. Estimulam seus naipes, servem de exemplo e
lecionam, preparando nossos músicos para o futuro. Nos meus tempos de Osesp, havia
meu amigo Jed Barahal, dos EUA, o uruguaio Hector Pace e o trompista americano Daniel
Havens, entre outros.
Titta Ruffo |
Nos anos 1940, sob a batuta de Armando Belardi, a Orquestra
do Teatro Municipal preparou um concerto cujo programa trazia na capa o brasão
da República, uma bajulada no Getúlio Vargas. Assinaram o cartaz do programa
todos os músicos, e, curioso, fora uns raros brasileiros, havia famílias (ou
seriam famiglias?) de italianos, como
os Corazza, Bianchi, Coppoli, Capela. Até na inauguração do Teatro Municipal,
em 1911, a Itália esteve presente: veio a companhia de ópera do florentino
Titta Ruffo. O detalhe fica por conta do tamanho do fosso onde fica a
orquestra, pequeno para o grupo. A Revista do Arquivo Municipal registra que,
enquanto uma parte dos italianos tocava, os excedentes se embebedavam nos bares
das cercanias.
Eleazar e alunos: Meier, Mehta, Abbado. Em Berkshire, Tanglewood |
Em nenhum momento, em meus anos de EUA, senti-me um
peixe fora d’água. Era tratado como todos, abordado às vezes por causa do
maestro Eleazar de Carvalho, que além de assistente de Koussevitzky na
Sinfônica, ao lado de Bernstein, havia lecionado para uma plêiade de regentes
no Berkshire Music Center, de Tanglewood, desde os então jovens (hoje mitos) Zubin
Mehta, Seiji Ozawa e Claudio Abbado até alguns com quem trabalhei, como
Benjamin Zander. Eleazar, um brasileiro mestre dos futuros titãs!
Univ. Richmond Center for the Arts |
Em 2006 houve uma Convenção Internacional de Contrabaixistas,
em Richmond, Virginia, e eu fui convidado a falar sobre o arco, resultado de um
estudo trabalhoso que foi assunto de tese, da qual extraí um pequeno livro. Entrei
um pouco preocupado, pois vi até ex-professor meu na plateia, além de músicos das
sinfônicas de Chicago e Dresden. Levei material para projeção e a palestra por
escrito, só que logo no início vi que o papel me prendia, a coisa não ia ser
fácil.