Leverkhün |
Os misteriosos feitiços da Música, se por um lado pareciam
magia e atraíam as mulheres, na outra ponta provocavam a cobiça dos outros homens.
Mas tem seu reverso. O virtuosismo musical sempre foi uma grande ambição, mesmo
que enrustida, de qualquer artista, desde o mais medíocre. Um romance de Thomas
Mann, Doktor Faustus, penetra fundo
na enorme ambição do homem de transcender seus próprios conhecimentos mortais e
poderes: um músico (Leverkhün), personagem principal, entrega a alma ao diabo,
esperando do acerto extrair virtuosidade excepcional, história que vem de lenda
do século XV e já foi narrada também por Goethe.
Tartini e seu sonho |
O grande violinista do século 18 G. Tartini escreveu
uma obra virtuosística para seu instrumento: O Trilo do Diabo. Prolixa em recursos pirotécnicos, a
obra extrai um grande arsenal de efeitos possíveis de serem realizados sobre as
quatro cordas de um violino. Pois foi durante um sonho, segundo relatou o
próprio Tartini, que o diabo em pessoa lhe apareceu, e passou a executar para
ele uma estranha peça. Quando acordou, o compositor simplesmente pôs-se a registrar
em partitura o que ouvira. Talvez impressionado com o pesadelo e evitando
futuros contatos com o capeta em pessoa (sabe-se lá se o demo exigiu algo em
troca), Tartini dedicou-se a requerer de seus alunos escalas muito lentas - ao
contrário do que exige seu louco Trilo do Diabo. Talvez, assim, mantivesse seus meninos nos braços dos anjos, com
certeza muito melhor companhia do que seu macabro visitante noturno.
O diabo de Torcello, Veneza. No colo, Judas |
Que diabo, digo, que tanto o capeta vem se infiltrar nos
assuntos da Música? Do grego Diabolo, o
latim diabolôs, entre vários significados, é aquele que separa, divide. Portanto não é nada doce o músico dizer
"estou com o maestro atravessado por aqui", com gesto de corte na
garganta. Em hebraico, mais próximo das religiões ocidentais e algo mais
próprio às negociações fortuitas com o baixo além, satan é inimigo - o que significa, aviso aos ambiciosos, que vender
a alma ao demo é entregá-la ao adverso – o que exige os devidos cuidados.
Propriedades mágicas a mais universal das artes parece
ter: experimentos com galinhas poedeiras, nos EUA, constataram que a produção
de ovos aumenta quando o dono da granja irradia algum Mozart nos alto-falantes
distribuídos entre as incubadoras das penosas. Cientistas australianos
comprovaram, há alguns anos, que o hábito da escuta musical melhora o
raciocínio matemático das crianças com melodias simples e lógicas, ressaltando
que são formas com as quais os infantes se relacionam melhor.
Smashing Pumpkinns |
À música de Mozart é reputada certa capacidade de
desobstrução de alguns condutores mentais ocultos: testes de QI realizados em
adolescentes que ouviram as obras do compositor antes de uma bateria de exames
psicológicos constataram resultados melhores do que os daqueles que não ouviram
nada. Ou que, provavelmente, passaram o dia anterior fazendo omelete de seus
neurônios ao som de algum indigesto “pancadão”. Mas essa barulheira não ataca apenas neurônios: um professor de
Música da Universidade de Princeton, Peter Jeffrey, processou o grupo de rock
Smashing Pumpkins por perdas e danos ocorridos durante um show em 1997, vítima
de lesões irreversíveis em seus ouvidos, a Perda Auditiva por Indução de Ruído
(PAIR). Abriu também uma outra ação judicial contra a Siebe North, empresa que
fabricou os filtros auriculares que comprara na entrada do auditório para se
proteger dos excessivos decibéis do grupo.
Os pesquisadores Vincent e Thompson coletaram estatísticas
que comprovam a influência da música sobre a pressão arterial. Como exemplo, a
revista da American Medical Association publicou há uns anos uma pesquisa que conclui
que médicos que ouvem música durante intervenções cirúrgicas mantêm pressão
sanguínea e pulsação em nível mais baixo do que os que não ouvem nada durante
as estafantes horas de trabalho concentrado e angustiante. Segundo o estudo,
92% dos cirurgiões mais calmos eram ouvintes contumazes dos melhores autores da
música clássica.
Outra experiência, realizada durante uma corrida de bicicletas
em Nova Iorque, revelou que a frequência acelerada dos batimentos cardíacos
dos ciclistas em geral baixava quando eles passavam por uma orquestra
estrategicamente colocada em um local – onde, curiosamente, a velocidade média
dos competidores chegava a subir 10%. Uma clínica psiquiátrica de Richmond,
EUA, obteve significativo sucesso em experiências musicais com ex-combatentes traumatizados,
e o francês Vergnés chegou a afirmar que as ondas sonoras podem alterar a
movimentação de substâncias no interior das células, abrindo caminho para uma
avenida de novas teorias e especulações.
Marilyn Manson |
Contra tudo e contra todos, Dr. Wolf Adler, um louco de
pedra da Universidade de Columbia, também nos EUA, tentou a todo custo contradizer
o mundo inteiro, argumentando que até a melhor das melodias força o sistema
nervoso, sendo prejudicial ao organismo. Razão pela qual pediu a um senador dos
EUA que elaborasse projeto de lei proibindo concertos públicos, ao ar livre,
requerimento devidamente engavetado. Engrossaram o coro dos que concordam com
os alegados malefícios da música aqueles que a ela atribuem o massacre de vinte
e cinco estudantes de uma escola secundária de Littleton, EUA, em 1999, em
show dos bizarros Marilyn Manson e Rammstein. Mas quem levou o crédito pelo
desastre não foi a música, e sim a loucura ensandecida do grupo e o volume ensurdecedor. (Continua na próxima semana).
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