O fabuloso e moderno Meistersingerhalle |
Organizados ao extremo, mesmo em atividades que, como
a música, levam frequentemente a certas situações exóticas, no século 17 os
alemães resolveram classificar, seus cantores em categorias. O aluno entrava para
a academia como Schüler, passava a Schülfreund depois de aprender as regras
do Tablatur. Depois, o posto de Sönger, chegando a Dichter e, finalmente, Meister.
A Associação de Nuremberg tinha o Singermeister,
depois Singermeistermeister e,
finalmente, último posto da carreira, Singermeistermeistermeister.
Parece muito, mas ainda perde para algumas palavras mais compridas: Donaudampschiffartselektrizitaetenauptbetriebs-werkbauunterbeamtengesellschaft
– Clube dos Oficiais Eletricistas de Vapor do Danúbio. Os órgãos musicais são do Poder Público, mas não interferem na arte. Apenas a apreciam desde sempre.
"Lá vem o seu Lacerda, comandando o batalhão" |
Em política, no Brasil, fala-se em canto da sereia, que tal
campanha está sendo orquestrada por fulano, que o Congresso, em coro, aprovou
as medidas, que o ministério está desafinado, que a oposição fica repetindo o
bordão, que os sindicatos vão botar a boca no trombone, que o Supremo está em
compasso de espera, que o político passa a vida na flauta, que a Câmara está
cheia de pianistas, que o governo fica batendo na mesma tecla e até que o adversário
enfiou a viola no saco! E que dizer da banda de música da UDN, capitaneada pelo
incansável Carlos Lacerda, do pé de valsa Juscelino e do seresteiro João
Goulart? A política interfere na música se quer valsa, samba ou funk.
Tony Blair e banda |
Se governantes e políticos, pessoalmente, certas vezes
gostam de se mostrar amantes da música. Bill Clinton se arrisca no sax alto,
Tony Blair na guitarra e Fernando Henrique Cardoso, cuja frustração foi não ter
seguido a carreira de músico - o mesmo, infelizmente, não se pode dizer da
maioria dos assessores e comandados. Em um passado recente, sem esquecer
precursores como Dom Pedro, Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen sempre foram
mais do que meros apreciadores: ambos cantores bissextos e o segundo articulista
com incursões na crítica de ópera (terá esse gênero musical conexões ocultas com
as teorias econômicas mais conservadoras?).
Maluf, versátil em seu teclado (programa Luciana by Night) |
Algumas décadas atrás, Paulo Maluf promoveu, bem ao seu
estilo de marketing, uma apresentação com mais cinco pianistas de primeira
grandeza (e ele, claro), à frente Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo.
Luiza Erundina regeu corais no Nordeste e o Itamaraty nos deu o genial poeta e
compositor popular temporão Vinícius de Moraes. Pelo desconhecimento da
matéria, entretanto, a maior parte dos governantes, políticos, assessores e
pareceristas costumam prestar-se a severas confusões.
Edda Fiore (de vermelho), Walter Lourenção, Ciça Camargo, eu e Marilena |
Durante a gestão da polêmica filósofa e professora
Marilena Chaui na Secretaria Municipal de Cultura do governo Luiza Erundina,
foi inaugurado em 1992 um novo prédio da Escola Municipal de Música, transferida
de uma antiga casa de cômodos que eu chamava ‘pombal’, na av. Lins de Vasconcelos,
para um vistoso casarão na rua Vergueiro, em frente ao Centro Cultural. Solicitação
pessoal minha, fiz questão, como diretor, de uma placa com os dizeres
"Escola Municipal de Música". Passados alguns entraves burocráticos,
houve a promessa de que a placa seria afixada no dia da inauguração. Na
véspera, fomos avisados de que não haveria placa, mas uma faixa provisória.
Pouco antes da inauguração, chegam alguns funcionários
- que começaram a desenrolar, à minha frente e de Marilena, o esperado banner:
"Escola Municipal... (e, para surpresa de todos) de Cultura". A faixa
foi jogada fora, a Escola inaugurada sem placa, e a Secretária de Cultura
ficou por alguns minutos sem fala. Quando foi embora, a filósofa olhou para a
faixa, que ficara enrolada sobre a mesa, balançou a cabeça e olhou fixamente
para mim (fazendo mentalmente, era provável, alguma digressão sobre a filosofia
do pessimismo). Foi quando me veio à cabeça um lema da adolescência, que deixei
escapar na despedida: "O escoteiro sorri e assobia nas dificuldades",
mandamento do escotismo.
Ainda com Marilena secretária, foi programado um evento
no Centro Cultural São Paulo (aquele elefante branco que acusticamente mais se
prestaria a um laboratório da música de Charles Ives), assentado sobre um
terreno que pertencera à família do compositor Alexandre Levy (1864-1892), junto à Av. 23 de Maio. Ali iria se apresentar o acordeonista Osvaldinho, um show
chamado Painel Musical do Brasil. Como o músico, para tal, deveria assinar um
contrato de prestação de serviços com a Prefeitura, documentação competente
foi encaminhada à apreciação das assessorias.
Centro Cultural São Paulo. Aclimação, SP. |
Nada mais natural, tratava-se de um caso de notória
especialização de natureza artística. A lei dispensa artistas de licitações, de complicados processos e é muito clara (alguém já pensou fazer uma
concorrência para ver quem é o melhor Milton Nascimento?). Aquela contratação,
entretanto, acabou obtendo parecer contrário do assessor jurídico de plantão,
que julgou que confecção de painéis (o show era chamado Painel Musical do
Brasil!) era trabalho de carpintaria. Especialidade que, data venia, deveria
sim ser objeto de licitação.
A Babel de Pieter Bruegel, "o Velho" (Bruxelas, 1525/30-1569) |
O próprio Centro Cultural é, em si, uma piada musical.
Construção enorme, constitui verdadeiro desafio à concepção arquitetônica
funcional, à lógica e ao mínimo bom senso: seus três teatros poderiam ser apenas
um já que, não tendo cobertura interna e conjugando com os mesmos corredores, é
impossível que neles se realizem eventos simultaneamente. Mais de um evento
simultâneo não vira música aleatória, mas uma Babel sonora. (Cont.)
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