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sábado, 31 de março de 2018

MÚSICOS: CONVIVENDO COM AS DIFERENÇAS

Músicos da Orquestra de Minnesopolis em discussão salarial

A convivência diária entre os integrantes de uma orquestra, apesar de frequentemente permeada de neuroses, é social e musicalmente muito sadia. Pouco importam as intrigas de fundo de seção, discussões sobre salários, quem senta na frente ou atrás, as escorregadas do regente, o vestido da violoncelista e outros assuntos que sempre surgem, de uma ponta à outra do grupo. Tudo é parte do cotidiano, e justificável porque durante horas músicos trabalham, como outros poucos profissionais, em silêncio. Mas a própria natureza acústica dos instrumentos, a origem, a sonoridade e a aparência física estimulam certa natural competição, entre os mais diversos deles.
Trompa de caça (corno da caccia)
As origens de cada um são diferentes, como vimos em artigo anterior. Discorri sobre as origens dos oboés, dos trombones e dos trompetes, em suas tarefas sociais. Mas a percussão teve origem nos tempos mais longínquos, e somente começou a ver o mundo das classes mais bem aquinhoadas por intermédio dos trovadores, entre outros, acompanhando grupos populares para deleite dos mais ricos. A trompa teve origem em um instrumento empregado na caça, com seu tubo enrolado em uma única longa volta, sendo levada no cavalo a 'tiracolo', para que o trompista pudesse executá-la com o sopro, ao tempo em que uma das mãos (não havia válvulas, como hoje) segurava o instrumento e a outra manobrava as rédeas do animal (Raynor, Henry: A Social History of Music).
Ravanastron
Entre os instrumentos de cordas que antecederam os nobres violinos de hoje, muito antes de aportarem na Europa Ocidental, havia antecedentes mouriscos, além de  ancestrais indianos e em culturas do Oriente Médio e Extremo Oriente. Naquelas plagas, cordas e arco ajudavam, entre outras coisas a meditar ao som das ragas, como fazia o ravanastron, tocado com arco, e o sitar (dedilhado) indianos, elevando a alma e obedecendo a sistemas musicais e princípios espirituais próprios.
Um rebab mourisco
O rebab, de onde a nossa rabeca, não aportou no Ocidente, como pensam muitos, pelas mãos poderosas do mercador veneziano Marco Polo (1252-1324), a quem se atribui a introdução na Europa da pasta, ou seja, o macarrão, espaguete e suas variações. E nem foi o instrumento entregue de mãos beijadas aos italianos, como muitas das boas invenções da vida foram. O primeiro destino foi a Península Ibérica, de onde, em sua longa ocupação pelos mouros (711-1492), foi enfim aproveitado pelos italianos, que no início do século 16 criaram instrumentos como o violino e sua família, e logo aperfeiçoando-o nos limites que o conhecemos hoje - pouquíssimo, além do material das cordas, foi alterado e tudo indica que assim permanecerá, sem maiores novidades. Uma arte de meio milênio que pouco ou nada mudará.
Felini em ação
Quem observou com argúcia as diferenças e particularidades entre os músicos foi o cineasta Federico Felini 'da Rimini', cidade de Francesca (por isso mesmo), a jovem imortalizada pela ópera homônima de Tchaikovsky, escrita sobre um dos cantos da Divina Comédia, de Dante. A visão do cineasta está no filme Ensaio de Orquestra, que recomendo (ver link abaixo), e nele fica evidente que cada músico considera seu instrumento o mais importante, de som mais lindo: o contrabaixo teria a voz dos deuses, a flauta o som mais puro, o piano seria o mais completo, o violoncelo, ah, o da voz humana, cada músico enaltecendo as qualidades e virtudes de sua escolha, frequentemente ironizando a dos colegas. Mas tudo isso, acredite, com amizade, coleguismo e, sempre, muito humor.
(Link para o filme: https://www.youtube.com/watch?v=wBX1NQYRwhU)

Uma trompa (shofar) vai ao Paraíso
O que é que o dedo do violista tem em comum com um raio? É que nenhum deles cai duas vezes em um mesmo lugar. E há a charada: jogado do 20º andar de um prédio, qual chegaria primeiro, o violista ou a viola? A resposta maldosa é ‘quem se importa?’ Democratizando, há a do trompista que, chegado à porta do Céu, aguardava seu julgamento. Junto a ele, estavam um agiota e um gigolô. Ao agiota, foi dito que praticou a usura, explorou, deixou famílias na pendura, sem carro e telefone. Inferno! Ao gigolô, que havia destruído famílias, levado boas meninas ao mau caminho, trazido doenças. Inferno! Na vez do trompista, sem pestanejar, o encarregado da triagem disse: passa, você vai para o Céu! O gigolô e o agiota, inconformados, foram tomar satisfação. Ouviram que, se um estragou vidas e famílias, o outro as deixou na miséria. Mas aquele feliz trompista, que já longe subia, fora agraciado com o Paraíso porque, muito antes de morrer, havia cem músicos rezando por ele.
E as diferenças entre o músico chamado erudito – expressão que não existe em outro lugar no mundo, e no Brasil não vou perder tempo em longas explicações sobre o porquê – e o chamado popular não fogem à regra, apesar de que há clássicos tão populares... (lembro logo três, a Carmina Burana, de Orff, o Bolero, de Ravel, e a 5ª Sinfonia de Beethoven!). Talvez o tipo de músico que vivia pelos cabarés da Lapa, o Beco das Garrafas de Copacabana, berço da bossa-nova ao vivo, não se preocupa em tocar de sandálias havaianas, se inglês meias brancas sem sapatos, como o baterista Charlie Watts, dos Rolling Stones, smoking cor de rosa ou furta-cor, camisa social ou de meia já rota, se americano. Transita pela boemia e gandaia com a mesma tranquilidade que, entrando pela porta dos fundos, convive com as castas mais abastadas – como os trovadores, de quem falei no início do artigo. O chamado “erudito”, ou melhor, clássico, padece das agruras da vida, assim como seu irmão das noites e shows. E divide com ele um bocado de preconceito e necessidades. Mas no palco, ah, na hora da estrela, abre-se em um rosário de felicidades!


sábado, 24 de março de 2018

MÚSICOS: ‘O QUE DÁ PRA RIR, DÁ PRA CHORAR’


Tomando este título emprestado em parte de um lindo sambinha do Billy Blanco, continuo com as anedotas sobre músicos. Se dá pra chorar, como na música do John Lennon Woman is the Nigger of the World - A Mulher é o Negro do Mundo -, dá para rir de contrabaixos, violas e trompas, os que mais sofrem, como espécies de niggers da orquestra. Quando se pergunta ‘qual a diferença entre o primeiro e o último contrabaixo da seção’, vem a anedota: ‘um tom e meio’, quando, claro, todos deveriam estar tocando a mesma nota, o que sugere desafinação surreal do naipe.

A viola também não escapa. ‘Se você se perder em uma floresta, a quem pediria auxílio? Um coelhinho, um péssimo violinista ou um violista excelente?’ A resposta seria ‘o péssimo violinista, pois coelho não fala e violista excelente não existe’. Por fim, ‘a razão de existirem tantos violistas à noite às portas de residências, tocando a esmo, é que eles certamente perderam a key (a piada original é em inglês, key tanto serve para a chave da porta quanto para a tonalidade da música. O anedotário é internacional). E, pior, não sabem quando entrar’, que no jargão da orquestra quer dizer começar a tocar cada parte.
Municipal de SP, há décadas
Verdadeiro: no Teatro Municipal de São Paulo havia um contrabaixista russo, ótimo professor, Nicolau Svetschenko, que tinha suas dificuldades com o português. Certa vez, a orquestra ensaiava o Tenente Kije, de Prokofiev. O regente convidado, não ouvindo direito o famoso solo de contrabaixo, parou e exclamou: contrabasso, tu sei protagonista (você é protagonista)! Pediu mais volume, já que naquela hora o músico seria o solista. Inocentemente, mas furioso, Nicolau abandonou o instrumento no chão e por pouco não subiu ao pódio, exclamando, dedo em riste: ‘protogônio é a mãe!’ (a palavra deve ter soado como alguma coisa feia em russo). O naipe daquela época tinha figuras folclóricas que marcaram época, além do Nicolau, como Corazza, Bianchi e Sandor.
Jacques Thibaud
[Nas anedotas entram também instrumentos, digamos, mais ‘castos’, como os violinos: ‘quantos são necessários para se trocar uma lâmpada?’ A resposta é para fazer chacota com esses instrumentos na hierarquia do poder da orquestra: ‘quarenta. Um para segurar a lâmpada e 39 para discutir o melhor jeito de fazê-lo’]. Contrapondo, outra historieta verídica. O famoso violinista Jacques Thibaud acabara de dar um recital e recebia para cumprimentos e autógrafos. Uma mocinha lhe trouxe um caderno de assinaturas tão apinhado de dedicatórias que não havia espaço para Thibaud autografar. Perguntou ele à mocinha: ‘mas onde eu escrevo, minha filha? Não há espaço para escrever nada aqui’. Um colega, violinista famoso, ouvindo o diálogo por cima do ombro de Thibaud, disse, maldosamente: ‘seu repertório’.
Violinista e violista
Mas violistas são campeões em piadas, e elas ‘são geralmente curtas, para eles entenderem’, dizem os colegas, com certo veneno. Coisa do gênero ‘qual a diferença entre o violino e a viola’? (A viola tem dimensões maiores). ‘Nenhuma, é que a cabeça dos violinistas é maior’. Há os que retrucam com uma piada sobre o instrumento do colega, mas os mais espertos lembram, eles mesmos, alguma sobre seu próprio instrumento, deixando o parceiro sem graça. Essas brincadeiras são coisas de músico, e sempre levadas com bom-humor, não há jeito. Mesmo porque depois daquele exaustivo concerto de sábado todos se sentam para um chopinho, instrumentista ao lado de outro – ou em grupos, naipes ou seções, mas todos ali. E na hora da música de câmara extra-horário acabam-se quaisquer diferenças - menos as brincadeiras.
A maior parte das boutades recai sobre afinação,  palavra cruel. No passado, trompas e trompetes não possuíam válvulas, ou pistões, tal como os dos automóveis. Elas fazem o tubo onde o ar se desloca mais longo ou mais curto, levando a coluna de vento passar por voltas mais longas, simples ou combinadas. Essas peças possibilitam a execução de todas as notas. Os oboés, clarinetes, flautas e fagotes tinham um mecanismo primitivo de chaves até Theobald  Boëhm criar seu sistema de chaves, no séc. 19.  
Trompete e shawm
A própria função de cada instrumento em nossa música já mostrava algumas diferenças, talvez daí as rivalidades: ao oboé, quando era o primitivo shawm, cabia ficar em lugares estratégicos, como em cima das torres, e seu agudo cortante anunciava a chegada de visitantes. Os trombones, vindos do ‘saquebute’, tinham função eclesiástica: quando em grupos, soam como belo e poderoso órgão. Aos trompetes eram dadas funções palacianas, como saudar a entrada de nobres ou pessoas de grande investidura nos precintos. Já as cordas, com seu som característico e muito pouco volume no passado, usando cordas de tripa animal (hoje são metálicas) eram perfeitas para grupos de igrejas ou pequenos recintos (in Raynor, Henry). Mas aí veio Monteverdi, no período barroco, e deu de juntar todo mundo em um grupo maior. E mais problemas.
Domenico Scarlatti
Scarlatti (1685-1757) reclamava que os sopros não afinavam (ainda não havia o sistema Boëhm, do séc. 19). E que o som das trompas chegava sempre atrasado – as campanas, aquelas peças em forma de sino por onde o som é projetado, são voltadas para trás. Estudava-se uma compensação. Ele também reclamava das passagens dos baixos que não ouvia direito, porque em um conjunto maior é claro que há certos limites. Finalizando, mais uma sobre os contrabaixos: ‘quantos contrabaixistas são necessários para se trocar uma lâmpada? Nenhum, pois um pianista pode fazê-lo com sua mão esquerda’ (da linha grave do piano).


sexta-feira, 16 de março de 2018

ERAM OS MÚSICOS ASTRONAUTAS? FINAL



Heróis, críticos, intrigas e anedotas

Richard Strauss (1864-1949) ridicularizava os críticos, simbolizando-os em e arrastados naipes de trompas. Pensando neles, orquestrou esses instrumentos com malícia em Ein Heldenleben (Uma Vida de Herói), um poema sinfônico que é uma exaltação ao super-homem de Nietzsche, mostrando um violino-herói que, seguramente, era ele mesmo, Strauss. É preciso lembrar que Richard nutria indisfarçável ódio por papai Franz Strauss, trompista que por sua vez não escondia uma ojeriza mortal por maestros. Por causa disso, Franz nunca aceitou a carreira de regente do filho Richard.
Anedota: um sujeito entrou em uma loja de pássaros e ficou observando aquelas gaiolas com canários. Em uma delas, havia uma placa que informava: ‘canário cantor, R$ 10,00’, e cantava lindamente! Na gaiola vizinha havia outro canário e os dizeres: canário mudo, R$ 1.000,00. Inconformado, o freguês pergunta ao dono da loja o porquê de um canário de lindos gorjeios custar apenas R$ 10,00, ao que o outro, mudo, coitado, sem cantar nada, valia R$ 1.000,00. A explicação do lojista foi no ponto: é que este segundo não canta – mas rege.
Bernard Shaw
Raros foram os críticos que desfrutaram do paraíso do respeito geral dos músicos. Entre as exceções, destaca-se o dramaturgo e crítico musical irlandês Bernard Shaw (1856-1950), o qual, a respeito da 9ª Sinfonia de Beethoven (Ode à Alegria), escreveu que deveria ser proibido executar qualquer outra obra musical no mesmo programa, a “Nona” se bastava. E que o autor de tal crime deveria ser preso sem direito a fiança e condenado.
Max Reger
O alemão Max Reger (1873-1916), além de compositor, foi organista e pianista de grande virtuosidade, músico profundamente inspirado mesmo quando não bebia, costume razoavelmente comum entre os românticos daquela época. Por causa de seu costume, certo dia Reger leu uma crítica em que um articulista disse que ele não precisava beber para se inspirar. Reger, furioso, escreveu ao crítico dizendo que tinha acabado de ler tão maldoso artigo – naquele lugar recôndito para onde as pessoas se recolhem para resolver, digamos, assuntos... de foro íntimo. E que, em poucos minutos, aquela crítica teria o destino merecido, deixando à conclusão do jornalista o futuro da matéria dele. Um século antes de Reger nascer, Gluck já costumava ser visto ao cravo compondo em seu jardim, garrafas de champanhe ao redor. Talvez por causa desses excessos etílicos o compositor tivesse o hábito de bater na cabeça de seus músicos quando os repreendia.
Existem muitas histórias divertidas sobre críticos. Uma delas conta que, há muito tempo, um deles preparou um artigo sobre um recital de um pianista brasileiro que acontera em determinado auditório. Exaltou a destreza do pianista em ‘passagens em tercinas do segundo movimento’, vocabulário que os músicos evitam usar fora de aulas. Mas repreendeu certos andamentos e lamentou a interpretação de uma ou outra passagem. Ironicamente, o programa do recital havia sido mudado. A obra criticada simplesmente não fora executada. Culpa do despreparo do crítico, que escreveu o artigo sem ter ido ao evento.
Carlos Imperial, imbatível
Há aqueles que não dão a mínima para críticas sobre sua performance e pessoa; pelo contrário, delas até se aproveitam. O compositor, carnavalesco, político e auto-assumido cafajeste Carlos Imperial, acusado de plágio por sua marchinha A Praça, costumava dizer: falem mal, mas falem de mim. Também garboso ao ser mal-falado e suprassumo da cafonália mundial, o pianista norte-americano Liberace recebeu duros ataques em um órgão de imprensa, após uma apresentação espalhafatosa no Madison Square Garden, de NY. Telegrafou depois a cada um dos responsáveis do jornal e ao seu detrator informando que as críticas o deixaram tão deprimido que havia chorado copiosamente durante todo o longo caminho de limusine para o banco.
Peça rara: Massenet e Saint-Saëns no mesmo LP
O compositor Camille Saint-Saëns (1835-1921) havia perdido a eleição para o Instituto de França, em 1878, para Jules Massenet (1848-1912). Perguntado sobre o rival, Saint-Saëns, diplomática e educadamente, respondeu que Massenet era um músico genial. Quando foi informado de que este último o havia tachado de compositor medíocre, Saint-Saëns usou de pronto uma rasteira inteligente: disse ao jornalista que ele, assim como Massenet, nunca dizia a verdade ou o que realmente pensava.
Gary Karr e sua bike: campus de Hartford
Indiferentes à opinião alheia sobre suas performances e pessoas, certos músicos, mesmo que cobertos por nobres casacas e sóbrias vestes femininas, às vezes escapolem das regras e não hesitam em lançar mão de expedientes como usar um velho par de jeans tingido de preto, como fez um dia a já falecida Marylou Speaker, spalla dos segundos violinos da Sinfônica de Boston, que ao entrar no palco escondeu com seu instrumento a placa de metal do bolso traseiro direito de seus jeans Levis escurecidos. E passou o concerto inteiro puxando a blusa preta para tampar o adereço. E o célebre contrabaixista Gary Karr, da Universidade de Hartford, mandou às favas o perfil sisudo e mandou instalar um rack em sua bicicleta para levar seu enorme contrabaixo campus afora, sob os maus olhares dos acadêmicos mais empedernidos.
Aliás, sobre este instrumento existem algumas dezenas de anedotas. Uma delas conta que um contrabaixista, após o intervalo, reclamou ao maestro, alto e bom som, que alguém havia desafinado uma corda de seu instrumento. O maestro: pois afine-a! O músico respondeu que não disseram quem foi o autor da brincadeira e que não contaram qual a corda!

sábado, 10 de março de 2018

ERAM OS MÚSICOS ASTRONAUTAS? V


Morte matada ou morrida e Sinhá Demência
(Cont.) Paul McCartney se deliciava com tiradas e frases de efeito. Quando estava para ser lançado o álbum Sgt. Pepper’s, o chefão da gravadora EMI, pediu, diplomaticamente, que o busto do líder indiano Mahatma Ghandi fosse removido da arte da capa, com certeza pela militância política do homenageado. Paul mandou dizer que aceitava, mas que no lugar dele queria dois ‘Marlon Brandos’. Por outro lado, vítima de uma mente doentia, John Lennon foi assassinado na portaria do seu prédio em frente ao Central Park de NY, o Dakota, por um idiota que queria esse privilégio a todo custo.
O "Jungle Room"
Outro ícone, Elvis Presley, ao contrário de Lennon insiste em ficar vivo na cabeça maluca dos fãs. Jura seu séquito de fanáticos que Elvis ainda estaria vivo, escondido no bunker subterrâneo da mansão de Graceland, Memphis. Em seus últimos anos, já meio “xarope”, Presley se recusava a gravar em estúdios, para desespero dos produtores. Pois a equipe montou equipamentos e parafernália no Jungle Room (Salão da Selva), no primeiro andar do palacete do cantor. Revoltado, Elvis enxotou todos dali, consta que com um fuzil automático.
Concurso de sósias de Elvis nas Filipinas
Morreu, é fato, de ‘morte morrida’: um infarto fulminante, sentado em um de seus vasos sanitários estofados em couro legítimo. Para manter o finado ídolo na memória, milhares de fanáticos e curiosos ainda se revezam no famoso memorial do cantor. Concursos de look alike, sósias pouco ou nada perfeitos, são realizados todos os anos, dele participando até senhoras de idade bem avançada de quem, passadas tantas décadas, Elvis seria rodeado, caso estivesse vivo.
No Brasil, o roqueiro Arnaldo Baptista, nascido em 1949, um dos mais refinados que o país já teve, formou com Rita Lee e Sérgio Dias o grupo Os Mutantes. Irreverentes e divertidos, seguiam a linha de bom-gosto e arranjos vocais à Beatles. Quem viu o grupo no Festival Internacional da Canção no Rio cantando Ando Meio Desligado, mesmo que não fosse entusiasta do gênero descobriu música sofisticada e brincadeira sadia. Surgida em uma casa da Pompéia paulistana, a banda tomou seus rumos, gravando com Gil e Tropicália, e alcançou sucesso até finalmente implodir, após desentendimentos durante uma viagem a Paris.
Sérgio Dias arriscou uma retomada, mas foi tentar um lugar ao sol na Inglaterra. Rita virou show-woman com direito a gelo seco e mulher pelada no palco, como no Hollywood Rock versão 1994. Emagreceu muito e foi vítima de boatos maldosos de que estaria doente - então gravou Não, Titia, Eu não Tô com Leucemia. Outro bochicho disse que teria tentado o suicídio, por causa de uma internação no Hospital Santa Catarina, na Av. Paulista, mas era uma intoxicação alimentar. Arnaldo Baptista trocou criações inteligentes, como o sugestivo disco Lóki, por sérias complicações. Em 1981, após sucessivas crises e algumas internações, jogou-se da janela da seção psiquiátrica do Hospital São Paulo, no 4° andar do Hospital do Servidor Público. Ficou em coma algum tempo e passou a abraçar atividades artísticas sem se preocupar com o resto do mundo. Mora em um sítio em Juiz de Fora, MG, e só concede entrevistas ao telefone pelo viva-voz, a esposa sempre atenta ao lado.
Arnaldo reapareceu em 1995 com a trilha sonora do filme Sinhá Demência e Outras Histórias, do cineasta Christian Saghaard - filho do meu amigo e flautista Jean-Noël - em parceria com Carlos Botosso. A parceria tinha não apenas afinidade artística ou gosto musical dos autores, passava pela delicada limiaridade entre criação, terror e loucura. É o ponto em que alguns artistas apresentam dificuldade para distinguir uma coisa da outra.
Outro roqueiro, o enfant térrible Lobão, deixou suas habilidades de baterista e lançou-se em carreira solo na guitarra. Anos depois, alcançou as páginas dos jornais por ter sido enquadrado por porte de maconha, Art. 16 do Cód. Penal. Certo dia, aceitou dar uma entrevista para o programa de TV do polêmico estilista Clodovil, que lhe fez uma pergunta sutil como uma bala de revólver: “por que você gosta de usar maconha?”. Lobão respondeu ao tiro de Clodovil com um de fuzil de guerra: “por que é que você gosta de...?”
É frequente que deixe de existir, em dado momento, qualquer preocupação de se estar indo além do exotismo, inusitado e, às vezes, ridículo, não  raro escandaloso. Bianca Jagger não surtou ao flagrar seu marido Mick com companhia na cama, mesmo que o consorte fosse o cantor David Bowie. Mas ficou uma onça quando divulgado pelo mundo que ele seria pai de uma criança da modelo brasileira Luciana Gimenez, alvo de súbita e vertiginosa notoriedade. Perdendo-se em aventuras, talvez Jagger já tenha ‘mostrado a cara’ na letra de maior sucesso do grupo Rolling Stones: I can get no satisfaction, eu não posso me satisfazer.
Ora, quem expõe no cotidiano toda sua sensibilidade e vida íntima não pode se dar ao luxo de relevar comentários maldosos acerca de sua pessoa – importa-lhe mais saber se sua criação arrebata plateias. Daí ser natural a aversão de muitos artistas aos críticos, alguns dos quais se arvoram o poder de desnudar o artista em strip-tease estético, físico e mental. Esse tipo de crítica não é bem-vinda, salvo se oferecida pelo próprio artista, sejam os seios expostos da Gal Costa em show de 1994 dirigido por Gerald Thomas ou autobiografias do gênero ‘chuto o balde e conto tudo’. Nesses casos, vira-se a alma ao avesso para que o crítico julgue um circo vivo com as lentes de seus próprios conceitos ou preconceitos. (Cont.)

sábado, 3 de março de 2018

ERAM OS MÚSICOS ASTRONAUTAS? IV


Fraudes, drogas e rock’n’roll
Usa-se de quaisquer artifícios para se conquistar um lugar ao sol. Até mesmo fraudes. Há mais de uns 25 anos um obscuro violinista de São Paulo, cujo nome prefiro não mencionar, foi alvo de notícias em vários órgãos de imprensa quando se descobriu que ele recorrera a expedientes nada canônicos, como diria meu pai, para sua pré-classificação em concurso no exterior. Fez passar como gravação sua um disco antigo e raro de um velho mestre do instrumento. Em âmbito internacional, foi denunciado por algo como um ‘estelionato musical’. Mas o assunto morreu.
Infelizmente, para ele, existem pessoas tão expertas nesse tipo de gravações históricas que nem mesmo uma frase musical, que seja, lhes passa despercebida, quando se trata de um artista de primeira grandeza. Consta até que existia uma espécie de ‘clube’ em NY, em que alguém colocava um disco na vitrola e os contendores duelavam apostando qual regente conduzia a abertura de ópera ou sinfonia tocada. Sociedades de amantes inveterados da música. Falando de outro brasileiro, este para ingressar em uma grande universidade americana outro usou um instrumento um tom abaixo (tocando bem mais lento), mas com certa habilidade, “puxou” a velocidade da fita para a tonalidade correta, algo mais rápida, mostrando uma destreza que não tinha. A partir desse incidente, obviamente percebido, passaram a exigir que o candidato repetisse lá, ao vivo, o que havia gravado. E, com o advento da tecnologia, passaram a aceitar somente vídeos: imagens com sons não mentem, não há mímica a se fazer, nem dublagem que escape.
Existem inúmeros casos de expedientes escusos para conquistas e autopromoção. Um deles, certamente, é o de uma pianista brasileira que há muitos anos, anualmente, enviava seu currículo pedindo datas em concertos para solista com grandes orquestras. Os administradores usavam como polida desculpa, segundo suas normas, a temporada seguinte estava repleta, e que o candidato deveria aguardar outra oportunidade – 'quem sabe, dois anos depois’. De posse das cartas, o artista as incluía em seu currículo e portfolio, informando que havia sido convidado para ser solista com tal e tal orquestra no ano seguinte.
MET, o templo novaiorquino 
Houve também casos de recortes de críticas escritas para performances de grandes artistas no exterior, habilmente montadas como se fossem de uma caprichosa artista. Com rara virtuosidade em outros instrumentos – fotocópia, tesoura e cola -, juntava essas críticas às suas diminutas, como se os comentários tivessem realmente sido escritos para ela. E há o caso também de cantor lírico amador, um negociante, que em viagem comercial inscreveu-se em concurso de seleção para participar de grandes casas de óperas, como o famoso MET (Metropolitan Opera, de NY). Recebeu ofícios com as datas de suas provas – que, claro, nem chegava a realizar. Nos EUA, os testes de seleção para músicos são chamados auditions, mas em uma tradução ao pé da letra, no Brasil, a palavra significa 'audições', apresentações. Daí, não foi difícil para o esperto ‘artista’ incluir essas performances que nunca aconteceram em seu currículo, dizendo que havia sido convidado para apresentar-se nessas grandes casas de ópera.
Fora das fraudes, o exótico sempre foi uma vitoriosa estratégia, como faziam os ex-rebeldes, hoje arrumadinhos e para lá de setentões Paul e Ringo, que juntamente com George e Lennon formavam o maior conjunto de música pop de todos os tempos. Chegaram a ser malditos como os possíveis quatro cavaleiros do apocalipse, e souberam explorar todas as possibilidades que a ‘macaquice de auditório’ lhes poderia oferecer. Ficaram tão famosos que certo dia, talvez meio surtado, Lennon disse que eles eram mais populares do que Jesus Cristo, blasfêmia que causou o maior reboliço. Se, por um lado, contavam com essas habilidades e a inteligência de Lennon, por outro havia Ringo Starr. Saído da classe portuária de Liverpool, perguntado se gostava de Beethoven respondeu que... amava os poemas dele.
Após os Beatles receberem uma condecoração da rainha da Inglaterra, Lennon mais uma vez extrapolou, e disse que os quatro novos cavaleiros naquele dia fumaram maconha em um dos banheiros do palácio. Queimaram escondidos, claro, mas a revelação, anos depois, não abalaria o mundo e menos ainda a incólume rainha britânica – sua majestade já havia colhido os dividendos que o conjunto havia levado à Grã-Bretanha. Os fab four acenderam, com essa revelação, mais do que um mero baseado, um estopim para renovar seu conceito entre os jovens rebeldes de todo o mundo. É que os quatro rapazes já estavam sendo considerados um tanto quanto comportados para seus fãs, cujos olhos se dividiam com outros cabeludos da ilha, os Rolling Stones.
Dr. Timothy Leary, professor e guru
A quebra da imagem de ‘bonzinhos’ caiu muito bem aos Beatles naquela época. Mas, pecando pelo exagero, uma das tentativas de gravarem Getting Better, do álbum Sgt. Pepper’s, foi interrompida pelos ataques incontroláveis de riso e total impossibilidade de tocar de Lennon, que estaria ‘viajando’ de ácido lisérgico, o LSD, coisa em voga naquela época. Seduzidos pelas experiências do professor, psicanalista e guru californiano Thimothy Leary, que apelidou a droga com as iniciais de sua seita particular, League of Spiritual Discovery (Liga de Descoberta Espiritual), as mesmas iniciais, diga-se de passagem, do título Lucy in the Sky with Diamonds, de Lennon e McCartney, obra-prima que é uma apologia nada discreta sobre o alucinógeno. (Cont.)