Tomando este título emprestado em parte de um lindo
sambinha do Billy Blanco, continuo com as anedotas sobre músicos. Se dá pra
chorar, como na música do John Lennon Woman
is the Nigger of the World - A Mulher é o Negro do Mundo -, dá para rir de contrabaixos,
violas e trompas, os que mais sofrem, como espécies de niggers da orquestra. Quando se pergunta ‘qual a diferença entre o
primeiro e o último contrabaixo da seção’, vem a anedota: ‘um tom e meio’,
quando, claro, todos deveriam estar tocando a mesma nota, o que sugere desafinação
surreal do naipe.
A viola também não escapa. ‘Se você se perder
em uma floresta, a quem pediria auxílio? Um coelhinho, um péssimo violinista ou
um violista excelente?’ A resposta seria ‘o péssimo violinista, pois coelho não
fala e violista excelente não existe’. Por fim, ‘a razão de existirem tantos
violistas à noite às portas de residências, tocando a esmo, é que eles
certamente perderam a key (a piada original
é em inglês, key tanto serve para a chave
da porta quanto para a tonalidade da música. O anedotário é internacional). E,
pior, não sabem quando entrar’, que no jargão da orquestra quer dizer começar a
tocar cada parte.
Municipal de SP, há décadas |
Verdadeiro: no Teatro Municipal de São Paulo
havia um contrabaixista russo, ótimo professor, Nicolau Svetschenko, que tinha
suas dificuldades com o português. Certa vez, a orquestra ensaiava o Tenente
Kije, de Prokofiev. O regente convidado, não ouvindo direito o famoso solo de
contrabaixo, parou e exclamou: contrabasso,
tu sei protagonista (você é protagonista)! Pediu mais volume, já que
naquela hora o músico seria o solista. Inocentemente, mas furioso, Nicolau
abandonou o instrumento no chão e por pouco não subiu ao pódio, exclamando,
dedo em riste: ‘protogônio é a mãe!’ (a palavra deve ter soado como alguma
coisa feia em russo). O naipe daquela época tinha figuras folclóricas que
marcaram época, além do Nicolau, como Corazza, Bianchi e Sandor.
Jacques Thibaud |
[Nas anedotas entram também instrumentos,
digamos, mais ‘castos’, como os violinos: ‘quantos são necessários para se
trocar uma lâmpada?’ A resposta é para fazer chacota com esses instrumentos na
hierarquia do poder da orquestra: ‘quarenta. Um para segurar a lâmpada e 39
para discutir o melhor jeito de fazê-lo’]. Contrapondo, outra historieta verídica.
O famoso violinista Jacques Thibaud acabara de dar um recital e recebia para
cumprimentos e autógrafos. Uma mocinha lhe trouxe um caderno de assinaturas tão
apinhado de dedicatórias que não havia espaço para Thibaud autografar.
Perguntou ele à mocinha: ‘mas onde eu escrevo, minha filha? Não há espaço para
escrever nada aqui’. Um colega, violinista famoso, ouvindo o diálogo por cima
do ombro de Thibaud, disse, maldosamente: ‘seu repertório’.
Violinista e violista |
Mas violistas são campeões em piadas, e
elas ‘são geralmente curtas, para eles entenderem’, dizem os colegas, com certo
veneno. Coisa do gênero ‘qual a diferença entre o violino e a viola’? (A viola
tem dimensões maiores). ‘Nenhuma, é que a cabeça dos violinistas é maior’. Há
os que retrucam com uma piada sobre o instrumento do colega, mas os mais
espertos lembram, eles mesmos, alguma sobre seu próprio instrumento, deixando o
parceiro sem graça. Essas brincadeiras são coisas de músico, e sempre levadas com
bom-humor, não há jeito. Mesmo porque depois daquele exaustivo concerto de
sábado todos se sentam para um chopinho, instrumentista ao lado de outro – ou
em grupos, naipes ou seções, mas todos ali. E na hora da música de câmara extra-horário
acabam-se quaisquer diferenças - menos as brincadeiras.
A maior parte das boutades recai sobre afinação,
palavra cruel. No passado, trompas e trompetes não possuíam válvulas, ou
pistões, tal como os dos automóveis. Elas fazem o tubo onde o ar se desloca
mais longo ou mais curto, levando a coluna de vento passar por voltas mais
longas, simples ou combinadas. Essas peças possibilitam a execução de todas as
notas. Os oboés, clarinetes, flautas e fagotes tinham um mecanismo primitivo de
chaves até Theobald Boëhm criar seu
sistema de chaves, no séc. 19.
Trompete e shawm |
A própria função de cada instrumento em nossa
música já mostrava algumas diferenças, talvez daí as rivalidades: ao oboé, quando
era o primitivo shawm, cabia ficar em
lugares estratégicos, como em cima das torres, e seu agudo cortante anunciava a
chegada de visitantes. Os trombones, vindos do ‘saquebute’, tinham função
eclesiástica: quando em grupos, soam como belo e poderoso órgão. Aos trompetes eram
dadas funções palacianas, como saudar a entrada de nobres ou pessoas de grande
investidura nos precintos. Já as cordas, com seu som característico e muito pouco
volume no passado, usando cordas de tripa animal (hoje são metálicas) eram
perfeitas para grupos de igrejas ou pequenos recintos (in Raynor, Henry). Mas
aí veio Monteverdi, no período barroco, e deu de juntar todo mundo em um grupo
maior. E mais problemas.
Domenico Scarlatti |
Scarlatti (1685-1757) reclamava que os sopros
não afinavam (ainda não havia o sistema Boëhm, do séc. 19). E que o som das
trompas chegava sempre atrasado – as campanas, aquelas peças em forma de sino por
onde o som é projetado, são voltadas para trás. Estudava-se uma compensação. Ele
também reclamava das passagens dos baixos que não ouvia direito, porque em um
conjunto maior é claro que há certos limites. Finalizando, mais uma sobre os
contrabaixos: ‘quantos contrabaixistas são necessários para se trocar uma
lâmpada? Nenhum, pois um pianista pode fazê-lo com sua mão esquerda’ (da linha
grave do piano).
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