Morte
matada ou morrida e Sinhá Demência
(Cont.)
Paul McCartney se deliciava com tiradas e frases de efeito. Quando estava para
ser lançado o álbum Sgt. Pepper’s, o chefão da gravadora EMI, pediu,
diplomaticamente, que o busto do líder indiano Mahatma Ghandi fosse removido da
arte da capa, com certeza pela militância política do homenageado. Paul mandou
dizer que aceitava, mas que no lugar dele queria dois ‘Marlon Brandos’. Por outro
lado, vítima de uma mente doentia, John Lennon foi assassinado na portaria do
seu prédio em frente ao Central Park de NY, o Dakota, por um idiota que queria esse
privilégio a todo custo.
O "Jungle Room" |
Outro ícone,
Elvis Presley, ao contrário de Lennon insiste em ficar vivo na cabeça maluca
dos fãs. Jura seu séquito de fanáticos que Elvis ainda estaria vivo, escondido no
bunker subterrâneo da mansão de Graceland,
Memphis. Em seus últimos anos, já meio “xarope”, Presley se recusava a gravar
em estúdios, para desespero dos produtores. Pois a equipe montou equipamentos e
parafernália no Jungle Room (Salão da
Selva), no primeiro andar do palacete do cantor. Revoltado, Elvis enxotou todos
dali, consta que com um fuzil automático.
Concurso de sósias de Elvis nas Filipinas |
Morreu,
é fato, de ‘morte morrida’: um infarto fulminante, sentado em um de seus vasos
sanitários estofados em couro legítimo. Para manter o finado ídolo na memória,
milhares de fanáticos e curiosos ainda se revezam no famoso memorial do cantor.
Concursos de look alike, sósias pouco
ou nada perfeitos, são realizados todos os anos, dele participando até senhoras
de idade bem avançada de quem, passadas tantas décadas, Elvis seria rodeado,
caso estivesse vivo.
No
Brasil, o roqueiro Arnaldo Baptista, nascido em 1949, um dos mais refinados que
o país já teve, formou com Rita Lee e Sérgio Dias o grupo Os Mutantes. Irreverentes
e divertidos, seguiam a linha de bom-gosto e arranjos vocais à Beatles. Quem
viu o grupo no Festival Internacional da Canção no Rio cantando Ando Meio
Desligado, mesmo que não fosse entusiasta do gênero descobriu música sofisticada e brincadeira
sadia. Surgida em uma casa da Pompéia paulistana, a banda tomou seus rumos,
gravando com Gil e Tropicália, e alcançou sucesso até finalmente implodir, após
desentendimentos durante uma viagem a Paris.
Sérgio
Dias arriscou uma retomada, mas foi tentar um lugar ao sol na Inglaterra. Rita
virou show-woman com direito a gelo seco e mulher pelada no palco, como no
Hollywood Rock versão 1994. Emagreceu muito e foi vítima de boatos maldosos de
que estaria doente - então gravou Não, Titia, Eu não Tô com Leucemia. Outro bochicho
disse que teria tentado o suicídio, por causa de uma internação no Hospital
Santa Catarina, na Av. Paulista, mas era uma intoxicação alimentar. Arnaldo
Baptista trocou criações inteligentes, como o sugestivo disco Lóki, por sérias
complicações. Em 1981, após sucessivas crises e algumas internações, jogou-se
da janela da seção psiquiátrica do Hospital São Paulo, no 4° andar do Hospital
do Servidor Público. Ficou em coma algum tempo e passou a abraçar atividades
artísticas sem se preocupar com o resto do mundo. Mora em um sítio em Juiz de
Fora, MG, e só concede entrevistas ao telefone pelo viva-voz, a esposa sempre atenta
ao lado.
Arnaldo
reapareceu em 1995 com a trilha sonora do filme Sinhá Demência e Outras
Histórias, do cineasta Christian Saghaard - filho do meu amigo e flautista
Jean-Noël - em parceria com Carlos Botosso. A parceria tinha não apenas
afinidade artística ou gosto musical dos autores, passava pela delicada limiaridade
entre criação, terror e loucura. É o ponto em que alguns artistas apresentam
dificuldade para distinguir uma coisa da outra.
Outro
roqueiro, o enfant térrible Lobão, deixou
suas habilidades de baterista e lançou-se em carreira solo na guitarra. Anos
depois, alcançou as páginas dos jornais por ter sido enquadrado por porte de
maconha, Art. 16 do Cód. Penal. Certo dia, aceitou dar uma entrevista para o
programa de TV do polêmico estilista Clodovil, que lhe fez uma pergunta sutil
como uma bala de revólver: “por que você gosta de usar maconha?”. Lobão respondeu
ao tiro de Clodovil com um de fuzil de guerra: “por que é que você gosta de...?”
É
frequente que deixe de existir, em dado momento, qualquer preocupação de se estar
indo além do exotismo, inusitado e, às vezes, ridículo, não raro escandaloso. Bianca Jagger não surtou ao
flagrar seu marido Mick com companhia na cama, mesmo que o consorte fosse o
cantor David Bowie. Mas ficou uma onça quando divulgado pelo mundo que ele
seria pai de uma criança da modelo brasileira Luciana Gimenez, alvo de súbita e
vertiginosa notoriedade. Perdendo-se em aventuras, talvez Jagger já tenha ‘mostrado
a cara’ na letra de maior sucesso do grupo Rolling Stones: I can get no satisfaction, eu não posso me satisfazer.
Ora,
quem expõe no cotidiano toda sua sensibilidade e vida íntima não pode se dar ao
luxo de relevar comentários maldosos acerca de sua pessoa – importa-lhe mais
saber se sua criação arrebata plateias. Daí ser natural a aversão de muitos artistas
aos críticos, alguns dos quais se arvoram o poder de desnudar o artista em
strip-tease estético, físico e mental. Esse tipo de crítica não é bem-vinda, salvo
se oferecida pelo próprio artista, sejam os seios expostos da Gal Costa em show
de 1994 dirigido por Gerald Thomas ou autobiografias do gênero ‘chuto o balde e
conto tudo’. Nesses casos, vira-se a alma ao avesso para que o crítico julgue um
circo vivo com as lentes de seus próprios conceitos ou preconceitos. (Cont.)
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