Meia volta e volta e meia, instrumentos
musicais surgem com nomes diversos, a depender da origem, do lugar onde vivem e
até de seus formatos e construção, como fossem pessoas. Daí vários nomes para cada
um, como um sujeito com vários apelidos. (E há também instrumentos com o mesmo
nome, como Joões ou Marias musicais). Na bem desenhada ascendência dos instrumentos,
eles adquirem personalidades, vozes e roupagens nos conformes da época ou região em
que foram adotados (ou são dados por nascidos).
Andrea Amati, professor de Stradivari |
Às clássicas, tocadas com arco: a
viola das orquestras e quartetos de cordas é um instrumento semelhado a um
violino, pouco maior. No séc. 16 o luthier Andrea Amati organizou a família dos
então recentes instrumentos, a viola ocupando o lugar que seria o da voz
contralto (por isso, ‘alto’ em algumas partituras), segunda voz feminina no
coral - soprano, contralto, tenor e baixo. O som flui doce como voz de mulher, só
que grave e encorpado como a aparência do instrumento, é mais voix de poitrine (voz de peito)
do que o violino, primeira voz e geralmente a estrela condutora da melodia-rainha.
Viola Bastarda |
A antiga viola que deu origem a essa
família é um instrumento com finos trastes de tripa animal espaçados ao longo
do braço, e teria se espalhado pela Europa via Espanha, durante o Renascimento,
ao final da ocupação mourisca na Península. A viola da braccio (braço) e a da
gamba (perna) trazem suas variantes, como a viola d’amore, a arciviola e o
violone, de voz mais grave e quase um contrabaixo, o popular rabecão, grande
rabeca. Mas pobre da viola bastarda, surgida na Itália barroca, ainda nascitura já sofria
com esse nome, embora de belo e virtuoso som!
Viola d'amore: por baixo das cordas dedilhadas, as cordas simpáticas |
A viola d’amore era uma prima da viola
da braccio. Tinha seis cordas dedilhadas à esquerda e até sete de simpatia, ou
seja, vibravam soltas ao som das primeiras. Daí o som cheio, harmonioso, simpatias
tornando-se quase amor, o d’amore já diz. A viola da spalla (ombro, em
italiano), do tamanho de um pequeno violoncelo, era tocada com apoio no ombro
do executante, e não raro amarrada ao cinturão do músico, para que pudesse participar
de marcha, desfile ou honra pública. A viola di fagotto foi uma das inúmeras
invenções dos artesãos da época. Algumas de suas cordas de tripa eram
recobertas por metal, daí um som mais rasgado, que achavam assemelhar-se ao do fagote
da época, que lhe deu o nome de pia.
Haydn, por J. F. Rigaud |
A viola pomposa, final do período
barroco, possuía cinco cordas e também era prima da viola da braccio, mas mesmo
com alcunha de pompa não deu de vingar. A viola paradone italiana (séc. 17-18)
tinha um irmão, baryton, tocado como a viola da gamba entre as pernas do músico.
Eram seis ou sete cordas arqueadas e doze a vinte que oscilavam por simpatia, soltas,
ao ressoar das que eram tocadas pelos dedos da mão esquerda e arco do músico. Haydn escreveu
mais de 150 trios com o instrumento, dever de ofício de servo da arte da corte:
o mecenas do compositor, o príncipe Esterhàzy, tinha no baryton/paradone seu
instrumento favorito, e por missão de apadrinhado o próprio Haydn tocava junto
com ele, trazendo o tcheco Antonín Kraft ao violoncelo - por prazer, um pouco
de ouro ou puxassaquismo. Já havia tantas novidades a escolher, algumas invencionices
duravam mais e outras, mais doidivanas, não.
Arpeggione (Strings Magazine) |
Com o classicismo, essas invenções
ameaçavam a escassear, mas no romantismo decolou o arpeggione, parecido com o
violoncelo mas com seis cordas e trastes ao longo do braço. Schubert dedicou-lhe
uma brilhante sonata que leva o nome do instrumento, peça hoje tocada por dez entre
dez bons violoncelistas e os melhores contrabaixos e violas.
Viola de arame (Escola M-Arte) |
Saltando no tempo e no mundo, interessa
de coração a nossa riquíssima viola de arame ou caipira, tão popular no Brasil,
às vezes também dita bandurra ou machete, ou ainda viola brasileira, buriti,
cabocla, cantadeira, de bambu, de cabaça, de cacho, chorona, de dez cordas,
ligina, de feira, de Queluz (proximidades de Lisboa!), nordestina ou sertaneja.
Braga, Portugal, linda. |
Em cada lugar há variantes de cinco
ou seis ordens duplas de cordas, filhotes locais gestados ao longo de tantas jornadas,
as origens convergindo à viola braguesa (de Braga, norte lusitano). Essa viola chegou,
ainda rudimentar, à terra de Camões, na enorme bagagem cultural dos invasores
mouros, cresceu e tomou corpo durante os 711 anos de ocupação da Península
Ibérica. Por aqui, a descendente dessa braguesa pé-vermeio
é a estrela da moda de viola, do cururu, da música caipira, do sertanejo real e
de um mundaréu de outros gêneros.
Grupo Violas de Arame |
Dita em geral viola de arame pelos diferentes
rincões do país com todos esses nomes e apelidos, ela se utiliza, a depender do
lugar e do estilo, de afinações diferentes, ao sabor do executante - dono da
viola em cada região é como fosse dono da bola. Sempre com o número possível de
cordas soltas e a sensibilidade e parcimônia dos dedos da mão esquerda, seduz pelo
prazer de sua ressonância especial, as cordas duplas quase como dois
instrumentos soando perfeitamente juntos. Algumas dessas afinações são chamadas
cebolinha, cebolão, guitarra, natural, boiadeira, rio-abaixo e maxabomba, podendo
ser alteradas ao prazer do bem tocar, do jeito almejado e do cantar ao calor ou
ao frio de onde fez sua morada.
[Viola Minha Viola é um programa já
de uns 40 anos da TV Cultura, e foi comandado pela insubstituível Inezita Barroso (1925-2015), caipira
com os dois pés fincados no chão. Todos os nomes da música de raiz brasileira
por lá passaram uma, duas ou dez vezes. Com a viola e os caipiras, o programa é
patrimônio de nossa cultura mais verdadeira.]
Mais um belo trabalho Professor!
ResponderExcluirUma vez assisti um historiador da música brasileira e falando da viola disse ter no Brasil mais de noventa afinações diferentes e foi dizendo o nome delas até que chegou num ponto e disse afinação Tatuiana( extinta) aí conversei com uns antigos violeiros daqui e disseram desconhecer.