A Academia de Platão (Rafael Sanzio, 1.510) |
Para não nos alongarmos voltando a Platão
(387 a.C.) e todo o longo caminho percorrido até hoje, vale recorrer ao
Houaiss, muito confiável para breves consultas. Diz o verbete universidade:
“Instituição de ensino e pesquisa constituída por um conjunto de faculdades”. E sobre
faculdade, esclarece: “Instituição de ensino superior (isolada ou integrante de
uma universidade”). A exemplo, na USP há quase trinta Faculdades, Escolas e
Institutos, cada um com número considerável de cursos.
Mais de uma vez ouvi referências a alguma
‘universidade de música’. Trata-se de algo inexistente, pois por definição vimos que uma universidade engloba
diversas áreas do conhecimento. Faculdades às vezes agrupam mais de uma área, e
parecem sonhar a ampliação rumo a um patamar maior, a universidade. Exemplo
é um curso de música que criei e dirigi em SP, trabalho extenuante iniciado em
2005, hoje referência entre as particulares. Essa faculdade também congrega cursos de agronomia, direito e administração.
exame.abril.com |
Criar um curso com o aval do MEC é como um trabalho
de Hércules. Mínimo de doutores, mestres e, enfim, bacharéis, as classes
seguindo um modelo padrão para todas as áreas e a pouca compreensão do
ministério sobre a especificidade musical. Há entraves como aulas individuais de
instrumento em um quadro de classes e horários a ser preenchido dentro de certas regras fixas; faz-se de conta que todos os alunos do curso terão aulas sozinhos na mesma hora. Após
a formatura da 1ª turma, outra visita do MEC autorizará ou não o curso – no caso
mencionado, foi nota máxima.
Universidade de São Paulo (Jorge Maruta/USP imagens) |
Na esfera pública, conheço os
meandros da USP, da qual me aposento em breve, onde há uma ligeiramente maior autonomia.
Mas a Fuvest... Bom, a adequação da Música às regras da Fuvest teve, na medida
do possível, algumas poucas melhoras, mas é nonsense pensar a música inserida em um universo tão
multifacetado e hermético. O problema maior hoje ainda não é só o do ingresso de
alunos, mas o de professores. Eu havia chegado com um diploma de peso dos EUA,
mas após poucos tempo houve uma publicação da reitoria no Diário Oficial, em
nome do ‘interesse acadêmico’, dando-me prazo para fazer o mestrado.
Prof. Emérito Sábato Magaldi (arquivo pessoal) |
Mas qual mestrado? Não havia tal
curso em música! Como alguns colegas, pensei, escolhi e fui aceito em Artes Plásticas.
Confesso que aproveitei, mas quando o Departamento de Música emplacou seus três
doutores e abriu o curso de mestrado foi lá que eu concluí o título. O mesmo se
deu com o doutorado: não havia ainda tal curso em música. Lá fui eu me
preparar, recuperar o francês (o inglês já tinha sido o idioma no mestrado), e
a sorte de ter como orientador o saudoso e imortal da ABL Sábato
Magaldi. Quando chegou a vez do doutorado, foi como a forma musical ‘variações sobre um tema’: repeti a dose do
mestrado, e quando o curso foi estabelecido no Departamento de Música mudei-me outra vez para lá.
(Fondazione Stauffer) |
Hoje, o título de doutor é
pré-requisito para ingresso nas públicas. Isso traz maior peso aos Departamentos,
mas tolhe o ingresso de alguns dos melhores profissionais das Artes: sequer poderiam se inscrever estrelas internacionais como Nelson Freire e
Antonio Meneses, só para citar dois nomes reverenciados internacionalmente, sem
falar em tantos excelentes músicos brasileiros ou estrangeiros que residem aqui. Um
hipotético aluno, ‘encadeando’ diplomas, mesmo sem ter feito apresentações de porte ou tocado em orquestra de primeira no currículo, logo se torna apto a disputar uma vaga. Essa rotina de títulos é desconhecida no exterior: meu professor de instrumento mal se
formou bacharel e já era o orientador mais procurado, como solista do naipe na
Sinfônica de Boston. Isso, aos 23 anos de idade.
Eleazar de Carvalho com Marguerite Long: Légion d'Honneur |
Eleazar de Carvalho, nosso maestro
maior, foi titular da famosa Yale University tendo apenas um bacharelado. Recebido
com todas as honras e a presença do presidente brasileiro, chegou agraciado com
sua cátedra e o título de doutor honoris causa da própria Yale.
Harvard University |
O renomado educador Caio Moura Castro
publicou na Veja (fev. 2005) “Harvard, quem diria, Acabou no Irajá”,
parodiando a peça “Greta Garbo, quem diria...”, de Fernando Melo. Disse ele que certo dia Larry
Summers, presidente de Harvard University, teria assistido a um desfile da
Beija-Flor e se apaixonado. Logo trouxe mala e cuia, comprou casa em Nilópolis, convidou
os melhores professores, criou ali uma Harvard tropical. Mas o MEC, ao inspecionar,
acabou com o curso por estar em desacordo com as ‘regras’. Essa alegoria de
Moura Castro não é cômica, é trágica.
Prova escrita da Fuvest |
Agora, o pior de tudo: nas escolas
superiores dos EUA - conheço mais de 30 delas -, a prova maior, decisiva, não é
uma Fuvest, e sim tocar para uma banca. No Brasil, ao equiparar um vestibular
de Música ao de Engenharia, perde a primeira: ao contrário dos candidatos aos
outros cursos, que quase nada sabem de suas profissões almejadas, alunos de música
devem chegar prontos, ou seja, tocando bem. Não se faz um violinista ou um
pianista em quatro anos, a universidade apenas lapida o aluno que já tem bom
desempenho. Daí a necessidade dos bons conservatórios, escolas de música ou ótimas
escolas preparatórias, como as de algumas instituições americanas.
Jordan Hall, New England Conservatory |
As melhores escolas superiores de
música dos EUA têm 250 (Curtis), 800 (New England) ou 1.000 alunos, às vezes um
pouco mais. E cômputo geral são muitas, de todos os níveis. A diferença se sente na hora da duríssima
competição, que tem princípio com o ingresso no curso até uma boa colocação como músico
profissional. Aos jovens músicos brasileiros, digo sempre que devem escolher bem seu
professor, e uma boa universidade ou faculdade. Diploma só pelo diploma serve para começar a galgar etapas para um
dia chegar a doutor e prestar concurso para lecionar em uma boa universidade. Ou para ter direito
a prisão especial.
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