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domingo, 10 de fevereiro de 2019

UNIVERSIDADE OU FACULDADE?

A Academia de Platão (Rafael Sanzio, 1.510)

Para não nos alongarmos voltando a Platão (387 a.C.) e todo o longo caminho percorrido até hoje, vale recorrer ao Houaiss, muito confiável para breves consultas. Diz o verbete universidade: “Instituição de ensino e pesquisa constituída por um conjunto de faculdades”. E sobre faculdade, esclarece: “Instituição de ensino superior (isolada ou integrante de uma universidade”). A exemplo, na USP há quase trinta Faculdades, Escolas e Institutos, cada um com número considerável de cursos.
Mais de uma vez ouvi referências a alguma ‘universidade de música’. Trata-se de algo inexistente, pois por definição vimos que uma universidade engloba diversas áreas do conhecimento. Faculdades às vezes agrupam mais de uma área, e parecem sonhar a ampliação rumo a um patamar maior, a universidade. Exemplo é um curso de música que criei e dirigi em SP, trabalho extenuante iniciado em 2005, hoje referência entre as particulares. Essa faculdade também congrega cursos de agronomia, direito e administração.
exame.abril.com
Criar um curso com o aval do MEC é como um trabalho de Hércules. Mínimo de doutores, mestres e, enfim, bacharéis, as classes seguindo um modelo padrão para todas as áreas e a pouca compreensão do ministério sobre a especificidade musical. Há entraves como aulas individuais de instrumento em um quadro de classes e horários a ser preenchido dentro de certas regras fixas; faz-se de conta que todos os alunos do curso terão aulas sozinhos na mesma hora. Após a formatura da 1ª turma, outra visita do MEC autorizará ou não o curso – no caso mencionado, foi nota máxima.
Universidade de São Paulo (Jorge Maruta/USP imagens)
Na esfera pública, conheço os meandros da USP, da qual me aposento em breve,  onde há uma ligeiramente maior autonomia. Mas a Fuvest... Bom, a adequação da Música às regras da Fuvest teve, na medida do possível, algumas poucas melhoras, mas é nonsense pensar a música inserida em um universo tão multifacetado e hermético. O problema maior hoje ainda não é só o do ingresso de alunos, mas o de professores. Eu havia chegado com um diploma de peso dos EUA, mas após poucos tempo houve uma publicação da reitoria no Diário Oficial, em nome do ‘interesse acadêmico’, dando-me prazo para fazer o mestrado.
Prof. Emérito Sábato Magaldi (arquivo pessoal)
Mas qual mestrado? Não havia tal curso em música! Como alguns colegas, pensei, escolhi e fui aceito em Artes Plásticas. Confesso que aproveitei, mas quando o Departamento de Música emplacou seus três doutores e abriu o curso de mestrado foi lá que eu concluí o título. O mesmo se deu com o doutorado: não havia ainda tal curso em música. Lá fui eu me preparar, recuperar o francês (o inglês já tinha sido o idioma no mestrado), e a sorte de ter como orientador o saudoso e imortal da ABL Sábato Magaldi. Quando chegou a vez do doutorado, foi como a forma musical ‘variações sobre um tema’: repeti a dose do mestrado, e quando o curso foi estabelecido no Departamento de Música mudei-me outra vez para lá.
(Fondazione Stauffer)
Hoje, o título de doutor é pré-requisito para ingresso nas públicas. Isso traz maior peso aos Departamentos, mas tolhe o ingresso de alguns dos melhores profissionais das Artes: sequer poderiam se inscrever estrelas internacionais como Nelson Freire e Antonio Meneses, só para citar dois nomes reverenciados internacionalmente, sem falar em tantos excelentes músicos brasileiros ou estrangeiros que residem aqui. Um hipotético aluno, ‘encadeando’ diplomas, mesmo sem ter feito apresentações de porte ou tocado em orquestra de primeira no currículo, logo se torna apto a disputar uma vaga. Essa rotina de títulos é desconhecida no exterior: meu professor de instrumento mal se formou bacharel e já era o orientador mais procurado, como solista do naipe na Sinfônica de Boston. Isso, aos 23 anos de idade.
Eleazar de Carvalho com Marguerite Long: Légion d'Honneur
Eleazar de Carvalho, nosso maestro maior, foi titular da famosa Yale University tendo apenas um bacharelado. Recebido com todas as honras e a presença do presidente brasileiro, chegou agraciado com sua cátedra e o título de doutor honoris causa da própria Yale.  

Harvard University
O renomado educador Caio Moura Castro publicou na Veja (fev. 2005) “Harvard, quem diria, Acabou no Irajá”, parodiando a peça “Greta Garbo, quem diria...”, de Fernando Melo. Disse ele que certo dia Larry Summers, presidente de Harvard University, teria assistido a um desfile da Beija-Flor e se apaixonado. Logo trouxe mala e cuia, comprou casa em Nilópolis, convidou os melhores professores, criou ali uma Harvard tropical. Mas o MEC, ao inspecionar, acabou com o curso por estar em desacordo com as ‘regras’. Essa alegoria de Moura Castro não é cômica, é trágica.

Prova escrita da Fuvest
Agora, o pior de tudo: nas escolas superiores dos EUA - conheço mais de 30 delas -, a prova maior, decisiva, não é uma Fuvest, e sim tocar para uma banca. No Brasil, ao equiparar um vestibular de Música ao de Engenharia, perde a primeira: ao contrário dos candidatos aos outros cursos, que quase nada sabem de suas profissões almejadas, alunos de música devem chegar prontos, ou seja, tocando bem. Não se faz um violinista ou um pianista em quatro anos, a universidade apenas lapida o aluno que já tem bom desempenho. Daí a necessidade dos bons conservatórios, escolas de música ou ótimas escolas preparatórias, como as de algumas instituições americanas.
Jordan Hall, New England Conservatory
As melhores escolas superiores de música dos EUA têm 250 (Curtis), 800 (New England) ou 1.000 alunos, às vezes um pouco mais. E cômputo geral são muitas, de todos os níveis. A diferença se sente na hora da duríssima competição, que tem princípio com o ingresso no curso até uma boa colocação como músico profissional. Aos jovens músicos brasileiros, digo sempre que devem escolher bem seu professor, e uma boa universidade ou faculdade. Diploma só pelo diploma serve para começar a galgar etapas para um dia chegar a doutor e prestar concurso para lecionar em uma boa universidade. Ou para ter direito a prisão especial.


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