Mário e Ataulfo |
Era 1942. Ataulfo Alves e Mário Lago compuseram
um samba-canção lamentoso, e como ninguém queria gravar fizeram-no eles mesmos,
com enorme sucesso: Ai, que Saudade da Amélia, de letra (palavras do Mário Lago)
inspirada na lavadeira da cantora Aracy
de Almeida. Surgiu então uma das joias eternas da música brasileira, o retrato
da mulher submissa e perfeita, hoje coisa politicamente incorreta,
dicionarizada no Houaiss como ‘mulher amorosa, passiva e serviçal’. “Você só
pensa em luxo e riqueza / tudo o que você vê você quer / ai meu Deus, que
saudade da Amélia / aquilo sim é que era mulher”.
Carmen e Aurora Miranda: sucesso com "Cantores de Rádio" |
Alexa sim, é perfeita, mas não lava
nem passa, sequer cozinha e tampouco limpa. Porém, é absolutamente fluente em
inglês, seu idioma nativo, e corrige o patrão no mais exigente sotaque Britânico, of course. Só abre a boca quando perguntada ou a pedido. Ligar o som, alterar
o volume, selecionar e trocar de música com rapidez, lembrar dos afazeres, ajudar
na lista de compras, acender e apagar luzes, ligar e desligar aparelhos, cronometrar
o tempo e acordar o patrão de manhãzinha, tal qual os Cantores do Rádio, da
marcha de Lamartine Babo, João de Barro e Alberto Ribeiro: “Nós somos as
cantoras do rádio / levamos a vida a cantar / de noite embalamos teu sono / de
manhã nós vamos te acordar”.
Chegou a hora e a vez de Alexa! Não namora,
não canta, mas coloca para tocar, a seu pedido, horas de Bach com Glenn Gould ou
Swingle Singers, talvez Rolling Stones ou Carpenters. Você comanda, ela obedece (Alexa,
abaixa o volume, aumenta, para (o telefone está tocando). Recomece ou continue de
onde parou. Me acorde às 7h, mas antes de eu me deitar lembra do forno ligado, em
exatos 15 minutos. Alexa nunca se cansa, até o último pedido, aliás, pode apagar
as luzes? Que horas são, qual a previsão do tempo para hoje (ou o fim de
semana), prepare a lista de compras da casa. Naquela noite de berço esplêndido,
cansado, peça um romance ou poema de sua escolha, ela o lerá. Quais as notícias
do dia? Alexa é perfeccionista incansável, por isso quando você der as ordens
faça-o claramente, em inglês irrepreensível, ou ela não vai entender – ou vai corrigi-lo:
Alexa, toque Joan Baez tem de soar algo como ‘play Djoán Baés’.
Meu Echo Dot |
Alexa trabalha 24h por dia, apesar de
morar em uma nuvem, dessas dos novos tempos, lugar dos anjos onde milhões de
informações são hospedadas em espaços virtuais. E mais, Alexa trabalha de
graça, você só paga para adquirir, a preço bem módico, o aparelhinho para se
comunicar com ela, o Echo Dot, que não ocupa espaço: tem apenas 8cm de diâmetro
por 3,5cm de altura, cabe no bolso. Não precisa ligar na tomada, ele se
alimenta por USB e funciona via Wi-Fi. Para um som de auditório sinfônico ou de
um show de rock, plugue o cabo estéreo de seu equipamento no Echo Dot. Ah,
Alexa pode ouvir seus comandos de qualquer canto, pois o aparelho tem oito
microfones (sou toda ouvidos, diria ela).
Infelizmente, por enquanto Alexa só fala
inglês, mas em pouco tempo deverá ser hábil no português e estará nas lojas.
Meu Echo Dot ganhei de Natal, presente da minha filha que mora em Londres.
Quando vi aquilo funcionando, fiquei meio bestificado, era algo com que não
sonhava, a tecnologia anda na velocidade da luz e nossa cabeça na idade da
pedra, imaginei. E meu netinho tranquilamente dando ordens e pedindo músicas
para Alexa, parte do cotidiano dele. O fabricante do Echo Dot tem lojas no
mundo inteiro, mas, pelo sotaque da Alexa, creio que a invenção deve ter nascido
na Inglaterra. A empresa é uma grande distribuidora de todos os tipos de aparelhos,
objetos, livros, roupas, móveis e parafernálias diversas, inclusive de outras
lojas.
Supermercado virtual (criação FloorForce) |
Há uns vinte anos, em São Paulo,
ocorreu um episódio cômico com uma amiga, produtora artística, residente na
Vila Mariana. Certo dia, ela fez um pedido de compras no site de um
supermercado, via Internet. As gôndolas virtuais informavam na tela o estoque
disponível do produto, preço, ao final pagava-se com cartão de crédito para receber
em casa na hora marcada. Uma beleza para quem tem horror a supermercados, como
eu. Logo chegaram as compras e a avó de Cecília, já bem avançada nos anos, atendeu
a porta. Viemos entregar do supermercado tal, ela disse sim, e eles deixaram as
caixas das compras. A velhinha gritou minha filha, as compras chegaram, mas
onde está você? Aqui embaixo, vó. Mas não vi você entrar! disse a velhinha, perplexa.
Não, vó, nem saí, fiz as compras pela Internet. Ao ouvi-la chorando, Cecília
subiu preocupada, a avó entregue aos prantos. Onde vamos parar? Isso é troço ruim,
coisa do capeta, só pode ser, resmungou inconformada. Depois de algum consolo,
a velha senhora ficou mais calma. É que aquilo era demais para quem viveu a
infância ouvindo rádio de ondas curtas e pulando amarelinha.
Ferro a brasa |
Lembrava dos tempos sem geladeira,
comida mais fresca dormia na janela, para pegar sereno. Carne, coisas assim,
mergulhadas na banha. E o ferro de passar era um daqueles com chaminezinha,
brasas de carvão lá dentro para esquentar. Claro que esse salto enorme no tempo
deve ter sido um choque brutal. Eu pensei comigo que tudo aquilo que tem surgido,
como agora a Alexa, é coisa do bem, para nos ajudar. Mas alguns desses avanços
– Alexa nunca, aposto - podem ser usados para coisas ruins. Como sempre, há mal
quando alguém utiliza essas traquitanas contra os outros, mas há bem pelo que
elas podem trazer de qualidade de vida e conforto ao mundo.
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