Corredor do Palácio |
Princípio de 2007, após a posse de Serra
como governador. Eu e mais cinco músicos fomos convidados para uma conversa
informal no Palácio dos Bandeirantes, regada a bom vinho até tarde. Foi lá que
conheci o Serra e o João Sayad, secretário de cultura. Conversa vai e vem, o
governador até solfejou, disse ter estudado Canto Orfeônico na escola, cantarolou
uns trechos de árias de óperas italianas, come
si deve, e brincou: contem aos jornalistas que gosto de música, sim.
Sinfonia Cultura: Concertos para Jovens (programa) |
Dois anos antes, eu havia atuado na
luta pela manutenção da Sinfonia Cultura, uma orquestra ligada à Fundação Padre
Anchieta (Rádio e TV Cultura). Em dado momento, perguntei de supetão por que
acabaram com a orquestra. Serra olha para Sayad e repete a pergunta, o
secretário se vira e nos indaga a mesma coisa. Sem nada concluirmos, lembrei o
título de uma obra de Charles Ives, Pergunta sem Reposta (Unanswered Question).
Na época da grande coda da orquestra, escrevi um texto bilíngue (The folding of an Orchestra), que,
tornado lista de apoio, obteve milhares de assinaturas no Brasil e no exterior –
com apelos até de organismos internacionais como o Sindicato das Orquestras
Alemãs (DOV) e a Federação Americana de Músicos
(AFM). Ninguém se sensibilizou, e a orquestra foi extinta naquele 2005 – isso,
apesar do orçamento reduzido, coisa de 3 milhões anuais, na época, cobertos com
sobra por concertos nas escolas: um repasse de 7 milhões da Secretaria de
Educação para coisa de 70 concertos anuais (os programas impressos eram de
minha autoria). Aquela pergunta nunca terá resposta. Sob a batuta do Lutero
Rodrigues, era a única dedicada prioritariamente à execução da música
brasileira de concerto.
BSESP |
Em 2016 chega a hora e a vez da Banda
Sinfônica do Estado de São Paulo, criada em 1989. Com cerca de 82 músicos, a
BSESP executava de transcrições de música clássica ao vastíssimo repertório da
formação, escrito por compositores do mundo inteiro. Fora MPB, jazz, trilhas de
filmes e o cancioneiro do Brasil. A formação existe aos milhares no mundo,
especialmente nos EUA (as bandas sinfônicas tiveram início ainda no século 19).
Infelizmente, o Brasil possui pouquíssimas bandas/ensembles e similares, sendo raras
delas profissionais. O impacto sonoro de uma Banda Sinfônica é enorme para o
público em geral, atrai leigos para a boa música. E ao ar livre, em geral, pode
prescindir de amplificação. Por motivos não sabidos, veio a degola.
Filarmônica de Viena (HarrisonParrot) |
No exterior, orquestras já sofreram
crises. Na Europa, com todos os grupos estatais, são o orgulho de Berlim,
Stuttgart, Hamburgo, Viena, Londres, Paris e Praga. Não que não tenha havido impasses.
Um grande embate aconteceu na Filarmônica de Viena já em 1847, mas, com esforço
e a visão de prioridade da Cultura entre os povos germânicos ela foi mantida, e
reavivado o orgulho austríaco.
Berlim, com Benjamin Bilse |
Na Filarmônica de Berlim, aclamada
como a melhor do mundo, houve diversas crises, mas o povo e o Estado não
sucumbiram à moeda fácil das obras políticas de visibilidade física. Já aconteceu
nos idos de 1882, quando era regente Benjamin Bilse, e partiu dos músicos,
inconformados com os salários irrisórios. Mais adiante, um acordo com o
Conservatório Real, dirigido pelo lendário violinista Joseph Joachim, garantiu
a continuidade do grupo. As orquestras fazem parte da história e da cultura
alemã de tal forma que Hitler, na iminência de um ataque dos aliados, ordenou
que a música não parasse um dia sequer. O nefasto ditador nazista era um
aficionado por ópera desde a adolescência, mas, acima de tudo, a música era para
ele um símbolo do poderio alemão.
Grupo amador de ópera inglês : de 50 a 1.000 libras |
Nos EUA, o Estado praticamente não reconhece
as orquestras. Com um repasse pífio, quando existente, do NEA (National Endowment for the Arts), os
grandes conjuntos sobrevivem graças a ingressos (coisa absolutamente impossível
no Brasil), campanhas de arrecadação e doações de organizações privadas ou pessoas
físicas: os boards (conselhos das
orquestras) e programas de concertos agradecem essa generosidade dando-lhes
títulos como patrons, sponsors, donors. Orquestras enfrentaram crises, como as mundialmente famosas
Filarmônica de Nova Iorque, San Francisco e Minneapolis, ou simplesmente fecharam,
como as da Florida, Syracuse e Honolulu. Popularizar o repertório tem sido a
salvação para muitas delas, mesmo que com prejuízos à sua linha de trabalho.
OSB (créd.: Glamurama) |
No Brasil, a Orquestra Sinfônica
Brasileira, fundação de direto privado, passou por várias crises, e há alguns
anos demissões em massa. Era presidente da FOSB o banqueiro Eleazar de Carvalho
Filho, que recebeu o nome paterno, grande maestro. Usei de minha afinidade com o
saudoso pai dele, enviei bilhetes pessoais trocados entre o ‘velho’ e eu até nos
derradeiros dias dele, para sensibilizar o administrador (revelo aqui aos que
não sabiam dessas tratativas...). Não sei se ajudou, a crise foi contornada,
mas é recidiva: não tem havido, segundo li, a contribuição vital da Prefeitura.
Em São Paulo, a OSESP não corre riscos, mas tem tido seguidos cortes no
orçamento, com óbvio impacto em suas atividades. Trata-se de uma organização modelo, paradigma,
gerida por uma fundação de direito privado (Organização Social), cuja venda de
ingressos por si, ainda mais em tempos de crise, não suportaria sequer parte do
custeio.
OSR e Marlos Nobre (Teatro Santa Isabel) |
Lutam também a Filarmônica de Minas
Gerais, com Fábio Mechetti, a do Recife, sob a batuta de um dos maiores
compositores de nossa história, Marlos Nobre, a da Paraíba, com Luiz Carlos
Durier e outros Quixotes que insistem em manter nossa cultura viva. Uma luta
longa e inglória.
Picasso, 1955 |
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