“Tamba-tajá
me faz feliz / que o meu amor me queira bem / que seu amor seja só meu, de mais
ninguém”. É uma canção sobre lenda indígena (registrada pelo paraense Waldemar Henrique), que na voz dengosa e
merencória da Fafá de Belém, lançou-a em 1976. Da cultura tupi-guarani, que
triste história! Um valoroso índio Macuxi e uma linda moça da tribo se enamoraram
e amavam-se profundamente, casando-se conforme os rituais. Um dia, o infortúnio:
ela adoeceu, nem andar conseguia. Para mantê-la junto de si, por onde quer que
andasse o índio a carregava em uma espécie de rede nas costas. O fardo pesava demais
quando ele percebeu que sua cara-metade havia morrido. Arrasado, enterrou-se junto com
ela à beira de um riacho. Tempo passou e um dia nasceu ali uma frondosa planta,
Tambatajá. Parte do ano ela descansa, para depois renascer plena de vida,
espalhando colorido pelos bosques e florestas: verde, vermelho, roxo e às vezes prata.
Tambatajá: o renascer na Sagração da Primavera. |
(Eu também achava
que minha Tambatajá havia morrido, mas de triste deixei o vaso no lugar. Pois renasceu,
viveu e hibernou de novo. Agora, com a partida do inverno, já ressurge da
terra, lindas folhas em pares grande-pequena, simbolizando casais.)
Tambatajá
dormindo, plantei uma Ráfia (Raphia Farinifera) de pequenas mas generosas
copas de folhas compridas. Das três dezenas de espécies, há uma africana que pode
chegar a 10m de altura. Se jovem, usam-na trançada; velha, serve para fazer uma
espécie de cera; e sendo vinífera, dos frutos pode-se fazer licor. As
domésticas, meninotas de apenas 2m de altura como a minha, são ornamentais e vicejam
o ano inteiro.
O jardim de
inverno já encorpava, melhor partir para o quintal: Ixora, uma das mais de 300 espécies de
rubiáceas conhecidas. Dezenas, vermelhas e amarelas para compor com o arredor. Do
sânscrito, Ishvara tem seus significados, e para a maioria dos hindus é
Shiva (‘o auspicioso’), uma das divindades. Seus pequenos buquês de minúsculas
flores também podem deixar de brotar, mas voltam a florir quando o clima favorece.
Completei o jardim
da frente com uma espécie de palmeira, o Salgueiro Jerivá (Syagrus
Romanzoffiana), uma das inúmeras espécies brasileiras, entre as folhagens
de um enorme Chorão (S. Babylonica) e seis
Podocarpos (Podocarpus Macrophyllus) junto à casa. O Jerivá chega a 5m,
pouco mais, e quando adulto se orna de coquinhos adocicados que fazem a festa
de passarinhos, maritacas e papagaios.
Papiro Ebers |
O salgueiro era conhecido
pelos egípcios há mais de 3.500 anos, conforme o papiro de Ebers. O ácido salicílico
de sua casca servia para alijar dores e ferimentos, mas se ingerido, ai da flora
intestinal e do estômago! Em 1897, o laboratório alemão Bayer formulou o ácido
acetilsalicílico, reduzindo os efeitos colaterais: AAS, Aspirina e, claro,
Bayaspirina, entre outras).
Para graça do meu
pequeno jardim interno, plantei Lírios da Paz (Stathiphyllum Wallisi). Em
pouco tempo surgiram lindas flores, branquíssimas, entre folhagens verdes
misteriosamente brilhantes. Na Síria, diz-se que a planta absorve os maus
espíritos, que se transmutam em bons eflúvios como lindas flores, alvas como
leite. Chegou aqui trazida da América Central, onde era cultivada para trazer perfume
às moradas.
Dracenas |
Agreguei uma
Dracena (Dracaena Terminalis), de folhagens arroxeadas, e, par com ela, Crótons
Vermelhos (Codiaeum Variegatum). Suspenso e também combinando, um
Lambari Roxo (Tradescantia Zebrina), fora uma Samambaia (Polypodium
Persicifolium). Ah, e as pequenas Suculentas (belas variações ornamentais de cactos).
Cróton: em floração |
Os girassóis da paixão de Van Gogh |
Os incas já
conheciam as propriedades dos Girassóis: mascavam as sementes, extraíam óleo e admiravam sua reverência ao astro-rei: as flores movimentam-se de acordo com a luz solar, por isso são ditas heliotrópicas, vivem
pelo astro que os guia, tal qual os planetas de nosso sistema o gravitam, em deferência.
Thomas, meu neto de cinco anos que nasceu e mora em um lugar onde se estimula o
gosto por plantas, flores e natureza – Londres é 40% área verde! -, ganhou em
uma festa sementes de Girassol e aqui as plantou em um vaso. No começo, cuidados
extremos, muita água todos os dias, tarefa da qual me encarrego e aproveito para
fotografar, enviando ao pequeno jardineiro londrino imagens de seus ‘bebês’,
crescendo a cada dia.
O título deste
artigo se deve a ele ser o único sobre plantas que escrevi; nele, de carona, vai uma homenagem
ao compositor Geraldo Vandré, a quem conheci em 1989. Termino evocando o lindo coral Jesu bleibet
meine Freude (Jesus, minha eterna alegria) da Cantata 147, composta por Bach
sobre melodia de Johann Schop. Música que inspirou o Rancho das Flores (1961)
do Vinicius de Morais, cantada ora em compasso ternário composto, como em Bach
(9/8), ora em um quaternário meio forçado, fazendo-a espécie de marcha-rancho. Uma ode às
flores que dão vida a nossas vidas: “Olhem bem para a Rosa, não há mais
formosa/ é a flor dos amantes, é a rosa-mulher/ que em perfume e nobreza vem
antes do cravo/ e do lírio e da hortênsia/ e da dália e do bom crisântemo/ e
até mesmo do puro e gentil mal-me-quer”. “Satisfeita da vida/ vem a Margarida
dos que têm paixão/ e agora é a vez da Papoula vermelha/ que dá tanto mel pras
abelhas/ e alegra este mundo tão triste/ com a cor que é a do meu coração”. E
assim passeia o ‘Poetinha’, desfilando seu rosário de pétalas, cada uma com
suas virtudes. (Ouça abaixo, o Rancho das Flores)
[O leitor deve ter percebido que escrevi os nomes
das plantas com iniciais maiúsculas. Como pessoas, com elas se conversa, mas não
carece de coisa falada, bastam coração e pensamento].
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