Na
mitologia grega, Teseu era filho do rei de Atenas, um herói por quem Ariadne,
filha do rei de Creta, era apaixonada. A cada sete anos - o chamado “grande
ano” - sete rapazes e sete moças eram levados a um lugar criado por Dédalo para
o rei Minos, um labirinto de caminhos intricados de onde, uma vez perdidos,
nunca seria possível sair.
No
interior do labirinto escondia-se o Minotauro, filho da mulher de Dédalo - um
monstro aprisionado em corpo de homem e cabeça de touro que devorava aqueles
jovens em lauto banquete. Teseu, disfarçado como um dos sete rapazes, ancora na
ilha de Creta com um novelo de linha cuja ponta amarra à porta do labirinto, desenrolando
o fio ao longo do caminho. Pelas tantas, deparou-se com o Minotauro, mas sacou a espada mágica, presente de Ariadne, e o matou. Seguindo os conselhos de
Dédalo, olhava somente para a frente, nunca em outra direção, puxando de volta
o fio do novelo e levando consigo a amada, até escapar. (Qualquer semelhança
com o conto de Joãozinho e Maria, a terrível madrasta que largou os dois no meio da
floresta e as pedrinhas brancas para marcar o caminho de retorno não é mera
coincidência).
O Fênix, por F. J. Bertuch (1747-18220 |
Também
da mitologia grega é o Fênix, um pássaro misterioso: morria e retornava, revivia
usando as cinzas de seu predecessor - ou seja, os restos de si mesmo. Para alguns,
pela simples decomposição de seu corpo, e, para muitos, imolado em autocombustão
(daí a expressão de que algo ou alguém “ressurgiu das cinzas, como um Fênix”,
como se nunca fosse esperado).
A
ideia do renascimento do Fênix serviu tanto a alusões ao Império Romano quanto ao
nascer e pôr do sol, ao ciclo do ano e até à ressurreição de Cristo. Pode,
também, aludir à ciclicidade pensada por Hegel sobre a história, seus fatos e
personagens, ou um retorno à terra natal,
como na recente e linda “Sabiá” (1968), espécie de canção do exílio de Jobim
com letra do Chico Buarque: “Vou voltar / sei que ainda vou voltar / para o meu
lugar. / Foi lá, e é ainda lá / que eu hei de ouvir cantar / uma sabiá”.
O jovem Sebastião I, por Alonso Sanchez Coelho (1562) |
A sombra
do Fênix ainda pairou sobre Portugal com Sebastião I, (1554-1578), que sucedeu
o pai aos meros três anos de idade sob a tutela de sua avó, rainha da Áustria, e
depois seu avô, cardeal português, como regentes. Entronizado aos quatorze anos
em 1557, aos vinte e quatro desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, derrotado
pelo sultão Abd al-Malik. O povo, no entanto, acreditava piamente que Sebastião
voltaria para reassumir. Para evitar o mal maior, o colapso do reino de
Portugal, quatro anos depois Filipe I
mandou buscar uma urna enterrada em Lisboa tida como sendo dos restos do
“Adormecido”, Sebastião, para tentar sepultar de vez a crença no sebastianismo.
Nada provou, a lenda ficou viva e só esvaneceu com o tempo: Sebastião nunca retornaria.
Muito
se perde em lutar como Don Quixote, o cavaleiro errante de batalhas vãs e imaginárias.
O novelista norte-americano F. Scott Fitzgerald disse: “O pior momento na vida
de alguém é quando ele observa o próprio mundo desmoronar, e o que tem a fazer
é encarar tudo impassivelmente. O Conformista, personagem-título do livro homônimo
do italiano Alberto Moravia, uma espécie de anti-herói, foi levado a colaborar com
o Partido Fascista Italiano, sendo registrado em filme pelo cineasta Bernardo Bertolucci
(1970).
F. Nietzsche |
Do
inglês, to err, andar sem caminho, significa vagar sem direção, como Quixote.
Para simplificar uma frase célebre, o alemão Nietzsche disse que “sem música, a
vida seria um caminhar errante”. Em português, menos comum, errar cai qual uma pétala
no “Soneto de separação”, do Vinicius, magistralmente trazido à música por
Jobim: “Fez-se da vida uma aventura errante / de repente, não mais que de
repente”. Um errar, errante, caminhando
por veredas na vida, sem mesmo procurar saídas. Só navegar, porque navegar é preciso,
disse o poeta.
Estamos
vivendo tempos de dilemas e decisões, buscas por resultados em várias frentes de
luta. Mas também dias de conformismo e passividade, insensibilidade e egoísmo. É
época de uma pandemia avassaladora que coloca o mundo em pânico, em grande
parte sem noção do que acontece. Há incontáveis pesquisadores em laboratórios,
entidades públicas e privadas, universidades trabalhando contra o tempo
impiedoso que deixa seu rastro de morte, enquanto um sem-número de médicos, enfermeiros
e pessoal de apoio encaram o Minotauro de frente.
Campus da USP no Butantã |
Como
teseus, pesquisadores de Israel, universidades como as de Oxford, John Hopkins,
USP e instituições a ela associadas, tentam puxar o fio do novelo: drogas
empregadas contra moléstias do passado para encontrar a saída do labirinto dos
enfermos ou, um dia, a milagrosa vacina. Mas não há espada mágica. As preces
daqueles já enlutados voltam-se para seus amados sebastiões, e as orações para
pessoas queridas, inconscientes e desenganadas, praticamente aguardam pelo
milagre nas UTIs. Há os que esperam, crédulos, o renascer de seus fênix, no desespero da perda de parentes e amigos. Enquanto isso, quixotes perambulam
como cavaleiros errantes, “sem lenço nem documento”, e conformistas aguardam,
impassíveis, o mundo desmoronar, como disse Fitzgerald.
Finalmente,
temos os que nada ajudam - pelo contrário, só atrapalham -, pensando em seus
próprios interesses e vendo milhares de mortes como mera fatalidade alheia. Por
dolo ou omissão, não se assumem pais de seu quinhão nas dificuldades enfrentadas
pelo trabalho abnegado de legiões de equipes e técnicos, em sacrifício pela
sociedade.
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