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sexta-feira, 15 de maio de 2020

EM BUSCA DE UMA SAÍDA



Na mitologia grega, Teseu era filho do rei de Atenas, um herói por quem Ariadne, filha do rei de Creta, era apaixonada. A cada sete anos - o chamado “grande ano” - sete rapazes e sete moças eram levados a um lugar criado por Dédalo para o rei Minos, um labirinto de caminhos intricados de onde, uma vez perdidos, nunca seria possível sair.
No interior do labirinto escondia-se o Minotauro, filho da mulher de Dédalo - um monstro aprisionado em corpo de homem e cabeça de touro que devorava aqueles jovens em lauto banquete. Teseu, disfarçado como um dos sete rapazes, ancora na ilha de Creta com um novelo de linha cuja ponta amarra à porta do labirinto, desenrolando o fio ao longo do caminho. Pelas tantas, deparou-se com o Minotauro, mas sacou a espada mágica, presente de Ariadne, e o matou. Seguindo os conselhos de Dédalo, olhava somente para a frente, nunca em outra direção, puxando de volta o fio do novelo e levando consigo a amada, até escapar. (Qualquer semelhança com o conto de Joãozinho e Maria, a terrível madrasta que largou os dois no meio da floresta e as pedrinhas brancas para marcar o caminho de retorno não é mera coincidência).
O Fênix, por F. J. Bertuch (1747-18220
Também da mitologia grega é o Fênix, um pássaro misterioso: morria e retornava, revivia usando as cinzas de seu predecessor - ou seja, os restos de si mesmo. Para alguns, pela simples decomposição de seu corpo, e, para muitos, imolado em autocombustão (daí a expressão de que algo ou alguém “ressurgiu das cinzas, como um Fênix”, como se nunca fosse esperado).
A ideia do renascimento do Fênix serviu tanto a alusões ao Império Romano quanto ao nascer e pôr do sol, ao ciclo do ano e até à ressurreição de Cristo. Pode, também, aludir à ciclicidade pensada por Hegel sobre a história, seus fatos e personagens,  ou um retorno à terra natal, como na recente e linda “Sabiá” (1968), espécie de canção do exílio de Jobim com letra do Chico Buarque: “Vou voltar / sei que ainda vou voltar / para o meu lugar. / Foi lá, e é ainda lá / que eu hei de ouvir cantar / uma sabiá”.
O jovem Sebastião I, por Alonso Sanchez Coelho (1562)
A sombra do Fênix ainda pairou sobre Portugal com Sebastião I, (1554-1578), que sucedeu o pai aos meros três anos de idade sob a tutela de sua avó, rainha da Áustria, e depois seu avô, cardeal português, como regentes. Entronizado aos quatorze anos em 1557, aos vinte e quatro desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir, derrotado pelo sultão Abd al-Malik. O povo, no entanto, acreditava piamente que Sebastião voltaria para reassumir. Para evitar o mal maior, o colapso do reino de Portugal, quatro anos depois Filipe I  mandou buscar uma urna enterrada em Lisboa tida como sendo dos restos do “Adormecido”, Sebastião, para tentar sepultar de vez a crença no sebastianismo. Nada provou, a lenda ficou viva e só esvaneceu com o tempo: Sebastião nunca retornaria.
Muito se perde em lutar como Don Quixote, o cavaleiro errante de batalhas vãs e imaginárias. O novelista norte-americano F. Scott Fitzgerald disse: “O pior momento na vida de alguém é quando ele observa o próprio mundo desmoronar, e o que tem a fazer é encarar tudo impassivelmente. O Conformista, personagem-título do livro homônimo do italiano Alberto Moravia, uma espécie de anti-herói, foi levado a colaborar com o Partido Fascista Italiano, sendo registrado em filme pelo cineasta Bernardo Bertolucci (1970).
F. Nietzsche
Do inglês, to err, andar sem caminho, significa vagar sem direção, como Quixote. Para simplificar uma frase célebre, o alemão Nietzsche disse que “sem música, a vida seria um caminhar errante”. Em português, menos comum, errar cai qual uma pétala no “Soneto de separação”, do Vinicius, magistralmente trazido à música por Jobim: “Fez-se da vida uma aventura errante / de repente, não mais que de repente”.  Um errar, errante, caminhando por veredas na vida, sem mesmo procurar saídas. Só navegar, porque navegar é preciso, disse o poeta.
Estamos vivendo tempos de dilemas e decisões, buscas por resultados em várias frentes de luta. Mas também dias de conformismo e passividade, insensibilidade e egoísmo. É época de uma pandemia avassaladora que coloca o mundo em pânico, em grande parte sem noção do que acontece. Há incontáveis pesquisadores em laboratórios, entidades públicas e privadas, universidades trabalhando contra o tempo impiedoso que deixa seu rastro de morte, enquanto um sem-número de médicos, enfermeiros e pessoal de apoio encaram o Minotauro de frente.
Campus da USP no Butantã
Como teseus, pesquisadores de Israel, universidades como as de Oxford, John Hopkins, USP e instituições a ela associadas, tentam puxar o fio do novelo: drogas empregadas contra moléstias do passado para encontrar a saída do labirinto dos enfermos ou, um dia, a milagrosa vacina. Mas não há espada mágica. As preces daqueles já enlutados voltam-se para seus amados sebastiões, e as orações para pessoas queridas, inconscientes e desenganadas, praticamente aguardam pelo milagre nas UTIs. Há os que esperam, crédulos, o renascer de seus fênix, no desespero da perda de parentes e amigos. Enquanto isso, quixotes perambulam como cavaleiros errantes, “sem lenço nem documento”, e conformistas aguardam, impassíveis, o mundo desmoronar, como disse Fitzgerald.
Finalmente, temos os que nada ajudam - pelo contrário, só atrapalham -, pensando em seus próprios interesses e vendo milhares de mortes como mera fatalidade alheia. Por dolo ou omissão, não se assumem pais de seu quinhão nas dificuldades enfrentadas pelo trabalho abnegado de legiões de equipes e técnicos, em sacrifício pela sociedade.






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