TERAPIAS
DE GRUPO E COMPORTAMENTO
Pandora, por Lawrence Tadema (dom. púb.) |
O
convívio entre pessoas em um mesmo ambiente é uma caixa de surpresas
como a de Pandora, a primeira mulher criada por Zeus, na mitologia grega. Segundo
descrições e ilustrações antigas, uma caixa ou pote, a depender do autor. No recipiente,
estavam guardados os males do mundo, contou Hesíodo, em seu “Os trabalhos e os dias”.
Zeus, por capricho, havia feito uma provocação (e nem colocou aquele tipo de
aviso que diz “não abra”, mas não foi preciso): Pandora, curiosa que só, destampou
o pote, de onde escapou o que há de ruim na Terra.
As
pessoas isoladas em um ou poucos ambientes contíguos ficam
expostas gradativamente aos sentimentos conflituosos nelas reprimidos. É como
se a tampa do pote de Pandora deixasse escapar aos poucos seu conteúdo, a
partir de uma fresta. Muito explorado em dinâmicas ou psicoterapias de grupo, o
despertar desses ingredientes sociais ocultos vem surgir como uma pequena amostra,
o microcosmo da sociedade representada em cada homem e seu plural.
Assim
nasceram os reality shows da TV dos anos 1990, com The Real World, e logo
depois Idols e Big Brother, franquias vendidas a emissoras mundo afora.
Os telespectadores desses shows parecem sentir certo prazer em acompanhar fusões
nebulosas entre realidade e cena, esta obviamente submetida a scripts definidos,
jogos programados e disputas criadas pela produção, tudo para despertar emoções
e reações. Quanto mais agressivas, maldosas ou sensuais essas reações e os complôs,
mais o espectador se delicia com o que pode ser uma fotografia intestina dele próprio,
seus ódios e desejos ocultos. (Confundem-se ao chamar os participantes de
“brothers”: Big Brother, nome do programa, é o ‘grande irmão’ de “1984”, livro
de G. Orwell, é a máquina que tudo vê e a todos controla, como as câmeras e
microfones do show).
Reality show alemão |
Telespectadores escolhem
anjos e demônios por empatia ou repulsa, torcendo contra ou a favor de um ou
outro. Vislumbram suas próprias vidas na tela e podem tecer comentários aos seus
convivas sem se identificarem nas cenas da forma que as veem, o buscar do
íntimo de cada um, parte da fórmula do sucesso do programa.
Já
tratei do Teatro do Absurdo, surgido na desolação do pós-II Guerra. Autores
criavam situações terríveis vividas por personagens geralmente enclausurados em
um ambiente, apartamento ou casa, o que durante o conflito mundial seria o medo
de ir à rua e ser atingido por bala perdida, granada, bomba - ou topar com nazistas.
Terminada a guerra, o medo permaneceu, e junto com ele certa descrença na
humanidade e na razão da existência. O gênero do Absurdo é uma criação
neurótica sobre situações igualmente neuróticas, mas tem, além da erudição, a observação
crítica a diferenciá-lo dos fúteis reality shows que se pretendem ‘reais’.
A
Terapia (ou psicoterapia) de Grupo envolve um certo número de pacientes
e um terapeuta, e se abre em uma gama de formatos, como arte-terapia, Terapia
de Comportamento Cognitivo (CBT), terapia de dança e musicoterapia, entre
outros. Nesses grupos são tratados medo, ódio, neurose, apatia e depressão, além
de serem desenvolvidas técnicas coletivas de relaxamento e de adaptação para melhor
convívio social – modelos analisados por Charles Montgomery em Role of
dynamic group therapy in psychiatric treatment (Cambridge: CUP, 2018).
Enquanto
a terapia de grupo tem profissionais aptos a intervir, quando
necessário, nos reality shows a mediação é feita por um apresentador sem qualquer
preparo, que dá combustível aos acontecimentos. E, claro, sempre com um olho na
contabilidade eletrônica, conforme o público que interage, e indiretamente, um outro
da emissora, por meio das medições eletrônicas de audiência – sem falar no retorno
financeiro dos anunciantes e eventual merchandising em cena. Surgem mais e mais
imbróglios, e a produção da TV os estimula, sendo as séries de jogos e disputas
elementos fundamentais à criação da atmosfera fértil para as crises se
desenvolverem. Se ultrapassar certo limite, o participante é punido, lançado à execração
dos demais ou até expulso.
Os
isolamentos sociais de hoje em razão da pandemia são grupos
sem controle e sem os voyeurismos dos reality shows, sem mediadores ao microfone
e menos ainda terapeutas profissionais. Como em todas as situações de grupo - no
lar, no círculo de amigos, no clube, na sala de aulas ou no trabalho -, um dos
que fazem parte do conjunto assume sua posição de líder, seja por uma determinante
social (pai, mãe, chefe) ou espontaneamente, quando o grupo é homogêneo. Se há intrigas
ou debacles mais fortes, é ele o indivíduo que tende a interferir.
O conflito no trabalho, por Resnais/Laboritt |
Pela
lente da chamada sétima arte, Alain Resnais, cineasta
francês, repercutiu, em Mon oncle d’Amérique (“Meu tio americano”), de
1980, as ideias do médico e filósofo Henri Laboritt sobre estudos dele acerca do
eu (self ) e a sociedade. Analisa essa relação em que “todas as
criaturas lutam por equilíbrio (homeostasia) em seus ambientes, nos quais se
manifestam como comportamentos de controle nos personagens do filme”, diz o cientista,
comparando as reações desses personagens em ambientes estressantes às dos ratos
de laboratório: disputa, fuga e inibição. A criação artística é um rico meio de
compreensão dessas tensões.
Arte
é fantasia, imaginação, neurose; é crítica social, política, científica,
tudo o que brota na mente e vem a público sob um ponto de vista estético e
filosófico. Se não aponta soluções, desperta perguntas. Que acendem uma luz.
(Ewan Townhead) INSCREVA-SE NO MEU CANAL NO YOUTUBE: www.youtube.com/user/autrandourado |
Nenhum comentário:
Postar um comentário