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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

"DINHEIRO, PRA QUE DINHEIRO?"

 

Adam Smith

O
Reino Unido divulgou, por meio de seu Banco Central (Bank of England), que as cédulas de dinheiro circulantes deverão ser trocadas por novas em agências bancárias: uma espécie de papel feito de um polímero do tipo que já foi adotado no Brasil. O prazo para troca é bastante curto, após o que cédulas de maior valor, de 20 e 50 libras, perderão a validade, somente podendo ser trocadas em bancos e agências de correios centrais. As de 20 libras trazem a efígie do ícone do liberalismo econômico, o escocês Adam Smith (1723-1790), enquanto as de 50 estampam outros grandes nomes do Reino, Boulton & Watt, dois engenheiros que criaram a firma de equipamentos para a Marinha e motores a vapor, ainda no séc. 18. O número de cédulas a serem substituídas ultrapassa 360 milhões, cujo valor total, hoje, é de seis dezenas de bilhões de Reais.


Como já era de se esperar, as cédulas com a efígie da rainha Elizabeth II também serão substituídas, mas em respeito ao luto oficial somente após certo período será feito o anúncio da data de troca da figura da monarca pela do rei Charles III, o que inclui selos para correspondências, estampas oficiais e afins. Atualmente, levam o rosto da rainha as notas de 5, 10, 20 e 50 libras, sendo que as de 20 e 50 existem tanto em papel quanto em polímero.


E
lizabeth II reinou por 7 décadas, daí seu rosto mostrar-se estampado em quase tudo. Há 4,5 bilhões de cédulas com seu perfil, significando 80 bilhões de libras esterlinas, que se espalham até países do Commonwealth britânico, como Nova Zelândia e Canadá. O perfil do rei Charles III estará no dinheiro em circulação, processo que demorará ao menos dois anos. O jornal Bloomberg News, da Nova Zelândia, azeda a afoiteza do reino, no que se refere ao seu país: “muitos anos se passarão até que precisemos introduzir moedas exibindo o rei Charles III, tempo suficiente para que as cédulas de 20 libras tenham se exaurido”. E há, por dizer assim, outros “britanicismos” exóticos: “enquanto o perfil da rainha vira para a direita nas moedas, o de Charles tornará para a esquerda”. E a razão é simples, continua o Bloomberg: diz a tradição que “retratos, quando um novo monarca assume o trono, terão sua direção alterada”.

Réis do Brasil Colônia de Portugal

T
rocar cédulas e moedas é cerimonial britânico, nação que o faz por motivos de sucessão no trono. O Brasil começou com o Real Português (R), conhecido como Réis, que vigorou por todo o período colonial, até 1833. Com o país independente, daí até 1842, com Pedro II, o Real Brasileiro (Rs), também Réis – a segunda mais longeva moeda brasileira, perdendo apenas para a cifra colonial, 303 anos – o Réis só deixou de existir após um século, em 1942, em pleno Estado Novo, dando lugar ao Cruzeiro (Cr$).  A sobrevida de notas e moedas passou a ficar cada vez mais curta. Veio o golpe militar, e pela mão de Castelo Branco, em 1964, o governo suprimiu os centavos, maneira de explorar o fator psicológico (mudança política, novo dinheiro, mais segurança, etc.), mas a experiência durou apenas dois anos. Em 1967, apenas três depois, ainda sob um inconstante Castelo Branco, uma suposta “salvação da Pátria”, o Cruzeiro Novo (NCr$). Com Garrastazu Médici, da linha mais dura, em 1970 ressurge um Cruzeiro diferente, com uma inflação já galopante: 110%. Em 1984, J. B. Figueiredo faz a sua experiência, retirando outra vez os centavos – jogada efêmera, murchou depois de um ano.


Devolvida a rapadura” aos civis, como se dizia, quem segurou o abacaxi foi José Sarney, em 1986, com o Cruzado (Cz$), cortando os centavos montado em uma inflação a galope rápido. Dois anos depois, em 1989, em uma tentativa desesperada de segurar o foguetório dos preços, Sarney traz o Cruzado Novo (NCz$), de vida ainda mais efêmera, só um ano. Pouco mais de dois meses depois de assumir a Presidência, em 1990, Fernando Collor traz de volta o antigo Cruzeiro (Cr$), só que em paridade de valor com o Cruzado Novo. Mesmo com sua empáfia de falso “Caçador de Marajás”, a nova moeda do jovem presidente durou apenas três anos. Depois do tombo de Collor, Itamar Franco, em 1993, começou a preparar a grande revolução monetária, com o Cruzeiro Real (CR$), antecipando a mudança espetacular que aconteceria a seguir: em 1994, após a URV como transição – um  sistema híbrido variável -, em 1º de julho, por intermédio de dois diplomas legais (Leis 8.880 e 9.069) finalmente surge o Real (BRL), que há 28 anos, após treze vezes na história, é a moeda atual.


O economista canadense John Kenneth Galbraith (1908-2006) foi um grande estudioso do dinheiro, desde a origem ao capital até os tempos mais modernos. A moeda – em metal, papel ou outro – tem longa história, de quando se trocava cabras por um cavalo – a troca, base de tudo! -, passando pelo uso do ouro e da prata, metais raros e, claro, de valor proporcional à sua pureza e peso. O Brasil não chegou ao desespero da hiperinflação do período entreguerras da República de Weimar, na Alemanha, que aconteceu entre 1921 e 1923. No final de 1922, a taxa anual escalou um apavorante bilhão por cento, foram cunhadas moedas de 5 milhões de marcos e cédulas feitas papel de parede! Caricaturas da época mostravam carrinhos de mão com pilhas de dinheiro para poder comprar um maço de cigarros.

5 milhões de marcos


Papel de parede


A história do dinheiro e do capital de Galbraith está na série A Era da Incerteza (The Age of Uncertainty), uma produção fabulosa disponível na versão integral ou em capítulos no Youtube. Recomendo assistir, trata-se de diversão prazerosa e uma aula inesquecível.



 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

CENTENÁRIOS

 


N
ossos antepassados marcavam, a cada nascer do sol, referência para contar os dias. Depois, o ano. Século e milênio passaram a ser parâmetros maiores a preservar a memória do tempo. A palavra “ephemerides” surgiu do latim c.1523, significando memorial dos dias, calendário. Em um conceito mais amplo e para efeito deste texto, refere-se a fatos marcantes, de cem anos atrás. Fazer um glossário de efemérides centenárias não é coisa fácil, especialmente quando envolve pessoas. Assim busquei, dentro do possível, afastando as datas de falecimento. Folheei o caudaloso A Vertigem das Listas, do escritor e estudioso italiano Umberto Eco, que analisou os inúmeros tipos de listas e catálogos de nossa cultura ocidental, elaborados desde a antiguidade.

A turma da Semana de 22

H
á cem anos, em 1922, aconteceram no Rio os “Jogos Olympicos da Independencia”, abertos na piscina do Fluminense F. C. pelas equipes do Brasil e da Argentina, seguindo-se o “primeiro jogo latino-americano de water-polo” (Estadão, 15/09/1922). Também foram oficializadas a letra do Hino Nacional e a bandeira, e dada a largada para o avanço do modernismo, na chamada Semana de 22: Tarsila, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Villa-Lobos, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e outros. (Cem anos depois, neste bicentenário da Independência, em 7 de setembro, não houve celebração; apenas uma sessão solene do dia 8, no Congresso Nacional, com a presença de autoridades do legislativo e judiciário [grifo], representantes de 24 nações e o presidente de Portugal). É por esse marco histórico, 1922, que lembramos e saudamos, dentro do que a memória permite e a documentação oferece, fatos e personalidades. Entre fazê-lo por datas ou ordem alfabética, foi preferível agrupa-los por áreas, dando maior coerência à listagem.

Bibi Ferreira

1922
foi um ano pródigo no nascimento de artistas de teatro e cinema, como Bibi Ferreira, de 1º de junho: uma atriz completa, além de cantora e diretora de teatro. Não me esqueço dela na Gota d’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, peça da qual participei como músico: Bibi estrelou com brilho máximo. Pouco depois, em 23 de agosto, Tônia Carrero, outra atriz fenomenal, sedutora, voz encorpada e par frequente de Paulo Autran (meu primo de segundo grau), de 7 de setembro, mestre das peças de Molière, como O Avarento - cuja última encenação foi interrompida por motivos de saúde e encerrou sua carreira em 2006. Em 19 de outubro vinha ao mundo Dias Gomes (de O Pagador de Promessas), teatrólogo, também autor de telenovelas. No dia 3 de abril, Doris Day, atriz e cantora norte-americana, estrela de O Homem que Sabia Demais, de Hitchcock; em 24 de dezembro, nascia a também norte-americana Ava Gardner, parte da história do cinema. Por fora dessa raia, dia 8 de novembro, surge Aldemir Martins, artista plástico de quem tenho uma gravura que se encontra na casa onde meus pais moravam, no Rio: um rapaz na janela tocando violão cercado por notas musicais sem linhas de pauta.

Pasolini

F
oi um ano bastante generoso para o cinema de arte, com o cineasta e escritor Pier Paolo Pasolini, de 5 de março, autor de Teorema e O Evangelho Segundo Mateus - apesar de ser comunista e engajado politicamente; em 3 de junho vinha ao mundo o também cineasta francês Alain Resnais, mestre da Nouvelle Vague, de obras-primas como O Ano Passado em Marienbad e o histórico Hiroshima, Meu Amor. Fora desta raia, o jurista brasileiro Hélio Bicudo, de 5 de julho, figura de proa na luta pelos direitos humanos e prócer dos movimentos pela democracia no Brasil.

Jack Kerouac

A
literatura nos trouxe o poeta e romancista americano Jack Kerouac (Anjos da Desolação), de 12 de março, revolucionário da ‘geração beat’, cult de uma juventude rebelde. No dia 1º de maio, nascia aqui o romancista e jornalista mineiro Otto Lara Resende, dono de um assobio de ventríloquo e quase vizinho de meus pais, com cujos filhos André e Bruno volta e meia brincávamos. Logo a seguir, em 19 de junho, o mundo conheceria o também mineiro Paulo Mendes Campos, poeta, escritor e jornalista belo-horizontino e amigo de meu pai e do Otto. Em 18 de novembro nascia José Saramago, festejado escritor português, Nobel de 1998, de cuja obra destaco Ensaio Sobre a Cegueira.

Gilberto Mendes

N
o canto lírico, em 1º de fevereiro, a soprano italiana Renata Tebaldi, arquirrival de Maria Callas; cantores da MPB: dia 20 de março, Nora Ney, também compositora, em 7 de abril Dircinha Batista e no dia 13 Dona Ivone Lara, figura de proa e primeira mulher autora de um samba de enredo (Império Serrano, 2012); em 17 de outubro, Luiz Bonfá, cantor e compositor da bossa-nova (musicou a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius). Do jazz, em 22 de abril, nasceu Charles Mingus, contrabaixista, compositor e ativista norte-americano, e no dia 29 o belga Toots Thielemans, virtuoso gaitista. Em um 13 de outubro, na música de concerto, o docente e meu colega da USP Gilberto Mendes, ícone da composição de vanguarda (música concreta e aleatória) e criador do Festival de Música Nova. No dia 16 de dezembro, o húngaro Zoltán Kodály (Suíte Hári Ianos), compositor, pedagogo musical e etnomusicólogo. Na política, é de de 22 de janeiro Leonel Brizola, líder inconteste, duas vezes governador do RJ e RS, e em 26 de outubro Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, escritor e político.


E
m 1922 nascia também o jornal O Progresso de Tatuhy (grafia original), marco da política, da cultura da vida na cidade de Tatuí, do Médio Tietê paulista. A ele, seu editor Ivan Camargo, aos fundadores (in memoriam), os mais efusivos parabéns!

 

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

A PÁTRIA, A RAINHA E A INDEPENDÊNCIA

 


Pátria
, substantivo singular feminino, é terra, porém bem mais do que o lugar onde se nasceu ou se adotou. Não há palavra que melhor contemple o que ela define: não é um objeto, nem o chão - é um conjunto abstrato de significados e sentidos, de enlevação pessoal junto à nação e, em conjunto, de um povo. Tal sentido também é plenamente claro em outras línguas latinas, como a nossa: patrie, em francês, e patria, em italiano assim como em espanhol. Em inglês, temos land e home, que podem se alternar, como acontece no próprio hino americano: The land of the free / and the home of the brave (A terra dos livres / e o lar dos bravos). Isso se reflete no Hino Nacional Brasileiro, que ganhou letra de Osório Duque Estrada em 1922, quase um século após Francisco Manuel da Silva tê-lo composto como Marcha Triunfal, para depois tornar-se Hino da Abdicação (1831). Recebeu a letra de Duque Estrada só em 1922, quando fervia Cultura na Semana de Arte Moderna: hoje, cem anos, duzentos da Independência. Ambos marcos em nossa história, como este 2022.


Cantar o Hino Nacional
deve ser um ato simples e puro, de profundo respeito. Sendo um Símbolo Nacional, está na lei 5.700, que os regulamenta: na versão instrumental, em Si bemol (Bb), sem a segunda parte (onde se cantaria “Deitado eternamente”, que, definitivamente, não se canta!) Se cantado, o Hino deve ser em Fá maior (F), e necessariamente apresentar as duas partes. O andamento, pulsação do ritmo, é fixado em 120 batidas por minuto. Há protocolos sobre dobra e hasteamento da bandeira, quem deve bater continência ou não, e até para onde se olhar durante a execução! (Militares devem voltar-se para de onde vem a música, a não ser que a cerimônia seja consagrada à bandeira ou ao presidente, devendo dirigir-se a uma ou outro). Os protocolos visam a manter o caráter cívico dos eventos, com o que se pode chamar de postura sóbria.

Fafá de Belém 1984

Liberalidades
são meras transgressões, como a versão de Jimi Hendrix na guitarra, no Festival de Woodstock, em 1969, ou por apelo popular em ocasião oficial, como a intepretação de Lady Gaga na posse de Joe Biden, nos EUA. No Brasil, a memorável chamada de Fafá de Belém, a capella (sem acompanhamento), no comício das Diretas Já, em 1984. Na música clássica, há a Grande Fantasia Triunfal de L. M. Gottschalk sobre o Hino Nacional Brasileiro e, com Tchaikovsky, citações da Marseillaise em sua Abertura 1812.

Dr. Huw Thomas e a rainha

Mudando
de rumo e prumo, não há como não falar sobre a quinta-feira, dia 8 de setembro. A Rainha Elizabeth II havia pedido que a levassem para sua propriedade em Balmoral. Lá, uma equipe chefiada pelo seu médico particular, Sir Huw Thomas, acompanhou o retiro, preparou o aparato médico e mandou chamar os familiares. Lembrava o ano de 1936, quando o Rei George VI, pai de Elizabeth, foi cuidado pelo então médico real, Lord Dawson of Penn, que seguiu a fórmula do Dr. F. G. Chandler publicada na prestigiosa revista científica Lancet doze anos antes: às 23h10 do dia 20 de janeiro daquele ano, Dawson aplicou 750 mg de morfina e 1 g de cocaína na jugular do rei George, o suficiente para matá-lo duas vezes (fonte: American Society of Anesthesiologists Library-Museum).

The London Bridge

Não há explicação
oficial até agora sobre a causa mortis e o momento da passagem da rainha; sabe-se apenas do retiro no Castelo de Balmoral e o acompanhamento médico. Sem dúvida, o sentimento patriótico da dinastia dos Windsor (críticas históricas e à monarquia à parte!) é incrivelmente robusto, desde os velhos tempos em que um trono vazio era objeto de cobiça por aventureiros. Mas tanto nos dias das mortes de George VI quanto Elizabeth II, o Reino Unido esteve protegido, mesmo que isso tivesse de lhes custar um final diferente. Assim a história diz, e assim foi cumprido: o Príncipe Charles de Edimburgo tornou-se rei logo a seguir ao último suspiro de sua mãe, Elizabeth II, passando a ser, aos 73 anos, monarca de uma nação poderosa, culta e organizada ao extremo, e de um passado conquistador – e dominador. Chegara o momento do sinal livre para a senha: The London Bridge is Down (A Ponte de Londres Ruiu). A Operação The Bridge is Down é um enorme complexo de medidas de segurança e informação que também sinaliza, codificada, a morte do soberano. Foi este o recado entregue à primeira-ministra Liz Truss e aos responsáveis pela segurança do Império. Até que ponto o Reino Unido resistirá com Charles III, da dinastia Windsor, diante dos focos de descontentamento reaquecidos a partir da Austrália, nações da África e outros países do Commonwealth, não se sabe. O reinado de Elizabeth foi um conto de fadas que perdurou muitas décadas com seu charme; agora, durante um bom tempo, com Charles e depois William e seu filho George, a coroa do Reino Unido restará sobre a cabeça de homens, salvo alguma improvável abdicação - ou morte.

Bicentenário: sessão solene no Congresso

Para registro
: no dia 8 de setembro, o Senado brasileiro reverenciou os 200 anos de Independência Nacional, com cerimônia aberta pelo presidente da casa e a presença do presidente de Portugal, do presidente da Câmara, representantes de 24 países, os presidentes do STF e TSE, ministros das cortes superiores. O Hino Nacional cantado por Fafá de Belém, 38 anos depois, coloriu um evento cívico pleno de sobriedade e espírito democrático. Há 200 anos, o Brasil se tornava uma nação independente, data que mereceu de todos efusiva celebração.

[O chefe da Nação brasileira esteve ausente para cuidar de assuntos particulares]

 

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O CASO DO ESTRANHO ATENTADO A CRISTINA KIRCHNER

 


Segundo o The Guardian (2/09), filmes mostram um homem forçando passagem entre militantes e aproximando uma pistola contra o rosto de Cristina Fernández de Kirchner, vice e ex-presidente da Argentina. Jornalistas disseram que a arma apontada contra Kirchner não foi disparada, e ela teria se agachado. Por que este homem não a matou, tendo a posição, a arma com cinco balas no pente e a ocasião? Esta é a pergunta que intriga investigadores, alimenta especulações e controvérsias: ainda segundo o Guardian, o ministro da Segurança Aníbal Fernández disse que a pistola estava carregada, e “não disparou apesar de o gatilho ter sido puxado”. Há contradição entre testemunhas, jornalistas e o ministro, que tem fortes ligações com Kirchner.

Bersa .32/7,65 mm

A perícia dará a palavra final sobre controvérsias básicas, já que é estranho várias pessoas dizerem que a arma “sequer foi disparada”: resíduos de pólvora na mão do criminoso, na arma, marca na cápsula (ou não), munição tão velha que sequer machuca - o que definitivamente não foi o caso - ou que nem sai da cápsula, “bala podre”. As declarações do ministro Aníbal Fernández de que o gatilho chegou a ser puxado mas não houve disparo, e do presidente Alberto Fernández de que Kirchner sobreviveu “porque a pistola, carregada com cinco balas, não disparou” são plausíveis, mas há mais arestas e dissensões do que convergências.


(A esta altura, leitores aficionados de Sir Conan Doyle, autor de mais de 60 livros sobre Sherlock Holmes, e Agatha Christie, “A rainha do crime”, já estão elucubrando alguma charada macabra: Alberto, o presidente argentino, tem Fernández no sobrenome, assim como o ministro Aníbal e a própria Cristina Kirchner. Mas quem arriscaria um ‘elementar, meu caro Watson’, ou faria o jogo da culpa do  Assassinato no Expresso Oriente? Fernández é um sobrenome razoavelmente comum na Argentina, difícil extrair alguma coisa daí.)


Conforme o jornal El Clarín (2/09), o suspeito (N.: mais do que suspeito: foi preso em flagrante) se chama Fernando André Sabag Montiel, é brasileiro, tem 35 anos e uma passagem de pequena monta na Polícia; usa tatuagens com símbolos neonazistas, como o ‘sol negro’, e fazia referências a grupos extremistas nas redes sociais.

La Nación

Alguns militantes relataram ao jornal La Nación que “o gatilho não chegou a ser apertado, e nenhum tiro foi disparado”. Divergências cabais, já que outros disseram: “estávamos fazendo um cordão de isolamento, e de repente (...) o homem apertou o gatilho”. Logo surge a coloração política de filmes dos anos 1970: no dia 23 de agosto – pouco mais de uma semana antes -, a Promotoria argentina ingressou com um pedido de 12 anos de reclusão para a vice-presidente. Acusada de corrupção, Kirchner teria beneficiado empresários de Santa Cruz, seu reduto político, e interferido em contratações de altíssimos valores para grandes obras rodoviárias - segundo o Ministério Público, enquanto ela era presidente. Especulações passaram a se avolumar: logo depois do atentado, Kirchner, depondo à Justiça em seu apartamento, disse que não teria se agachado para esquivar-se de um possível tiro, mas para pegar um livro que estaria autografando e caíra, e que soube da pistola somente após ser escoltada para fora da confusão.

Naidenoff

A Folha deu espaço ao senador Luis Naidenoff, do partido de oposição de extrema-direita Unión Cívica Radical, que declarou que o assunto diz respeito apenas à Argentina, mas acrescentou que “o silêncio público de Bolsonaro é lamentável” (no dia seguinte, o presidente disse: “Mandei notinha. Lamento”). Naidenoff insistiu que o caso não tem nada a ver com o que ele chamou bolsonarismo. E mais: “Sabemos que Bolsonaro vem fazendo declarações contra o peronismo” (obs.: movimento do partido Justicialista, fundado por Juan Domingo Perón); “mas daí a associar as atitudes do agressor ao bolsonarismo é precipitado e raso”. Menos esclarecimentos, mais lenha na fogueira das especulações, porém dados novos poderão surgir. Naidenoff e outros dirigentes oposicionistas condenaram o atentado, e reprovaram o fato de o presidente Fernández decretar feriado na sexta, dia 2, convocando seus apoiadores para manifestações nas vias portenhas.


Brenda Uliarte

A luz sobre o crime tão somente no que tange ao atentado em si parece agora depender da perícia em dois pontos aparentemente simples, já que o criminoso recusou-se a depor à juíza corregedora de Comodoro Py, María Eugenia Capuchetti. Fatos nebulosos,  eventuais subterrâneos e possíveis ligações perigosas do rapaz e suas conexões neonazistas e afins, se não surgirem elos robustos, cairão na vala comum das teorias conspiratórias. Brenda, namorada do criminoso, garante que ambos não são nazistas - mas o romance tem apenas um mês! (Brenda foi presa em 4/07). É claro que, de uma forma ou de outra, sem ter havido motivação clara – o rapaz pode ser um psicótico -, surgem ilações políticas pelos motivos e repercussão, ambos terrenos férteis para explorações, em momento politicamente delicado.


Rua Tonelero, Copacabana, Rio, 5/08/1954: Carlos Lacerda, inimigo visceral de Getúlio Vargas, foi ferido em um atentado em que morreu o major Rubem Vaz. Foi incriminado o chefe da Segurança de Getúlio, Gregório Fortunato – uma deixa para Lacerda acusar o presidente de ter urdido a trama para matá-lo. O então presidente suicidou-se 19 dias depois. Como no caso Lacerda, o affaire Kirchner é embalado em névoas, suspeitas e contradições, entre ficto e fato. Resta esperar.

 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

CONFORMISMO, ALIENAÇÃO, HAMLET E O DEBATE

 


Pode gostar de novelas da TV, filmes de caubói, de ação ou sci-fi, mas há horas em que o cidadão deve reservar seu tempo a um item de primeira necessidade. Não é luxo, um debate trata do espírito e da saúde dos necessitados (e dos que “têm fome e sede de justiça”: Mateus, 5, 6); vai de encontro à angústia da classe média, a se perguntar “vou ter emprego ano que vem?”, “vou conseguir honrar minhas dívidas?”, e ainda atiça a ansiedade dos poderosos quanto às suas ações na Bolsa, aplicações financeiras e assets, ativos de todos os gêneros. Claro que a vida é mais fácil para o conformista, outsider alienado, mas nem sempre a tanto: no filme Il Conformista (1970), de Bertolucci, sobre o livro de Alberto Moravia, o cidadão, enamorado de uma moça fascista, conforma-se com o regime de Mussolini, mas termina por aderir a ele, tendo como desafio ir para a França matar seu velho professor, militante antirregime.

Bertold Brecht

Entre exercer opção por alguma causa e alienar-se existe um abismo às profundezas. Alguns, talvez por figuras retóricas caducas, outros quem sabe por modismo ou fanatismo. O conformista do filme – Marcello, interpretado por Jean-Louis Trintignant -, era a persona do que o dramaturgo alemão Bertold Brecht descreveu como O Analfabeto Político: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, (...) do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. (...) É tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política”. Os que abraçam alguma causa que acham justa e os ‘analfabetos’ conformistas estão em extremos opostos, cabendo aos últimos abrir palácios aos poderosos com seu silêncio. Integram a vida na pólis, à imagem e semelhança das cidades-Estados gregas da antiguidade, chamadas poleis, onde, convivendo em sociedade, eram todos espécies de “animais políticos”.  


A vida em sociedade é permeada de política; aliás, alimenta-se dela, justificando sua existência (eis a pólis, de onde metrópole, política!) Os cidadãos, os vizinhos, a turma da sala de aulas, e, noutro microcosmo, a família, tudo são peças do jogo social. Alguém diria: “uns são mais iguais do que os outros”, coisa que sabemos, mas outra coisa é dividir nossa pólis entre dominadores e dominados, exploradores e explorados, uma dicotomia como querem filosofias mal compreendidas, reduzindo os demais estratos a pó. Há bem mais do que isso, e o cerne da política consiste justamente na diversidade - e por que não mesmo nos conflitos, pois é deles que emergem as soluções, diz uma velha e boa filosofia.

A Academia de Platão

A universidade – nossa academia! - não deve se propor a inocular conhecimento nos alunos de forma vertical, prática que os impede de abrir o leque dos questionamentos necessários, de fazer pensar e autocriticar-se. É preciso indagar, pensar em forma de perguntas, para que não se tenha ‘verdades absolutas’ em mãos sedutoras, porém inescrupulosas. A função do professor, mestre ou orientador, a partir de sua experiência e saber, é, ao contrário, provocar. Lembremos a Academia de Platão, criada c. 387 a.C. em Atenas, e a ideia de preparar os cidadãos desde crianças para a missão de serem filósofos-governantes que escolheriam seu próprio rei. (A Academia sobreviveu até o séc. 6, quando o imperador Justiniano, bizantino, a fechou, com o intuito de erradicar a cultura helênica pagã. E, claro, salvaguardar-se no poder).


Abre-se novo ato: em dia recentes, houve entrevistas no maior telejornal da TV. Primeiro, com o candidato Bolsonaro, em 22/08 – aos desavisados: não estava ali o presidente, mas o cidadão que também pleiteia a vaga; no dia 25/08, Lula, seu principal adversário. Não me proponho a analisa-las criticamente, não me lanço a isso mesmo porque quase todo jornalista especializado já o fez no dia seguinte, e com mais propriedade do que eu, mesmo observador atento, o faria. Apenas ressalto que os debates na TV como os que viriam, desde Kennedy x Nixon (1960), nos EUA, e em 1989, no Brasil – quase 30 anos depois -, entre Collor e Lula, na primeira eleição direta pós-ditadura, já são parte do calendário, ajudam o cidadão a equilibrar-se rumo à escolha que achar melhor. Óbvio é que a ausência de um dos dois líderes implicaria talvez na abstenção do outro, esquivando-se de se transformar na “berlinda” – ou “Judas”. E melaria o jogo democrático.

[Este segundo ato foi encerrado tendo nos imbróglios da cena final uma cavalgata. Se cada um tivesse dado a melhor contribuição para seus esclarecimentos – rebatendo com dignidade os ataques, atingindo pontos fracos com elegância, desvendando mentiras com verdades ou até exaltando virtudes alheias sobranceiras, teria sido admirável missão, embora quase impossível].


Contudo, também não baixou o espírito de Macbeth (c. 1603), tragédia do dramaturgo inglês William Shakespeare cujo papel-título é um general pronto para matar o rei da Escócia: “Porque o tempo se volta contra mim / devo apressar meus planos cruéis (...) / A todos, matarei pelo fio da espada”.  O suposto Macbeth desta trama não desembainhou sua adaga matando quem estivesse ao redor:   digladiaram-se vários, e o temor da degola não matou o rei Duncan, apenas o enervou. A pior tragédia possível desta encenação seria desaguar em um desastre para o país. O ato do debate é parte essencial de um drama moderno e grandioso, mesmo que por tortuosos caminhos: a democracia.