Há algumas décadas, o
lança-perfume, tolerado pelas autoridades, povoava os bailes de clubes e de
rua. Mistura sob pressão de éter e outras substâncias em um frasco de vidro,
era esguichado na foliã, provocando-lhe uma reação ao gelado, momento em que o
folião fazia a abordagem para abraçá-la, e, cheirando-lhe o ombro e ela ao
seu, saía pulando de um mundo fechado e
rotineiro para outro, o da fantasia, do erotismo e da desinibição. A festa,
associada ao álcool, ao lança-perfume e outros estupefacientes, passou a ser
uma grande catarse (na filosofia grega, a purificação pela liberação emocional)
descontrolada e louca, e terminava frequentemente com os pares de folia sem
saber exatamente quem eram um e outro, e muitas vezes até onde acordavam. Hoje,
até a nudez dos desfiles, se não castigada, vem sendo gradualmente banida. Os
arroubos orgiásticos de Joãosinho Trinta há 20 anos são coisas do passado – e
arrisco dizer que indiretamente pela enorme penetração e avanço das igrejas
evangélicas nas favelas. O nu está coberto – com ornamentos, mas está.
O distanciamento do jogo do
bicho, do tráfico e agora o duro cerco
aos motoristas que sob efeito de ínfima quantidade de álcool ou droga podem
receber voz de prisão levarão as escolas, agora com os olhos no marketing, à
ruptura com seu passado. (Longe de mim defender esse passado, muito pelo
contrário, neste ano muitas vidas foram salvas neste país, e isso que fique bem
claro). Porém, o tema aqui é a festa, à parte leis, religiões e posições
pessoais. O fato de uma cultura popular ter estado ligada a um passado de
ilicitudes não justifica que para recuperá-la deva-se voltar a andar à margem
da lei, mas a ligação do carnaval com a alucinação provocada artificialmente é
coisa que vem de suas raízes. Os foliões agora haverão de conviver com essa
nova realidade, temendo a prisão, os pontos na carteira e a apreensão de
veículos, além das altas multas, estragando-lhes de vez a festa (e o ano). Pena
que outras leis que não a Lei Seca não sejam aplicadas também com o mesmo rigor
a muitos dos próprios legisladores, em seus desmandos.
2014 virá. Não estranhe se
os desfiles das escolas vierem com as agremiações ligeiramente mais murchas,
mais encolhidas, e os decadentes sambas de enredo sinalizarem ou deixarem
explícito o nome do patrocinador da escola. Ou, ainda, em poucos anos, se as
fantasias trouxerem em algum lugar, como nos pilotos de Fórmula I e jogadores
de futebol, os logos das empresas patrocinadoras. Quem sabe, no futuro, os
carros alegóricos não ostentarão, iluminados por lâmpadas led, os nomes de
companhias aéreas, automontadoras, construtoras e bancos privados, seus futuros
parceiros? Viver para ver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário