Não sou, de forma alguma, um sujeito que se possa dizer carnavalesco. O único
baile de carnaval a que me lembro de ter ido foi coisa de meus dezesseis,
dezessete anos. Fui jurado de desfiles no Sambódromo de SP (1995) e Tatuí
(2010), e confino meu conhecimento sobre o samba das escolas ao Rio de Janeiro
onde morei por muitos anos, à condição de dicionarista e de apreciador dos bons
sambas de enredo e marchinhas do passado.
O Mardi-Gras de New Orleans |
O carnaval (do latim carne levare, suspensão da carne) é a
maior festa pagã do mundo. Podemos buscar raízes há mais de 2.500 anos, na
Grécia antiga, e sua passagem a festividade cristã, até o famoso carnaval de
Veneza, com suas máscaras deslumbrantes. Na França, há o mardi-gras (quarta-feira gorda), e é em Nice que acontece uma das
grandes festas carnavalescas (Alemanha e Bélgica também têm suas versões). Os
colonizadores franceses levaram para New Orleans, nos EUA, a tradição do mardi-gras, com suas tradicionais
alegorias e passos característicos. Porém, nada se compara ao carnaval
brasileiro, seja em beleza ou luxo. Infelizmente, o destino, o fado do nosso
carnaval é sua deturpação e encolhimento. Zeca Pagodinho, quem diria, deu sobre
isso preciosos depoimentos.
Com o tráfico de drogas
praticamente fora dos morros no Rio e o jogo do bicho ausente, resta às escolas
o merchandising velado. A Mangueira
aderiu a uma grande multinacional de agronegócios (pela bagatela de 8 milhões), e prestigia um
setor muito próspero no Brasil: cavalos manga-larga. Estariam as escolas a
salvo da insolvência? Luiz Fernando Vianna, do Instituto Moreira Salles e autor
de quatro livros sobre samba, é pessimista e acha que as agremiações estão
caminhando para o inevitável, a estagnação. Pelo seu raciocínio, se em 2014 os
desfiles ficarem como neste ano, já está muito bom, mas a tendência é piorar.
Entrudo, por Debret |
Para não perder o fio da
história, pensando no futuro, nada melhor do que rever o passado. O entrudo (do
latim introitus) surgiu na Idade
Média e chegou ao Brasil já no princípio da colonização, trazido pelos
portugueses. No final do século 19, o povo se fantasiava, embriagava-se e
cheirava éter, fazendo brincadeiras às vezes violentas contra os passantes,
jogando farinha, bexigas cheias d’água suja e até urina. Autoridades e famílias
acionaram governos e polícias para coibir os atos de grosseria, o que acabou
levando à extinção do entrudo e ao surgimento dos inocentes cordões, no início
do século 20, origem do carnaval de rua.
A primeira escola de samba
surgiu no bairro do Estácio (o grupo ensaiava em uma escola pública, daí o nome
“escola”); a espetacularização dos desfiles começou a partir do ingresso da
Rede Globo na folia, em meados da década de 1960, que passou a cobrir os
desfiles – hoje, segundo o já citado Vianna, “para serem vistos de cima”,
tamanha a multidão colorida de pessoas e monumentais carros alegóricos, como
mostram as filmagens aéreas de TV tomadas com aquelas enormes gruas que se
movimentam como parte do espetáculo.
Mas vamos pensar as escolas
de samba e o próprio carnaval nos dias de hoje. O Governo comemora (e nós
também) a queda de mais de 25% no número de mortos em acidentes durante a
folia. A “tolerância zero ao álcool” e, novidade, aparelhos para detectar
também o uso de substâncias psicoativas (como se o próprio álcool também não
fosse uma), jogaram no chão o número de carnavalescos bêbados dirigindo. A
solução é pedir à esposa para dirigir a fim de poder virar o caneco? Mas e se
ela também gosta de beber? A imposição de Lei Seca doméstica é absurdamente
machista e submissora.
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