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sábado, 25 de maio de 2013

TROTE, SAIOTES & ROCK’N’ROLL



O "Rodeio"
A Justiça acaba de multar em R$ 20 mil alunos acusados de trote violento na UNESP de Araraquara (2010), onde deveriam se formar profissionais em áreas como filosofia, ciências e letras. O “trote” consistiu em escolher as calouras “gordinhas”, colocá-las de quatro, e, após segurá-las, cronometrar quanto tempo cada veterano conseguiria se manter na “montaria”. Fotos da época mostram a manifestação animalesca dos veteranos - sendo que em uma elas, com detalhe maquiado por computador, um dos rapazes estava sem calças e cueca. A cena terminou com indenização de valor ridículo, sem condenação criminal. A humilhação imposta às meninas no chamado “Rodeio das Gordas” perpassa todas as instâncias, e reabre a discussão sobre o momento por que passa a sociedade brasileira.

Marilena Chaui 
Abro espaço para a filósofa Marilena Chaui, da USP, em recente debate no qual ela exibiu seu invejável conhecimento: colocou em um caldeirão o filósofo holandês Spinoza (séc. 17), cuja obra foi basicamente dedicada ao estudo da ética, misturou no forno de seus conhecimentos da dialética  (Hegel, Marx, Wittgenstein, a quem interessar), e depois despejou o resultado sobre os presentes de maneira espetacular. Fez uma análise da tão decantada  “nova classe média”, bandeira de luta de seu próprio partido, e disse que tal classe não existe, é simplesmente uma pequena burguesia que quer ser classe média. E mais: que a classe média paulistana é a de sempre, a das “Senhoras de Santana”, a que deu seu "ouro contra o comunismo”, campanha do regime militar, e que hoje se perpetua, reacionária. Marilena  rotulou de maneira fulminante esses jovens: “proto-fascistas” (ou seja, um arremedo, projetinho de fascistas).

A brilhante exposição de Marilena foi uma aula magna sobre assuntos tabus, e uma crítica ao mito que ela considera inexistente, a “nova classe média”. Os novos pequenos burgueses, completou, só querem ‘parecer’ classe média, e para isso, concluo, objetivam o diploma – razão pela qual preferem pegar carona em uma bolsa do  PROUNI  em faculdades particulares fracas da capital, onde ganhar um título é sempre mais fácil do que tentar via cota nas públicas, onde o “canudo” sai de graça, mas a “ralação” (no dialeto jovem), sai muito mais cara.

USP de Saia: maio de 2013
Peguei emprestada a exposição da Marilena Chaui como ponte entre o animalesco “rodeio das gordas” e outro acontecimento recente – agora, um protesto inusitado, porém da mais saudável riqueza e criatividade. E isso aconteceu na USP da Marilena, dia 16 de maio. Passo a descrever o episódio, exemplo de rara solidariedade de veteranos a um calouro por ataques à sua opção pessoal. Vitor Pereira, que ingressou no curso de moda, no dia 24 de abril resolveu ir à aula de tênis, camiseta e... saias. No Campus da USP, pareceu não ter atraído mais do que olhares, alguns com certo quê de reprovação. Porém, em uma rede social da Internet, foi hostilizado e ofendido por colegas, o que causou comoção entre um grupo de veteranos. Também via rede social, foi marcado um protesto diferente, sem balbúrdia, juvenil e meio tropicalista: no dia 16 de maio, em solidariedade, rapazes vestiram saias e garotas ternos, ação que se espalhou pela Escola Politécnica e até a prestigiosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ambas da USP. Houve reflexos em outros estados do Brasil, e o protesto simbólico pelo direito de se vestir como se quer mostrou que a classe média mais esclarecida tende a prevalecer, ao menos nos melhores redutos da USP, sobre a tal classe média “proto-fascista” de Marilena. A criação do protesto “USP de saias”, traz o repensamento do conceito de universidade -  de universo, universalidade, como bem disse o texto postado na rede na convocação: “A universidade é um lugar de liberdade de expressão. O uso de uma peça de vestuário não deve ser recriminado”, e convida a todos para “um dia de reflexão sobre os estereótipos do gênero (...) que todos usem algo que fuja aos padrões impostos pela sociedade”. Pois trocaram rodeios e trotes por uma brincadeira saudável e questionadora, prova de que é possível, sim, a juventude ser partícipe ativa de uma comunidade mais justa!

A manifestação nos remete mais longe: a saia masculina, tão reprovável aos olhos de muitos quanto foi no passado quase recente o uso de calças por mulheres. A escritora Aurore Dupin, que teve um rumoroso caso com o virtuose pianista polonês Fréderic Chopin, vestia ternos e usava um pseudônimo masculino, George Sand (ilustração ao lado). Mas o que poderia chocar a irreverente Paris do século 19?

Centurião romano
Mais atrás, podemos fazer outra digressão, agora à Roma antiga dos valentes gladiadores e centuriões de saias, ou às origens do “kilt”, saiotes usados por homens desde o século 16, na Escócia, Irlanda e outros países – o próprio príncipe Charles, do país de Gales, volta e meia surge com o saiote, que tradicionalmente é usado sem “underwear” (roupa de baixo).
Príncipe Charles e seu Kilt



1956: Flávio de Carvalho e seu saiote
Mas voltemos ao Brasil, onde saiote masculino também não é novidade. O modernista Flávio de Carvalho, um artista de formação admirável, arquiteto amigo de Le Corbisier, pintor que frequentou Picasso e Dali, escritor, poeta, músico e sabe-se lá o que mais, lançou, em 1956, após uma série de artigos sobre moda no “Diário de São Paulo”, o que ele chamou de New Look: um saiote pregado, blusa de náilon com mangas bufantes e chapéu transparente. Assim vestido, com meias do tipo arrastão e papetes nos pés, caminhou nas ruas do centro de São Paulo, “obra” que intitulou “Experimento nº 3”. Não sei se houve bullying (que em português deveria ser “bolir (com alguém)”, mas em inglês fica mais chique.  (Ou seria chic, do francês?).

Na Alemanha, pai acompanha filho que vai à escola de saia
A novidade está no contexto em que o saiote aparece, e na juvenil solidariedade de universitários de cabeça bem feita a um calouro de ideias próprias. O que vem a somar à discussão do momento, o preconceito contra a opção de cada um, que repercute em diversos segmentos da sociedade em meio a uma crise ideológica sem precedentes, ao menos que eu tenha visto. Termino citando um primo – que, aliás, usa saias, hábito religioso de sua ordem -, quando um jornalista o questionou sobre as reações à nova (então) dança, “lambada” (na verdade, um ritmo derivado da Salsa latina): ele declarou que “o pecado é muito mais do que uma simples dança de corpos colados”. E do que um saiote à toa e a opção do rapaz também, completo eu.


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