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Seis Personagens |
Título de uma obra do dramaturgo italiano Luigi Pirandello
(1867-1936), Seis Personagens em Busca de um Autor (Sei Personaggi in Cerca d’Autore), relata o drama de seis
personagens que sobem ao palco do teatro em protesto por terem sido excluídos
da peça pelo autor. Reivindicação: que o diretor da peça encenasse também suas próprias
histórias, tornando-se o autor de suas vidas. Na confusão, abre-se uma
discussão que coloca na berlinda autor, diretor, atores... um voo filosófico
sobre o próprio processo criativo – e até além dele, claro. A peça se divide
entre um texto “real” e a discussão paralela com os seis personagens, realidades
distintas no mesmo palco. Claro, os personagens querem representar-se a si
mesmos, não aceitam terem sido alijados pelo autor. Querem libertar-se do jugo dele,
o verdadeiro dono da caneta, do poder.
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Grupo com máscaras de Anonymous |
Decidir quem são os autores de hoje, e quem é personagem de
si mesmo não é apenas uma reflexão pirandelliana, é também um salto de maior
envergadura na atualidade brasileira. Se são personagens sem nome, sem espaço, sem
rosto, querem, por óbvio, assumir suas individualidades sem paternalismos, querem
sentir-se também autores no palco da vida, ao invés de condenados a simples
observadores. No palco das ruas, querem se assumir com vida própria, além da vida
cotidiana de cidadão comum.
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O dândi vândalo destruindo a entrada da Prefeitura de SP |
O Brasil tem visto, há dias, desenfreadas multidões em busca
de seus autores, personagens rebelados tanto contra os criadores, donos da caneta,
quanto os diretores de cena. Não existe nesta peça espaço para partidos
políticos (não há face, só persona),
e os que se apresentaram buscando dividendos partidários são rechaçados e, como
em algumas cenas expostas na mídia, até hostilizados pela massa. E todos maldisseram
um baderneiro profissional, rapaz forte – braço bom pra lavoura, diria minha
avó –, um escroque cuja maior diversão é a baderna, seja onde for! Foi ele, um desocupado
bem nutrido e “sarado”, vagabundo profissional, quem esteve à frente da
tentativa de invasão e depredação do prédio da Prefeitura Municipal de São
Paulo. À semelhança dele, punks e skinheads, antes inimigos (alguns
contratados por partidos radicais), agora unidos promoverem saques, depredações
e arruaças.
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Immanuel Kant |
Que estamos vivenciando um fenômeno único, isso é inegável. O
filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) dizia que um fenômeno é um objeto do
conhecimento, mas não em si mesmo, e sim na relação com quem passa a conhecê-lo,
pelo ponto de vista de ideias e experiências anteriores. Isso traz a certeza de
que existe um fenômeno, sim, especialmente comparando acontecimentos recentes com
nossas ideias e experiências do passado.
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Atores e músicos em 1968: linha de frente |
Para ser mais claro, essa revolução sem
discurso e desarmada que foi plantada a partir dos vinte centavos de aumento na
tarifa dos ônibus não tem nada a ver com a “passeata dos cem mil”, movimento
histórico contra a ditadura, a tortura, as prisões, a censura e pela libertação
dos presos políticos do final dos anos 1960. Naquela época, braços dados ou
não, faziam o “escudo”, na linha de frente, Odete Lara, José Celso, Chico,
Caetano, Gil, Gal, Milton, Nana e um cordão de gente da cultura, além de
religiosos de batina. O ideal era um só: o fim da ditadura. Foram todos filmados,
fotografados, fichados e posteriormente tiveram suas vidas vasculhadas, obras
censuradas, e muitos exilados ou presos. Tudo por um ideal único e bem definido:
o fim do regime.
Os personagens de hoje são quase anônimos, a organização –
sim, claro, ela existe e é razoavelmente bem feita, só que não se vê – se
utiliza de perfis ocultos nas redes sociais, entre seus articulados autores.
Confusão, distorções e aberrações, claro, ocorrem em qualquer lugar onde se
reúna uma multidão, e não é exclusividade brasileira. (Já o vandalismo é um efeito
colateral burro e perigoso das aglomerações). Qualquer coisa entalada na
garganta acaba sendo cuspida nesses momentos: além do “vintinho”, o que se quer
é o fim da Copa 2014 (veja aí um outro fenômeno, já que até hoje éramos o “país
do futebol”) e dos gastos monumentais, em troca de educação e saúde. O fim da
corrupção, a prisão do José Dirceu, o grito por uma nova ordem.
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Danny, le Rouge, no comando da massa em Paris, 1968 |
Mas qual seria essa nova ordem? Ninguém sabe, e esse será
outro fenômeno a ser compreendido, se progredir o movimento. Sem imaginar, nem
de longe, que isso possa vir a se repetir, lembremos que em 1968 a estudantada
francesa, tendo à frente o inteligentíssimo Daniel Cohn Bendit (1937), o Danny Le Rouge (Dany, o Vermelho), chega
ao poder. Assume, e um dia depois o abandona, por não saber o que fazer.
Nesse Brasil efervescente de hoje, não há plano de poder das
massas, não há sequer um plano para se chegar a algum lugar. Trata-se apenas de
uma convulsão causada por um descontentamento geral dirigido a vários destinatários,
sem rua e número bem definidos. Essas convulsões são o (epi)centro das atenções
no país inteiro, e seus olhos voltam-se agora a Brasília. Os comandos de rua acontecem
via mensagens de celular e radiotelefones, auxiliados pela organização e
mobilização pelas redes sociais, arquitetadas por uma intelligentza oculta nas mensagens virtuais.
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2013: ocupação do Congresso Nacional |
Falta muita coisa ao movimento, especialmente as que arrastaram
multidões, como no passado: a presença de líderes sindicais, estudantis e artistas
de teatro e MPB. Um amigo, importante jornalista de mídia nacional, bolou uma
anedota magistral: disse ele que os artistas da MPB de hoje estão se
articulando para engrossar o apoio ao movimento. Aguardam, apenas, a liberação
dos cachês pela Lei Rouanet. Essa é uma das diferenças gritantes: as passeatas recentes
não têm face, os líderes não sobem em Kombis para discursar em megafones, artistas
se calam. Os manifestantes apenas se movimentam, “buzinando a moça e comandando
a massa”, e tentam evitar a repressão – que se faz necessária diante de
vandalismos. Aglomeram-se à revelia de vagabundos, radicais partidários e
dejetos sociais como os movimentos punk
e skinhead, de modismos e nomes
importados e crueldade sem pátria. Resta ver o que sobrará, se a massa não se
cansará até mudar alguma coisa mais além dos 20 centavos.
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