Livros disponíveis nos EUA pelo amazon.com, no UK em amazon.co.uk e França em amazon.fr
LIVROS
CLIQUE SOBRE UMA DAS IMAGENS ACIMA PARA ADQUIRIR O DICIONÁRIO DIRETAMENTE DA EDITORA. AVALIAÇÃO GOOGLE BOOKS: *****
sábado, 8 de junho de 2013
ORQUESTRANDO A NATUREZA
Vendo meia dúzia de maritacas rodopiando a árvore em frente de
casa, umas lindas corujinhas, pardais e até canários que ornam nosso zoológico
a céu aberto, pensei quanto prazer nos dão esses animaizinhos, nossos “pets”
livres, enamorando a flora local sob a bênção da mãe natureza. E esses bichinhos,
quando tocam sua música, nos ensinam, até aos que estudam tanto para reproduzir
de forma imperfeita, pois que racional, a arte que eles, bichos em sua
liberdade pós-moderna, fazem para alegrar o mundo. Pássaros sibilam, e alguns produzem
sons agudos até o extremo de nossa limitada percepção. Eu diria que são flautas,
os cantos no registro vocal de pássaros de médio porte – porque, sim, pássaros
maiores têm caixa de ressonância maior do que a dos pequeninos. (Veja o beija-flor,
tão belo mimo, que brinca no ar como se flutuasse: mas Deus lhe deu voz miúda
demais para gorjear, como disse Gonçalves Dias do canto do sabiá: “As aves que
aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”). E a nossa graúna, cujas asas não são
negras como os cabelos da Iracema, “a virgem dos lábios de mel”, como romanceou
José de Alencar? A tal da graúna não é lá muito bonita, mas é altaneira,
soberba e dona de seu território. E canta bem (abaixo).
Piccolo, ou flautim
Outros pequenos, como os canários - aves canoras, claro, de onde
o nome dos bichinhos -, de voz tão melodiosa como poucas há, são o piccolo (do
italiano, pequeno), ou flautim, que tem assento na banda e em grupos de choro
nos momentos mais apropriados, assim como na orquestra, o famoso solo de
flautim naquela marcha do John Philip Sousa, o “Washington Post” quase uma
marcha nacional americana. Assim como na “Stars and Stripes Forever” (Estrelas
e Listras para Sempre), a marcha oficial (e o não o hino) dos EUA, o piccolo sobrevoa
a banda ou a orquestra com seus intricados floreios e volteios ornamentais. E
se acaso outros são pássaros cantores de voz um pouco mais grave, não deixarão
de ter na música seu instrumento para bem comparar: pois que existem outras
flautas, até contralto e contrabaixo. E será que há pássaros infelizes, que não
têm lá um canto dos mais agradáveis? Talvez a gralha, que tem até um verbo que lhe
deve o nome: gralhar, sinônimo de grasnar, um grito meio difícil para um humano
suportar por muito tempo. Mas a cada um seu lugar, ela serve bem à vida livre
na natureza (abaixo)!
Violinofone
E tem pássaro que é lenda, como o Uirapuru, animal de canto
sagrado da cultura indígena que foi contada magistralmente por Villa-Lobos em poema
musical que fala de uma ave que fica na copa das árvores mais altas, e cujo
cantar o compositor representou com o raro violinofone, uma espécie de violino
com uma corneta de gramofone acoplada, bugiganga que produz um som rasgado e
metálico. De tal sina, porém, o Uirapuru se livra, pois, contam os tupis-guaranis,
uma linda índia o seduz, e, tal qual nos contos de fadas, vê-lo transformar-se no
mais forte, belo e garboso de todos os caciques da floresta. Talvez por isso
hoje ele cante como nunca, é talvez o único pássaro virtuose, codinome pássaro-músico,
cujos cantos dão saltos inigualáveis entre agudos e graves (abaixo).
Pedro e o Lobo (Disney)
Aí vem Prokofiev e abre uma lição musical para
ilustrar sua Pedro e o Lobo (1936), que associa instrumentos a animais e
pessoas: Pedrinho, menino da breca e pequeno herói da história, surge na
melodia das cordas, alegre, travesso; já o gato anda suave e depois corre ligeiro
pelos dedos velozes do clarinetista, enquanto o oboé faz a caricatura do pato.
O vovô, claro, fala mais grosso, e tem no fagote (mais corpulento e portanto
mais grave) seu instrumento, especialmente quando canta suas reprimendas ao
moleque Pedro. As trompas, metais de som mais grave, parecem rastejar, à
espreita: são o perigoso lobo, o vilão da obra diante do qual os pequeninos
espectadores parecem tremer de medo na plateia.
Bombo sinfônico
O som do bombo sinfônico
representa o mais poderoso estrondo da natureza, o explodir do trovão, Tupã,
mensageiro e deus da mitologia tupi-guarani. Pois é o bombo que ribomba (é dele
que vem o verbo!) e se intromete causando grande estrondo lá pelas tantas na
espalhafatosa Abertura 1812, de Tchaikovsky, em meio a citações da Marselhesa, marcha
cunhada ao som da Queda da Bastilha no histórico 14 de julho de 1789, início da
revolta popular francesa. Não bastassem bombos e pratos de metal, para a
Abertura é comum orquestras trazerem salvas de grandes canhões de guerra quando
a obra é executada ao ar livre. Já um tambor menor, a caixa clara, que é tocada
com duas baquetas, lembra os sons marciais, até mesmo no famoso Bolero de Ravel,
dos difíceis sussurros percutidos da introdução até o final apoteótico. (Veja e ouça abaixo trecho da Abertura 1812 de
Tchaikovsky, com trajes de época e canhões verdadeiros. Leonard Bernstein à frente da Filarmônica de Israel).
Ah, e as harpas, não há como escapar do lugar comum, as celestiais
harpas, instrumentos cujos ancestrais mais primitivos aparecem nas mãos dos anjos
nas gravuras, óleos e esculturas de todos os séculos e origens! Debussy (1862-1918)
compôs a linda Catedral Submersa (“La Cathédrale Engloutie”), para piano, mas
Stokowski (1882-1997) criou uma versão orquestral, e usou o som da harpa para evocar
o movimento das águas a penetrar a catedral, como fosse um enorme aquário. O
violoncelo, em seu registro médio, faz a linda voz chorosa do cisne no Carnaval
dos Animais, de Camille Saint-Saëns, que destina jocosamente aos contrabaixos,
no seu registro mais grave, o passo cadenciado, arrastado e paquidérmico dos
elefantes.
Não falta lugar nessa festa musical para os
cavalos, muito bem representados pelos arcos das cordas saltando em “ricochet”
(aliás, ótimo exercício técnico), na abertura da ópera Guilherme Tell, de
Gioachinno Rossini (1792-1868), trecho meio desgastado pelos surrados filmes de
caubói do passado. Após a abertura, Rossini finalmente traz à cena seu herói,
Guilherme Tell, a fim de que este busque desviar o amor enorme e obsecado de
Arnold por Mathilde, tentando insuflar-lhe ódio a Gessler, irmão da própria amada
– um invasor maldito, que precisavam expulsar.
Habitavam este mundo todos os sons bem antes de nós, e, se um dia
tudo vier a acabar (e o será por nossa máxima culpa), serão eles, os sons da
natureza, os últimos sinais de vida a se calarem no planeta - razão pela qual a
música, enquanto existirmos, não pode parar de imitá-los, cortejando nossa
sobrevivência. Não desanimeis, animais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário