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sábado, 17 de agosto de 2013
GARRINCHA, ALEGRIA DO POVO (80 anos de nascimento e 30 de falecimento)
Clube do Botafogo: General Severiano, no Rio
Meninos, eu vi! Foi no final dos anos 1960, na
General Severiano, onde eu fazia natação na piscina de água salgada e às vezes
batia uma bola no campinho, na saída do Estádio do Botafogo. Era o time do meu
coração, e podíamos ver de perto nossos ídolos: Jairzinho, Manga, Gérson, no
gramado onde já havia jogado o insuperável Garrincha. Na saída do treino, os campeões
autografavam, e às vezes até trocavam uma ou duas bolas no nosso campinho.
Manga, um gigante brincalhão, pegava no gol por alguns minutos e nos dava a glória
de deixar passar alguma bola, para o autor da façanha contar pelo resto da vida
que havia cravado um gol no supergoleiro! Uma vez o acompanhamos até a rua, ele
com uma mala de plástico, fazendo sinal para o táxi – sim, leitor, ídolo pegava
táxi! Ver os campeões de perto, meu Botafogo, no estádio perto de casa era tudo
de bom. E Botafogo nos era glorioso até mesmo na derrota!
No Esporte Clube Pau Grande
Há alguns dias revi o filme do cineasta Joaquim Pedro de
Andrade (célebre também por Macunaíma), em cujo título me inspirei para encimar este artigo. Um relato comovente, bem além da narrativa documentária, um curta sobre
a história de quem foi herói e ídolo até morrer, em 1983. Criado em Pau Grande,
perto de Petrópolis, estado do Rio, Mané (um dos muitos apelidos do jogador)
foi um feliz acaso espontâneo da pobreza.
Naquela cidadezinha de três mil habitantes
praticamente havia apenas um serviço: a tecelagem, onde Garrincha trabalhou com
seus amigos, de quem nunca se separou. E com ele “a classe operária foi ao
paraíso” (lembrando um filme italiano do passado). Já famoso, Mané pegava o
trem no Rio – de novo, leitor, campeão pegava trem! – para bater uma bolinha na
várzea, como sempre fez desde criança. Na amizade, o time perdedor pagava a
cerveja para o ganhador. (E era penalizado quem deixava a bola cair pela beirada
do morro).
Embaixo, à esquerda: Garrincha no Botafogo
Meio preguiçoso, mesmo com o barulho das máquinas
Mané conseguia arriscar um cochilo em serviço, razão pela qual o patrão queria mandá-lo
embora. Porém, em cada tentativa o chefe
tinha que retroceder, pois o rapaz já despontava como promessa no futebol.
Quando foi para o Rio, em 1953, Mané largou o clube Serrano (já tinha saído do Pau
Grande) para juntar-se à esquadra botafoguense. Envaidecido, o dono da
tecelagem colocou um retrato enorme do jogador na sala, bem ao lado do Getúlio
Vargas. E Garrincha sempre retornava do Rio, humilde, para ver as sete filhas e
a mulher, além, claro, dos amigos do peito.
O excelente livro de Ruy Castro
Alegria do Povo, Anjo de Pernas Tortas e O Rei dos Reis foram
expressões talhadas para o jogador maior brasileiro. Sim, foi ele o homem que
ergueu Pelé - era Garrincha quem desmontava defesas adversárias, preparava jogadas e entregava
a bola para o santista chutar em gol. Na copa de 1962, Pelé sofrera uma grave
distensão na virilha; Garrincha ficou sozinho, estrela solitária, e,
desobedecendo ao técnico Aymoré - e com 39 graus de febre -, roubou o jogo, fez
misérias, driblou, fintou, e fez bola passar por entre pernas de jogador
adversário.
A alegria de celebrar cada gol
Fazia gols impossíveis, como aquele do lado da trave do
adversário, e ainda com um jogador no caminho da bola. Gozador e irreverente,
em uma semifinal deu um pontapezinho na bunda de um jogador chileno, e quase foi
eliminado da Copa. Expulso do jogo, saiu de campo de cabeça erguida, sereno, e por esse descuido recebeu na testa uma pedrada vinda
da arquibancada, ao invés de correr em ziguezague, como diriam depois os
críticos palpiteiros. Sem Pelé, Garrincha tornou-se rei por completo, corpo e
alma do time. Assumiu a liderança, para gáudio da torcida de olhos arregalados
e apaixonados, como mostram as imagens cinematográficas bem selecionadas, uma
multidão de fãs nervosos e muitos desdentados.
Justiça feita: o novo Estádio Mané Garrincha, em Brasília
O grande dramaturgo, cronista e futebolista Nélson Rodrigues
– o estádio do Maracanã leva o nome de seu irmão, Mário Filho -, que era cunhador
de frases de efeito, vaticinou: “se todos os 75 milhões de brasileiros fossem
Garrinchas, o Brasil seria maior do que a Rússia e os Estados Unidos”. Interpreto
a frase de Rodrigues, e acho que, de certa forma, ele estava certo: se
Garrincha tivesse sido escultor, teria sido um Aleijadinho; compositor, um Cartola,
e por aí vai. Um gênio de pernas tortas, anomalia congênita, desvio de ambos os
membros para o mesmo lado, que fez alguns médicos intrometidos se declararem contra
seu ingresso no circuito do futebol profissional. Mas este ano o Brasil fez
justiça, nomeando Estádio Nacional Mané Garrincha a arena do futebol em
Brasília.
Aquele garoto pobre nasceu predestinado para ser ídolo, o que
chamava as multidões para ver não exatamente o jogo, mas para ver o Garrincha. O
filme de Andrade chega a arrepiar, desde a introdução, Mané correndo com a
gloriosa camisa alvinegra, estrela solitária no peito. O time de maior
invencibilidade da história, 52 vitórias entre 1977 e 1978, e dono da maior goleada
do futebol brasileiro: 24 x 0, sobre o Mangueira, em 1909.
Gosto de saber quando meu time ganha, mas não me
comovo como antes. Torço pelo Brasil nas copas do mundo, mas nem sei se gosto
muito de futebol: eu gostava mesmo era do Botafogo e dos dribles Garrincha. O apelido, aliás, lhe foi dado por causa de um passarinho, o garrincha-chorona,
sabe-se lá o porquê. Arrisco que nosso mito do futebol tenha sido uma criança
chorona, que depois de crescida fez um país inteiro chorar. Após abandonar o futebol, Mané nos fez chorar outra
vez: ele nos foi tirado cedo demais.
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