Martin Luther King. Marcha sobre Washington, 1963 |
Naquele 28 de agosto de 1963, um discurso de menos de vinte minutos entrou para
a história americana como um dos mais belos e emocionantes, ao lado do Gettysburg
Address do Lincoln. O povo caminhava cantando “We shall overcome” (“nós vamos
conquistar, nós vamos conquistar, nós vamos conquistar um dia...”). (Veja e ouça abaixo
a canção na voz inimitável da Joan Baez, e logo após o discurso de King).
Mahalia Jackson |
Vale destacar alguns comoventes trechos, que traduzo livremente a seguir: “Eu
digo a vocês agora, meus amigos, que apesar de enfrentar as dificuldades de
hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho”. Pausa. A seguir, Mahalia Jackson,
cantora gospel de poderosa voz de contrato, gritou: “Conte a eles sobre seu sonho!”.
O reverendo pegou o “gancho” de Mahalia, abandonou o texto escrito e prosseguiu
livre, improvisando com emoção: “É um sonho arraigado profundamente no sonho
americano. Eu tenho um sonho de que um dia esta nação vai se levantar e viver o
real significado de sua crença: que todos os homens são criados iguais. Eu
tenho um sonho de que um dia, sobre as colinas vermelhas da Georgia, os filhos
dos antigos escravos e os filhos dos antigos donos de escravos poderão
sentar-se na mesa como irmãos".
"Eu
tenho um sonho de que até o estado de Mississippi, sufocado pelo calor da
injustiça, pelo calor da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e
justiça. Eu tenho um sonho de que minhas quatro crianças um dia viverão em uma
nação onde eles serão julgados não pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de
seu caráter. Eu tive um sonho hoje. Eu tive um sonho de que um dia, lá no
Alabama, com seus racistas corruptos, com um governador de cujos lábios escorrem
palavras de intervenção e negação; um dia, logo ali no Alabama, meninas e
meninos negros poderão juntar-se as mãos com meninas e meninos brancos, como
irmãs e irmãos. Eu tive um sonho hoje !” (Veja e ouça abaixo Martin Luther
King, Jr., e o momento em que, por uma deixa de Mahalia Jackson, abandona o
discurso escrito para deixar-se levar pelo improviso na emoção)
Grande opositor da Guerra do Vietnã, King proferiu em Nova York, em 1965, outro
discurso inspirado: “Além do Vietnã: a hora de quebrar o silêncio”, de que me
valho para destacar um célebre trecho: “Uma verdadeira revolução de valores
mostrará em breve as agruras do gritante contraste entre pobreza e riqueza. Com
justa indignação, ela surgirá dos mares e revelará os capitalistas do ocidente
investindo enormes somas de dinheiro na Ásia, África e América do Sul, apenas
para auferir lucros, sem se preocuparem com a melhoria social desses países”. E
encerra firme, após uma pausa tática: “isto não é justo!”
Dr. King morto, no chão da sacada do hotel |
Em 4 de abril de 1968, em Memphis, estado de Tennessee, King foi brutalmente
assassinado. Contra o autor da façanha, o atirador James Earl Ray, pesou ainda
a suspeita de que teria agido em conluio ou a mando de agentes secretos, uma
dúvida que persiste há 45 anos e que nunca será dirimida. Naquele dia, ao
amanhecer, King foi à sacada do segundo andar do pequeno hotel onde estava
hospedado, quando recebeu o disparo de um rifle no rosto, cuja bala terminou por
atravessar sua coluna para se alojar no ombro. Logo depois estaria morto, mas a
notícia já havia se espalhado como fogo, provocando manifestações e protestos
no país inteiro.
Rev. Jesse Jackson |
O reverendo negro Jesse Jackson (1941, Carolina do Sul), foi um seguidor dos
passos de Luther King. Em 1983, Jackson disputou a indicação do Partido
Democrata para a eleição à Presidência dos EUA, final de uma luta que já vinha
de alguns anos antes. Surpreendeu iniciando com um terceiro lugar no início das
primárias e logo ultrapassou o segundo colocado. Mas perdeu as prévias para
Walter Mondale, escolhido candidato pelo Partido Democrata, por sua vez
derrotado nas urnas pelo republicano Ronald Reagan em 1981. Cheguei a ver
discursos de Jackson na TV, ainda na pré-campanha. Uma emocionante chama de
esperança traduzida em belas frases de efeito e um estilo professoral. Dificilmente,
nos EUA, alguém tira de King e de Jackson o pódio dos oradores impecáveis e
arrebatadores: o dom de fazer derramar lágrimas dos ouvintes, apontando uma réstia
de luz, uma chance de que um país fundado por colonos brancos europeus poderia ser
dirigido por um negro. (Abaixo, um discurso de Jackson, em 1988, em que além da igualdade racial, ele incluiu Aids e drogas. A palavra “sonho”, lembrando KIng, é recorrente).
Marcha sobre Washington: 1963 e 2013 |
Barak Obama, 28 de agosto de 2013 |
Na luta de King houve muitos avanços, sim, mas ainda
há muito o que enfrentar. Na luta pela igualdade, contra o racismo atado umbilicalmente
à maioria do povo branco americano - tanto quanto à nossa parcialmente miscigenada
sociedade brasileira, manto que oculta uma boa parte dos cidadãos “que ainda
discriminam seus irmãos pela cor da pele e não pelo seu caráter interior”.
(Abaixo, o discurso de Obama,
em 28 de agosto de 2013, na íntegra).
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