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sábado, 26 de julho de 2014

NA INGLATERRA, TAL QUAL OS INGLESES - PARTE II

Onde convivem tradições, culturas e religiões

[Antes de iniciar, devo esclarecer que não serei a favor ou contra uma ou outra coisa que passarei a narrar. Minhas opiniões guardarei para mim, já que o caro leitor deve ter suas próprias. Os assuntos nesta breve série se entrelaçam e se entretecem como uma peça de tapeçaria, impossível pensa-los isoladamente].

Diáconas em Bristol
Custa-me entender como uma nação que vive sob uma monarquia - aos olhos externos conservadora - possa avançar tanto dentro de seus próprios princípios e raízes. A Igreja Anglicana diverge das demais cristãs (assim como as outras entre si), mas já se distanciava do Vaticano antes da Reforma de Lutero. Com o tempo, a Igreja deixou de prevalecer sobre o Estado. Modernamente, foi concedido às mulheres o direito de exercer o sacerdócio em todas as suas prerrogativas canônicas. Este ano, no simbólico 14 de julho – data da Tomada da Bastilha, marco da Revolução Francesa -, elas adquiriram também o direito de serem ordenadas bispas. A vitória, nessa segunda tentativa, se deu por esmagadora maioria. A repercussão foi imensa, e os defensores da mudança acham que a inovação atrairá mais mulheres para seus cargos e fieis para seus quadros. Claro, entre os opositores há uma minoria em desacordo com essas inovações. Citam a Bíblia, mas os liberais entendem que as Escrituras datam de milênios atrás, devendo, portanto, serem compreendidas sob a ótica dos dias de hoje, argumentando que não há, assim, desrespeito aos textos.

A questão feminina tem outros focos muito interessantes. Ora, o aborto é legal no Reino Unido há mais de 40 anos, enquanto outros países o empregam em parte e ainda o discutem (EUA) ou o eliminam das discussões (não cabe aqui analisa-lo sob o ponto de vista brasileiro, multifacetado como um caleidoscópio). No RU o aborto, à exceção de quando à mulher ou ao feto há risco de morte de um ou ambos, também é permitido por declarado impedimento de uma gestação ser levada adiante por incapacidade de a mãe cuidar de um filho, e casos são analisados um a um (reitero aqui minha advertência impessoal no início deste texto!). Há que se ouvir assistente social, psicólogo e obter dois laudos diferentes de médicos independentes. Obviamente, se por motivo de crença religiosa – já ficou claro aqui que o Reino tolera todas as religiões, as quais respeita em seus princípios particulares -, é facultada à gestante a decisão final, resguardados os citados casos em que o risco é iminente, quando prevalece a decisão dos médicos.

1965: os Beatles recebem da Rainha a Ordem do Império
Nessa Inglaterra tida conservadora nasceram quatro rapazes em uma cidade portuária da grande Londres, Liverpool (coisa de uns 25 minutos de trem). Chamavam-se John, Paul, George e Ringo Starr, e fizeram uma revolução de costumes, sofisticaram o rock’n’roll americano e mudaram a música do mundo; lançaram moda e se tornaram heróis do Reino Unido, recebendo uma das mais altas condecorações das mãos da Rainha (OBE, Ordem do Império Britânico). Houve algum reboliço (mas nenhum problema) quando eles declararam que antes da cerimônia fumaram maconha em um dos banheiros palacianos. Mas tratava-se dos Beatles, grupo que o lendário maestro Leonard Bernstein afirmou ser a maior conquista da música popular mundial do século 20, e uma revolução na música vocal.

Londres nos tempos das minissaias
Naqueles anos 1960, uma estilista inglesa chamada Mary Quant, a bordo dessa pacífica revolução de costumes, inventou uma peça chamada minissaia, que deu à modelo Twiggy o status de uma das maiores estrelas de sua década (de tão magra, em São Paulo a chamariam ‘pau de virar tripa’, para quem sabe como se faz uma linguiça). As garotas usavam a minissaia em três tamanhos: bem curtas, curtíssimas ou extremamente curtas. Pois na Londres de hoje ainda as vemos nas ruas, ônibus, metrôs, minissaias e microvestidos, shortinhos às vezes sumaríssimos, elegantíssimos, cada uma a seu modo. (Curioso: eu, vindo de um país ‘moderno’ e ‘avançado’  – afinal, o Brasil é uma república plena de balneários, praias e mulheres lindas -, perguntei a alguns jovens do hotel se aquelas roupinhas não causavam algum mal-estar, gracejos ou revelavam olhos arregalados de estupradores em potencial).

Segundo pesquisa infeliz feita pelo Ipea entre homens no Brasil, para 58,5%, depois corrigidos para uns ainda ridículos 24%, roupinhas assim incitariam nos machões o desejo de estuprar quem as veste. A turma inglesa afirmou que nunca, nunca havia visto nada assim. Olhar, apreciar a beleza, sim, mas instinto animalesco é outra coisa. Lembro-me agora de um livro de contos do Fernando Sabino (meu exemplar traz um autógrafo carinhoso do “tio”), chamado “A Inglesa Deslumbrada”. Nele, Sabino conta que durante um voo sentou-se ao lado de uma inglesinha, puxou assunto e logo sua companheira de viagem não resistiu à curiosidade: delicadamente, perguntou-lhe se era verdade que no Brasil pessoas andavam sem roupas (com certeza, deve ter visto fotos de indígenas brasileiros). Sabino respondeu que sim, os índios por tradição e os demais por causa do enorme calor, o que fez a moça esbugalhar os olhos, assustada.

Saias, minissaias e shorts
Foi um pouco assim que eu reagi ao pensamento do grupo londrino: cada um se veste como quer, e o costume individual, de roupas e manias a preferências afetivas, é assunto particular que não diz respeito aos demais cidadãos. Depois dessa, senti-me um “brasileiro deslumbrado” diante daquela maneira livre de ver os outros, e puxei outro assunto para não prosseguir. Quanto à tal ridícula pesquisa do Ipea, fiz bem em não comentar: evitei passar a vergonha de ser visto como uma caricatura de latino vulgar vindo de um país machista e reacionário. (Continua no próximo artigo).

Garotas em shorts no metrô: uniforme de verão

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