O balanço de Haley chegou à
classe média brasileira, inspirou a Jovem Guarda e influenciou toda a nossa
música popular, notadamente via Tropicalismo, e foi tema de novelas e inúmeros
filmes. ‘Rock’ não quer dizer ‘pedra’, é um verbo que significa balançar, na
dança às vezes plena de estripulias, saltos, malabarismos com as mocinhas de
vestidinhos pregueados e pernas para o ar. E “Rock’a’by baby / on the tree top
/ when the wind blows / the cradle will rock…” é letra de uma cantiga de ninar
tradicional dos EUA, que eu cantava para meus filhos, segredo do bom embalar:
“Balança, bebê / sobre o topo da árvore / quando o vento sopra o bercinho
balança / se o galho se quebra o bercinho cai / com ele o bebê, e tudo se vai”
(T. do A.).
Haley e sua dança de números
vieram-me à mente na semana que se passou, ao assistir na TV a uma reportagem
sobre uma pesquisa eleitoral brasileira. Onde será que duas mil pessoas foram
entrevistadas? A pesquisa aconteceu via telefone ou nas ruas? Mais: a listagem
dos candidatos estava em um círculo a ser girado e entregue à livre escolha do
paciente (em duplo sentido) da entrevista? Ou estava em ordem alfabética ou trocada,
favorecendo algum nome? Mais importante: o método atende proporcionalmente ao
universo de eleitores segundo sua distribuição pelo país? (Cada estado da
União, classes sociais, a formação escolar e outros parâmetros fundamentais?).
Muitos me perguntam: "você por acaso
já foi entrevistado? Pois eu nunca”. Eu tive a infelicidade de ter sido, em uma
eleição para prefeito de São Paulo. Perto de casa, uma senhora me parou, e com
o famoso ‘disco aleatório’, sem gira-lo, o dedo em cima do nome de um
candidato, então tido como favorito, ao
invés de me mandar escolher, perguntou-me: “o senhor votaria neste candidato?”.
A pesquisa estava viciada. Disse apenas adeus. Naquele ano, o nome que foi apontado
era favorito na pesquisa, a boa distância da segunda colocada, mas perdeu por
uma ‘súbita mudança’ (sic) nos últimos 3 dias, um passe de mágica. Ungida, a
Prefeita tomou posse ante a surpresa da enorme reversão das expectativas.
Ainda nesta semana que passou, um
importante instituto de pesquisas eleitorais, por encomenda de um grande jornal
brasileiro e uma das maiores empresas de televisão aberta, interpretaram os
mesmos números de formas diferentes: de acordo com o jornal, uma candidata
“amplia vantagem” (manchete de primeira página) sobre sua concorrente, em vista
de um ‘acréscimo’ duvidoso em qualquer estatística: coisa da ordem de 2% a mais
para uma e 1% a menos para outra. Por sua vez, a emissora noticiou que as
posições das duas supostamente mais bem colocadas se mantiveram, e ressaltou o
mais importante, o virtual empate no segundo turno, coisa que não mereceu
destaque na manchete do jornal. E nada de outros candidatos na chamada!
Nação de primeiríssimo mundo, o
Reino Unido realizou recentemente um referendo sobre a independência da
Escócia. As pesquisas, feitas por órgãos independentes e confiáveis em um país
tido como absolutamente sério mostravam uma constante: 4% de diferença em favor
do ‘não’. Mas o resultado final passou ao largo das duas maiores pesquisas: a
diferença entre o ‘sim’e o ‘não’ foi de 10% - um ‘erro’ de 6%, um enorme desvio
estatístico às vésperas do pleito! Isso, em um país tão sério que o líder do
voto pelo ‘não’ no parlamento escocês, Alex Salmond, imediatamente reconheceu a
derrota e pediu aos compatriotas que a acatassem, e apoiassem a permanência do
país no Reino Unido.
Faço breve paralelo com a economia,
ciência econômica por definição, que interpreta números. Pois números são
sujeitos a visões e visões, tanto que há escolas como as de Cambridge, do MIT,
de Harvard ou de Chicago, que de certa forma utilizam suas formas de pensar os
números de maneira bem particular, sob óticas e ideologias diferentes, até
rivalizando-se. Voltando às nossas pesquisas, não vou fazer ilações (por falta
confessa de elementos) sobre métodos, confiabilidade, margens de erro e menos
ainda a lisura desses levantamentos, encomendados por órgãos de imprensa,
confederações e outros.
Se na economia há números
voláteis, cifras que se reportam a situações reais, na política, mesmo que
ouvindo apenas 2.000 pessoas de uma população de mais 142 milhões de eleitores
(0,0014%, ou uma opinião para cada 17 mil votantes!), os resultados carregam o
discreto charme da profecia. O melhor a fazer, portanto, é esquecer a “Lei de
Gérson” (“o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”) pensar e usar o
coração na hora de votar, deixando o resultado à decisão do povo, entre todos
os candidatos. Do balanço do Bill Haley, fiquemos com a música que o elegeu
estrela, com seu ministério de incríveis “Cometas”.