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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

UMA ALEGORIA POLÍTICA SOBRE A ÓPERA ‘A FLAUTA MÁGICA’, DE MOZART


Capa do programa de estreia de A Flauta Mágica
A FLAUTA MÁGICA (die Zauberflöte) é uma das maiores obras de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), entre as inúmeras que produziu. Por seu simbolismo, alusões à maçonaria francesa, à vida na corte austríaca e a política na era da Rainha Maria Theresa (que surgirá na ópera como a Rainha da Noite), tornou-se assunto para estudo não apenas artístico, mas também literário e histórico, além de farto material sobre a atuação da maçonaria da época. Com libreto (texto) escrito por Schikaneder, maçom da mesma ‘loja’ de Mozart, as alusões à sociedade discreta (secreta?) a 'estória' passeia por símbolos e signos – um deles, o número três, está presente em vários momentos -, entre desafios e provas da maçonaria de linha francesa da época, que eram o caminho rumo à iniciação e posterior conquista dos graus hierárquicos a serem galgados nos traços bem delineados desde os escritos da sociedade maçônica desde a antiguidade.

Ilustração: um 'Singspiel' típico da época
COMO NESTE TEXTO ESTAMOS TRATANDO DE UMA ALEGORIA, é melhor irmos desde já aproximando a 'estória real' da ópera à fantasia de nossa livre interpretação, para improvisarmos à nossa maneira e à luz dos tempos atuais sobre o texto original da obra. O que se segue não é uma parábola e, menos ainda, uma fábula: é o retrato de uma visão política atual do simbolismo concebido musicalmente por Mozart para a riquíssima cena a se desenrolar no palco. A Flauta Mágica é um Singspiel (ópera de espírito cômico entremeada com diálogos falados), o que a torna atraente ao público, fora algumas árias bastante conhecidas do leigo – uma delas, até pela voz de um recente falso contratenor (via falsete, pois contratenor é voz em extinção) brasileiro surgido da música popular, Edson Cordeiro, que ficou famoso cantando obviamente em tonalidade bem mais baixa do que a original, chegando a seus ‘quinze minutos de fama’ sem qualquer associação à obra-prima mozartiana em si.

Cortinas do Royal Opera House, Londres
NOSSA ALEGORIA SOBRE A FLAUTA MÁGICA versa sobre esta ópera em due turni (dois atos). Nossos personagens principais, são, com seus respectivos intérpretes, e respeitando a simples classificação vocal do próprio Mozart na partitura: a Rainha da Noite (soprano), papel interpretado por Vilma Joseph), Sarastro (baixo, papel de Luigi Nacci Lully), o grande líder dos sacerdotes de Ísis (deusa da saúde e do amor) e Osíris (deus da morte e ressurreição). O sumo sacerdote, contudo, não detém o poder diretamente em suas mãos.  Tamino, o príncipe (tenor, papel de Édouard Duchamp), Pamina (papel da soprano Marín Silvia), filha da temível Rainha da Noite, e Papageno, o caçador de pássaros (papel do barítono Eccio Neige) que acompanha a certa distância Tamino (Édouard) e Pamina (Marín) em sua 'peregrinação' de longo percurso rumo à iniciação. Por uma questão de espaço e conveniência ao texto, nosso libreto alegórico deverá se concentrar nesses personagens, e, por licença poética, permitir-se a algumas liberdades quanto ao texto original. Que se abram as cortinas!

Encenação da "Flauta" no Metropolitan Opera House, em NY
EM CENÁRIO INSPIRADO NO EGITO ANTIGO, pleno de esfinges e símbolos, uma virtuosística abertura musical de arcos saltitantes nos instrumentos de cordas, antevê uma famosa ária - que é uma parte cantada por solista ou solistas de uma ópera. A Abertura instrumental seduz o público à primeira vista. Dando início ao ‘primo turno’, os arautos de Sarastro (Luigi Naccio), o grande rei do sol, articulam para que Pamina (Marín) seja arrastada para longe do poder da poderosa Rainha da Noite (Vilma), cujo canto chega a ser mais agudo do que o mais agudo dos pássaros, com volteios virtuosísticos, além de ser dona de um visual agressivo condizente com seu papel. A Rainha (Vilma) dá ordens para que deixem Pamina (Marín) embaixo de seus braços para reinar absoluta. Um dos pontos altos da ópera é a absolutamente incrível ária da Rainha: ‘A vingança do Inferno ferve em meu coração’ (Der Hölle Rache kocht in meinem Herzen: veja e ouça abaixo com a fabulosa soprano Diana Damrau no papel da Rainha da Noite, talvez sua melhor performance gravada da área, tanto pelo canto eletrizante quanto pelo seu dramático desempenho cênico).

Tamino e Pamina:
"A divindade é a meta pela qual homem e mulher lutam"
O DESTINO FAZ TAMINO (Édouard) APAIXONAR-SE POR PAMINA (Marín), e, buscando serem iniciados nos caminhos ocultos do poder da sociedade, conforme os ritos maçônicos de então, o par passa por provas e privações, que são vencidas uma a uma por Tamino e sua flauta mágica e Pamina, com seus sininhos – sempre seguidos à meia distância pelo caçador de pássaros Papageno (Eccio).

Figurino de Papageno, com a gaiola nas costas,
conforme usado pelo próprio libretista Schikaneder na estreia
PAPAGENO  FALHA ao caçar um pássaro gigante, não consegue dominá-lo e Tamino (Édouard) é arrastado e levado pela enorme ave para o desconhecido, deixando vivo a Pamina (Marín) apenas seu espírito e a magia de sua flauta.

Pamina e Tamino (com a flauta): Kate Royal e Joseph Kaiser,
em encenação no Royal Opera House, de Londres
SOZINHA, PAMINA (Marín) PROSSEGUE EM SEU DESAFIO, levando o espírito do amado Tamino (Édouard) e as ideias gestadas durante o breve enlace do casal. Após inúmeras aventuras, Papageno (Eccio), sem Tamino (Édouard) à sua frente, acaba tendo de deixar Pamina (Marín) à sua própria sorte.
OFUSCADA POR UMA PODEROSÍSSIMA LUZ, a Rainha da Noite esvai-se ao nada, juntamente com seu séquito. Pamina (Marín) chega então ao final da longa trilha, sendo admitida na ‘Ordem’. O coro, em júbilo, entoa em êxtase “Vocês atravessaram a noite”, concluindo a magnífica cena.

O cenário desta alegoria sobre A Flauta Mágica
COMO EM TODA OBRA DE ARTE, desde alguns conceitos mais antigos, e outros mais recentes como em Machado de Assis (“Capitu”) ou Pirandello (“Assim é se lhe parece”), nossa alegoria política sobre esta obra-prima de Mozart, que aqui se encerra, deixa à conclusão do leitor a interpretação do final da grande obra. Trata-se apenas de um retrato do previsível, e variações sobre esse retrato são possíveis, mas já são muito poucas, já que os desfechos antes previsíveis são agora razoavelmente prováveis. Nossos anseios reais, sejam quais forem, estarão sempre submetidos aos fatos, e não às fantasias do inconsciente coletivo, aos discursos inflamados ou à sedução das palavras, paixões e bandeiras. Por isso o gran finale desta alegoria, como defendia Umberto Eco (in Opera Aperta, de 1962), ainda será, por ora, uma 'obra aberta'. Quem viver verá.

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