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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DE COMO BEM SE COMPORTAR EM UM CONCERTO OU SHOW


Estudante de direito. Foto: arquivo pessoal (G1)
Há alguns meses, ganhou as páginas da imprensa e redes sociais, gerando longas discussões, um incidente acontecido no Teatro Municipal do Rio de Janeiro que, virando manchete de cadernos de cultura, escapou das páginas policiais na imprensa. O embate na plateia chegou às vias de fato, com hematomas no rosto da protagonista, boletim de ocorrência, e o contradito declarando que ela apenas caiu, machucando-se. E tudo começou porque um francês, sentado atrás da moça, reclamou que ela não parava de falar ao celular durante a apresentação. Por sua vez, ela argumentou que apenas dizia à sua mãe que estava passando mal. Daí, acertou um programa de concerto no indignado francês e ele... Bom, cada um com sua versão, como era de se esperar. Mas quem viu sabe.

Cena comum em concertos e shows, mesmo proibido
o uso de celulares e congênres
Já no Municipal de São Paulo, há alguns anos, um celular tocou exatamente em uma parte suavíssima da obra que era conduzida pelo maestro Ira Levin. Pois tocou algumas vezes e parou. Ao invés de discretamente desligar o aparelho, o dono do celular respirou aliviado. Para seu desgosto, veio mais uma série de toques. Abrindo a regra na história da casa, virou notícia no caderno de cultura de um jornal de São Paulo. Não houve feridos - fora a música, que saiu com seus arranhões.
Alan Gilbert, Regente Titular de New York Phil
Essas ‘intervenções’ eletrônicas não são exclusividade brasileira, como alguns poderiam supor: em 2012, o maestro Alan Gilbert, regente titular da Filarmônica de Nova Iorque, já no último movimento da 9ª Sinfonia de Mahler, foi obrigado a parar a música e descer até o dono do toque de celular conhecido como ‘marimba’ ordenando-lhe que desligasse o aparelho (não era um concerto para marimba, e muito menos para celular, desnecessário dizer). Consta que foi a primeira vez que a Filarmônica parou, em seus 170 anos. Gilbert retornou ao palco, encerrou a sinfonia e recebeu os mais calorosos aplausos da plateia lotada do glamuroso Avery Fisher Hall, do Lincoln Center – ovação devida à beleza da performance, e aquecida pela atitude enérgica do regente.



Tenório Jr. (desaparecido em uma turnê na Argentina no auge da ditadura),
Tião Neto (contrabaixo) e Edison Machado (bateria): auge do Beco
Há uma grande diferença entre um show em um bar ou casa noturna e a música de palco. Isso, claro, sem nenhum demérito para os jazzistas ou músicos de MPB que precisam submeter-se aos couverts artísticos pelo pão de cada dia, o leite das crianças. Em um bar ou restaurante, as pessoas comem, bebem, conversam alto e gargalham. Foi em uma cena dessas que, há muitos anos, o lendário baterista Edison Machado levantou-se de sua banqueta e atirou seu par de baquetas em um casal que insistia em rir alto, perturbando a música. Ele não se conformava em servir de ‘fundo’ para o lazer ruidoso da alta burguesia da boate Flag, de Copacabana. Terminou persona non grata na cena carioca e mudou-se para Nova Iorque, tocando e gravando com mitos como Chet Baker e Ron Carter, não sem antes ter gravado o mais belo solo de bateria da discografia brasileira, preciso mas livre e absolutamente polirrítmico, na faixa “Leila (Venha ser Feliz)”, do LP Minas (1975), de Milton Nascimento.

(Para ouvir “Leila”, na gravação com Edison Machado, clique no link abaixo. Você vai ser convidado a se cadastrar ou simplesmente clicar no botão “Facebook”, para baixar o programa Spotify, um dos mais populares para execução de músicas, LPs e CDs inteiros, milhares de gravações - se for de seu interesse. Caso não , pule o link e prossiga na leitura)


O velho Beco das Garrafas, "lar" da bossa-nova
Após 14 anos nos EUA, Machado retornou ao Rio de Janeiro, onde faleceu precocemente, aos 56 anos. Considerado um dos pais da batida da bossa-nova, consolidada no famoso Beco da Garrafas, em Copacabana, Edison não se conformava em ser ‘fundo’ de qualquer coisa. (Respeito é respeito: assisti a shows como os de Bill Evans e Oscar Peterson, dois dos maiores pianistas da história do jazz, em um bar-auditório em Boston. Durante a música, garçons não atendiam, o público assistia e, se necessário fosse alguém dar um gole ou servir-se, o fazia com entre as músicas). No jazz, é um agrado ter a fineza de aplaudir após cada bom improviso instrumental, mesmo no meio da música. Na Ópera, é de bom tom fazê-lo após uma boa ária. Em uma sinfonia ou concerto para instrumento, apenas após o final da obra, nunca entre movimentos, pois o silêncio faz parte da forma da obra.



Tentando conversar gritando com a música a 100 dB. Linguagem de Libras?
No palco, música é ‘figura’, e não ‘fundo’, pois o silêncio da plateia é imprescindível para uma boa audição. A relação figura-fundo - muito antes de explorações da Gestalt (do alemão: forma), teoria já do século 20 – bem lá atrás, no período barroco (entre os séculos 16 e 18), era um dos elementos de contraste caros à pintura e à música, com ‘poucos tons de cinza’ - parodiando o título de um best-seller, categoria que não leio, por motivos 'de foro íntimo', que é desculpa de quem não quer se explicar). Mas o chiaroscuro e o figura-fundo seriam assuntos para um tratado ou compêndio à parte. Retomando o assunto principal, a música de concerto e a música popular de qualidade exigem silêncio, contribuição para a boa performance e fruição da plateia. Nesses gêneros, elas são 100% figura, e não fundo. (Detesto música de fundo de bares e restaurantes, pois neles o principal é a conversa, ela sim, protagonista. Exceção faço às salas de espera e consultórios, desde que de bom gosto e volume suave, apenas fazendo-se presente, quebrando o silêncio para relaxarmos).

Wilhelm Kempff (Coleção particular de
Constantino Varela Cid)
Há muitos anos, a histórica Sociedade de Cultura Artística de São Paulo publicou uma espécie de decálogo orientando sobre como se portar em concertos. Inspirado em artigo da revista O Cruzeiro, os ‘mandamentos’ estrearam em um programa do grande pianista Wilhelm Kempff em 1951, e recomendavam, entre outras divertidas pérolas (por mim resumidas livremente): (1) “Nunca hostilize o artista. Se não gostou, apenas não bata palmas”. (2) “Se gostar, aclame calorosamente”. (3) “Chegue antes, e se o seu sapato estiver ‘chiando’, perca o concerto e jogue o sapato fora”. (4) “Procure manter-se imóvel, especialmente se a cadeira estiver mal azeitada”. (5) “Não acompanhe a melodia com a cabeça ou cantando: parecerá que só a melodia lhe interessa”. (6) “Não acompanhe o ritmo da música tamborilando os dedos (...) parecerá que só o ritmo lhe interessa”.

Público indisciplinado "modelo"
(7) “Não faça comentários com seus vizinhos”. (8) “...não desembrulhe pacotinhos nem chupe balas ou pirulitos. Jante antes do concerto, pois música sem vitamina é sofrimento”. (9) “Nunca saia correndo após o final do concerto. Parecerá que a apresentação lhe fora um sacrifício”. E conclui com uma saborosa, provocativa anedota: (10) “...quando forem abertas as inscrições para o primeiro curso sobre ‘De como Estar Presente a um Concerto’ (N. do A: curso que nunca existiu), inscreva-se o quanto antes, pois essa história de saber assistir anda muito ‘vasqueira’ (N. do A.: rara) entre nós”.

 

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