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sábado, 27 de julho de 2019

THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO III


Panorama de uma Arquitetura Musical e Política (fim)

Após a Constituição de 1988, os admitidos (Leis 9160 e 9168/80) foram estabilizados na função, desde que tivessem ingressado no serviço público até cinco anos antes da promulgação (Art. 19 das Disposições Transitórias). O TM procurava outro meio de contratar novos músicos, enquanto o mundo se voltava para um triste acidente: naquele ano, a OSM foi notícia internacional (eu estava nos EUA e pude assistir na TV). Um palco improvisado na cidade paulista de Americana para festejar a reinauguração do teatro da cidade, aos primeiros compassos do Hino Nacional ruiu com o maestro Tullio Colacioppo, orquestra, cantores, montadores e instrumentos. O prefeito Jânio Quadros mandou publicar um de seus bilhetinhos: a partir daquela data a OSM só sairia da capital com autorização expressa do executivo.
Pavarotti (Deutsche Grammophon}
Ao saber que o ícone do canto lírico, o tenor Luciano Pavarotti, havia pedido a bagatela de US$ 300 mil para cantar – mais de US$ 636 mil atualizados, hoje coisa de R$ 2,4 mi -, mandou cancelar as tratativas: “por 300 mil canto eu”. Como o tenor devia ao fisco italiano US$ 3 milhões, não se sabe como ele pretendia receber o cachê, talvez algum meio escuso. (Apareceu em comercial para um carro de luxo, e exigiu que o pagamento fosse efetuado de maneira nada canônica, e que constasse nos créditos que o valor havia sido destinado a instituições beneficentes, para fugir do fisco italiano e da ex-esposa).
Tribunal de Contas (PC Concursos Uol)
Os novos dispositivos da CF de 1988 inviabilizaram o provimento de funções públicas da forma como vinha sendo realizado, já que as funções dos admitidos estáveis foram destinadas à extinção na vacância. Com isso, foi perenizada a contratação dos artistas via outro expediente, a ‘locação de natureza artística’, prestação de serviços em blocos de 90 ou 180 dias, sem férias, pagamentos sempre atrasados e sem direitos trabalhistas. Por ao menos duas vezes a prática, incomum aos procedimentos regulares, esteve na alça de mira do Tribunal de Contas do Município.
Simon Blech cumprimenta seu spalla na Argentina
Em 1931, uma crise já havia abalado a então Orquestra da Cidade de São Paulo. O governo de Montevidéu criou uma sinfônica pagando salários bem mais altos, o que motivou a evasão de muitos de nossos artistas para o país vizinho. Sadia competição também foi estabelecida com a chegada da OSUSP de Camargo Guarnieri e da nova Filarmônica de São Paulo, mantida pela iniciativa privada e criada por Artur Kauffman e José Ermírio de Morais Filho, à frente o maestro polonês Simon Blech. Em 1997, também provocou abalos na OSM a abertura de vagas para a OSESP, com John Neschling. Mas o cenário foi profícuo para a música de concerto nesses anos todos e salutar para o nível dos grupos, mas apesar do aumento de ofertas no mercado a Sinfônica Municipal já estava bem consolidada de há muito.
Em 31 de maio de 1988, antes da promulgação da ‘Constituição Cidadã’, Jânio havia sancionado a lei nº 10.544, que passou a reger as contratações de obras, serviços e afins. O inciso IV do Art. 4º tratou de incluir “no vácuo” as novas contratações temporárias da OSM, justo no último item da lista: “serviço: atividade destinada a obter determinada utilidade concreta de interesse para a administração, tais como demolição (...) conservação, reparação, manutenção, transporte ou trabalhos técnicos profissionais”. (Contratações dispensadas de licitação devido à sua natureza artística, respeitados o Art. 37 do inciso XXI da Constituição e, partir de 1994, a Lei 8.666 (ilustração), alcunhada pelos servidores “Lei do Cão”, em virtude dos três últimos algarismos,  remetendo a trechos da Bíblia Sagrada).
CERT,  da Reitoria (Jornal do Campus)
Por delimitação técnica deste artigo, conforme já dito no primeiro da série, resumi aqui simplificadamente um projeto de pesquisa que apresentei à USP em 1998, mas não há como ir adiante agora. Falta o acesso às fontes que tive à disposição em 1998, mesmo que tenha participado de inúmeras reuniões com vistas à elaboração do projeto para a Fundação Theatro Municipal – que eu preferia de direito privado, como a OSESP, com fiscalização do poder público mas autonomia contra as ingerências políticas de algum alcaide aventureiro. A administração, no entanto, decidiu-se pela norma do direito público.
TM (Veja SP, em matéria sobre o infeliz caso de corrupção)
A FTM foi criada pela Lei 15.380 em 27/05/2011. Aparentemente, optou-se por não contratar os artistas via cargos vinculados diretamente à instituição. Mas havia outro recurso, um contrato com uma Organização Social, o Instituto Brasileiro de Gestão Cultural (IBGC), que passou a exercer a direção das atividades burocráticas e artísticas e registrando os artistas via CLT. A organização gestora ficou conhecida mais pela ampla divulgação na Imprensa, em 2016, de notícias que circulavam entre as páginas de cultura e policiais, do que por sua gerência. Para evitar maiores traumas e não prejudicar o TM, em 2017 o executivo decidiu romper com o IBGC e celebrar novo contrato de gestão com a OS Odeon.
As artes no Brasil sempre oscilaram quando à brisa das virtudes e caprichos do Poder Público, conforme vim comentando desde primeiro artigo desta curta série - do histórico anterior à fundação do Theatro, anos 1890, aos dias de hoje. As interferências políticas sempre existiram e assim continuarão, seja em maior ou menor grau. Prova dessas vicissitudes brasileiras é que o projeto de pesquisa que encaminhei à USP tinha perfil histórico (recomendo sempre, entre outros, a História Social da Música, de Henry Raynor, e Introdução à Sociologia da Música, por T. Adorno). E por isso mesmo foi vetado por um daqueles acadêmicos que acumulavam cargos e posições-chave na Universidade (tinha lá suas posições e interesses). Chegou a mim que a proposta seria vetada pelo parecerista, como o foi, e que ele também tinha assento em comissão da Reitoria. Se eu recorresse ele pediria vistas, para ao final negá-lo monocraticamente. A OSM e o Municipal seguem firmes seu caminho, e com novas luzes que surgem agora, eu livro minha consciência do peso de levar comigo este breve registro sobre um pedaço da música de concerto no Brasil.

[Para ler a primeira parte: http://blogdohenriqueautran.blogspot.com/2019/07/theatro-municipal-de-sao-paulo-i.html ]


[Para ler a segunda parte: http://blogdohenriqueautran.blogspot.com/2019/07/theatro-municipal-de-sao-paulo-ii.html ]

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