![]() |
Bach no leito de morte: compondo |
Johann Sebastian Bach (1685-1750) deixou uma obra inestimável
para a música ocidental. Nos últimos dez anos de vida, entregou-se a ela com
grande devoção (estudou, dois séculos depois, na mesma escola de Lutero em
Eisenach). Naquela década, talvez antecipando sua hora, Bach dedicou ao Senhor várias
obras, a exemplo de corais, cujo tema rondava a falência do corpo: a morte.
Nesse período, compôs A Arte da Fuga (Die Kunst der Fugue),
sem indicar instrumentação, uma generosidade para com os intérpretes: piano,
órgão, orquestra ou quarteto de cordas, quem sabe.
![]() |
Silhueta de Stokowski e Mickey Mouse, em Fantasia |
Bach empregou o binômio Prelúdio e Fuga, a exemplo do Cravo Bem Temperado,
e outras combinações, como a Tocatta e Fuga (BWV 565) para órgão, em ré menor,
transcrita para orquestra por Leopold Stokowski (conhecida do público leigo pelo
magnífico filme de animação de Walt Disney, Fantasia, de 1940).
![]() |
Seções de uma fuga |
A fuga é uma técnica que vem da Idade Média. Diversas vozes trabalham
em imitação ou replicação, dando impressão de que elas ‘fogem’ entre si. Em A
Arte da Fuga, Bach compôs 14 delas – na última, parou no compasso 239, para
depois morrer. O filho caçula Johann Christian Bach marcou e anotou as quatro
notas que o pai usaria na fuga (ver ilustração abaixo), antes de expirar: Si bemol, Lá,
Dó e Si, em alemão representadas por B-A-C-H!
Há ainda quatro cânones em que as vozes se repetem, cada uma tendo
início em compasso diferente - quem nunca brincou de cantar “Frère Jacques” na
infância? No citado compasso 239 (ver ilustração),
![]() |
Alcatraz |
Agora salto para outras nada canônicas artes da fuga, como as da
prisão de segurança máxima de Alcatraz, ilha da baía de San Francisco (EUA),
palco de 14 tentativas, a mais espetacular em 1946.
![]() |
NY Times e "A Batalha de Alcatraz" |
Na chamada ‘Batalha de Alcatraz’, seis internos, em violenta
tentativa de fuga, dominaram carcereiros, invadiram e assaltaram o depósito de
armas e roubaram chaves de celas. A marinha americana abortou a fuga, com saldo
de dezenas de feridos e seis mortos. Dois dos líderes foram condenados à câmara
de gás e outro, de 19 anos, à prisão perpétua, pela pouca idade.
Outra tentativa, elaboradíssima, foi a ‘Fuga de Alcatraz’: até cabeças
imitando as dos rebelados foram moldadas em “papier marché”. Entre mortos na
água gelada do mar e desaparecidos, o FBI encerrou o caso inconclusivamente.
![]() |
Livro de Manoel Leães |
No Brasil, após o golpe que o depôs em 1964, João Goulart foi
enviado por Leonel Brizola para o Uruguai, onde tinha propriedades; tentou
articular um contragolpe com militares, mas falhou, evadindo-se um mês depois para
o Uruguai. Nessa fuga, diz o folclore político, estava usando peruca e vestindo
roupas de mulher. Contudo, o piloto que o levou para o exílio, Manoel Leães, detalhou
a fuga em livro, com requintes de filmes de espionagem: Neusa, esposa de
Brizola, lhe dera metade de uma cédula de dinheiro, e a pessoa que o encontrasse
com a outra parte seria o elemento-chave para a fuga.
![]() |
Brizola em entrevista |
Indagado por uma repórter durante a campanha presidencial de
1994, o ‘engenheiro’ respondeu indelicadamente que teria escapado como mulher, sim,
usando as calcinhas da entrevistadora.
![]() |
Abraham Weintraub (Wikipedia) |
Abraham Weintraub, ministro deste governo por pouco mais de um
ano (abril de 2019 a junho de 2020), é daquelas figuras polêmicas que ressurgem
aqui e ali na política brasileira. Na pasta da Educação deixou a desejar: Grafa ‘suspenção’, ‘imprecionante’ e
‘paralização’; trocou ‘asseclas’ (do PT) por ‘acepipes’ – talvez um tira-gosto para
suas farpas. E não distingue ‘onde’ de ‘aonde’.
![]() |
A troça absurda com os chineses |
Não tem papas na língua para atacar, como fez com o presidente
da França Emmanuel Macron, nem com o povo chinês, nosso maior parceiro
comercial. Ironizou o sotaque de sino-brasileiros com o do Cebolinha, da Turma
da Mônica, que troca as letras ‘r’ por ‘l’. De seus ataques não escaparam os nossos
indígenas – logo ele, judeu, descendente de um povo perseguido, dado a arroubos
xenofóbicos contra nativos brasileiros e parceiros orientais!
![]() |
Fala de Weintraub na reunião de 22 de março |
Mas foi em uma reunião ministerial, em 22 de maio, exibindo
grande verve, que Weintraub cometeu suas derradeiras diatribes. Apontando para
o lado oposto da Praça dos Três Poderes (a Suprema Corte), disse “eu, por mim, botava
esses vagabundos todos na cadeia, começando pelo STF” (G1). O vídeo ficou em
posse do decano do Supremo, Celso de Mello, e foi tornado público com alguns
cortes de trechos constrangedores a nações amigas.
![]() |
Foto "de Miami" |
Encurralado por tantos lados e vendo-se em trapalhadas legais,
Weintraub anunciou que sairia imediatamente do país, manobra de invulgar habilidade:
no dia 20 de junho já chegava em Miami. E como burlou os critérios extremamente
rígidos dos EUA para ingresso de brasileiros no país? (Até dos viajantes de países
‘liberados’ exigem isolamento sanitário por duas semanas!) Simples: usou sua
condição de ministro com passaporte diplomático - isento, portanto, de todos os
embargos da Imigração. Desceu em Miami livre, leve e solto.
O truque foi ter sua exoneração do cargo retificada após a
chegada em Miami. A data do decreto original vigorou até sua entrada nos EUA, mas
por pouco tempo: no dia 23, em edição extra (nº 118, seç. II, pág. 1), novo decreto
presidencial retificou o ato, fazendo retroagir a exoneração para “a partir de
19 de junho de 2020”.
![]() |
A sede do Banco Mundial |
Divulgou-se que Weintraub assumiria uma cadeira na diretoria
executiva do Banco Mundial - cargo para cuja investidura não se é nomeado, mas eleito,
confirmando indicação do país, e só dali
a três meses. Para Lucas Furtado, subprocurador do TCU, a alteração na data
“confirma fraude” (Estadão, 23/06). Desde logo houve reações, de intelectuais
brasileiros e nações estrangeiras à Associação de Funcionários do Banco Mundial.
Sim, já houve escapadas mirabolantes na história. Mas nenhuma fuga
logrou o final perfeito. Nem as do devoto Bach.
***
Livro: Memórias de Isolamento - Saudoso Amigos e Outras Crônicas: memoriasdeisolamento@gmail.com
Canal do Youtube - A Vida de Eleazar de Carvalho: https://www.youtube.com/watch?v=LpQs_7vwewY&t=5s
Canal do Youtube - A Vida de Eleazar de Carvalho: https://www.youtube.com/watch?v=LpQs_7vwewY&t=5s
Para procurar em todos os programas, copie e cole: https://www.youtube.com/autrandourado
Nenhum comentário:
Postar um comentário