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O Juízo Final, segundo Michelangelo |
O nome
Messias vem de Messiah, do hebraico romanizado Mashiash; para os judeus,
refere-se ao Salvador, que virá redimi-los. Entre os cristãos é Jesus Cristo,
que morreu para nos salvar, e na parusia conduzir o Juízo Final, “de onde haverá
de julgar os vivos e os mortos”. ‘Messias’, no caso deste artigo, é a conjunção
do belo e do perfeito, acima do bem e do mal.
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Stradivarius |
No
auge de sua carreira, em 1716, Antonio Stradivari, ou Antonius Stradivarius, de
Cremona (latinizado à moda dos luthiers da época), construiu um violino tão próximo
da perfeição quanto humanamente possível. Apaixonado por sua obra-prima, com ele
permaneceu durante 21 anos, até morrer. Seu filho Paolo vendeu-o ao conde Cozio
di Salabue, conoisseur e colecionador de reputação pouco ilibada, que batizou
o instrumento com o nome da cidade de seu título nobiliárquico, Salabue. O
preço, corrigido monetariamente, teria sido hoje de meros R$ 62.250.
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Jean-Baptiste Vuillaume |
Mais
de um século após a morte de Stradivarius, Luigi Tarisio, outro voraz colecionador
italiano, adquiriu o instrumento e, começando a tradição – ou sina -, ficou com
ele também até morrer, em 1854. Outro colecionador e especulador, o grande
luthier francês Jean-Baptiste Vuillaume, adquiriu não apenas a obra-prima, mas
toda a coleção de Tarisio, o dono da preciosidade. Jean-Delphin Alard, grande violinista
e genro do então finado Vuillaume, adquiriu o violino da família pelo
equivalente hoje a R$ 1.811.000, uma pechincha. Atualmente, um leilão do instrumento
reverteria em tumulto, e com uma grande interrogação: o violino, em princípio,
não tem preço.
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Conde Cozio di Salabue |
Foi em
uma conversa entre Tarisio, Vuillaume e Alard sobre a perfeição daquele instrumento,
que o último cunhou uma frase decisiva: “certamente, senhor Tarisio, este violino
é como o Messias dos judeus, que por ele sempre esperaram, mas nunca chegava”. Bastou
para o instrumento ser rebatizado com o nome pelo qual o conhecemos hoje.
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A antiga loja e luteria Hill & Sons |
A
família do especialista Hill, luthier e poderoso colecionador de Londres, adquiriu-o
para o Ashmolean Museum de Oxford, onde até hoje é mantido em perfeito estado
de novo, e serve de paradigma para todos os luthiers do mundo. Raros tocam ou tocaram
o violino, destacando-se o virtuose Joseph Joachim, que declarou por escrito nunca
haver tocado em um instrumento de som e volume a um só tempo tão suave e
poderoso, opinião dividida com Nathan Milstein, fabuloso solista.
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O Parnassus, por Rafael |
O
‘Messias’ ficou, assim, a um passo da perfeição, o Gradus ad Parnassum. Parnaso
é uma deslumbrante montanha perto de Delfos, na Grécia. Na mitologia, lá morava
Apolo, deus da perfeição, da harmonia e da beleza, ladeado pelas musas inspiradoras
das artes; também habitava Dionísio, deus das festas, do vinho e do prazer.
Nada mais apropriado.
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O Papa Julio II, por Rafael |
Inspirado
em capítulos do Êxodo segundo a Vulgata, tradução latina da bíblia da época, o
florentino Michelangelo Buonarroti, gênio da Alta Renascença, começou a
construir em 1505, por encomenda do papa Júlio II, uma estátua de Moisés em
puro mármore para ser colocada na igreja de San Pietro in Vincoli, em Roma. Ornamentação
de pompa, circunstância e vaidade para a própria sepultura papal, foi concluída
apenas 32 anos após sua morte, em 1545, tempo de trabalho que o escultor levou
para a finalizá-la. Júlio II era conhecido como “o papa guerreiro”, dado o seu histórico
exército de muitos embates militares.
Michelangelo
interpretou a seu jeito, como os italianos de seu tempo, trechos do Êxodo na
Vulgata: Moisés com as tábuas da lei e dois chifres na cabeça, atribuídos a uma
tradução equivocada da palavra keren que se referiria a dois raios
fulgurantes, a sabedoria que lhe teria sido dada por Deus para sua missão de
legislador divino. Uma obra tão perfeita que, segundo se conta, teria feito um Michelangelo
raivoso exclamar, depois de atirar sua marreta de trabalho sobre o joelho da
estátua: perchè non parli? Por que não falas? (puro folclore popular, segundo
especialistas como Antonietta Bandellonni, em Michelangelo Buonarroti è
tornato).
Em seu
ensaio “O Moisés de Michelangelo”, Freud, admirador do artista, interpreta a
obra com detalhes que descrevem o
espírito da escultura com a perspicácia do grande psicanalista e observador
apaixonado: “Moisés está sentado, o corpo voltado para a frente, a cabeça com
sua volumosa barba para a esquerda, o pé direito apoiado sobre o chão e o esquerdo
elevado para que apenas os dedos do pé toquem a base. Seu braço direito apoia
as Tábuas da Lei com algo na palma da mão que se parece com um pequeno livro,
junto a uma mecha de sua longa barba. O braço esquerdo descansa sobre seu colo”.
A obra é tão perfeita, no rosto, nas mãos, nas vestes, na expressão, na
simbologia peculiar a Michelangelo – como o as diferenças entre as mãos, as
veias da direita saltadas, contrastando com a esquerda, da sabedoria e
expressão, em suave repouso. Segundo Freud observou, Moisés teria acabado de
descer do Monte Sinai, onde fora expulsar adoradores do Bezerro de Ouro (Êxodo,
32), razão da mão direita sofrida por carregar as Tábuas de pedra.
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O Gradus de Debussy |
A
escolha dessas duas altas figuras bíblicas, Messias e Moisés, como paradigma de
obras de arte próximas à perfeição, não foi por acaso, vai além da ligação religiosa
dos títulos. Ambas representam a busca pelo perfeito artístico, ideia que dá
título a várias peças e estudos de virtuosismo musical, representando os
degraus da escalada para a perfeição (Gradus ad Parnassum) - que nunca
será atingida.
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