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sábado, 27 de maio de 2023

SAMUEL KERR, "SULL' ALI DORATE"

 


Se me perguntassem um dia o que eu mais gostaria de ver em um regente coral, a resposta seria curta e simples de ser entendida: Samuel Kerr. Mas se esmiuçasse, como se estivesse em um coro: clareza, confiança, empatia, o gestual claro, o respirar junto; a experiência, que é fundamental, pois espera-se um chão firme onde se depositar segurança; energia, aquela que se transmite ao bem-reger, fazer a música acompanhá-lo para poder acompanhá-la. Como pessoa, a simpatia, o sorriso sempre que possível, aquela liderança que trafega em rua de duas mãos, pois que é um fluxo de ida e volta (tentar ser um líder no pódio sem que seus liderados retribuam é um tiro no pé). Enfim, aquela presença viva, o carisma daquele que sabe galvanizar as atenções e, sem ser arrogante, com energia envolver um ambiente, seja uma pequena sala ou um auditório de grande porte. Carga pesada, tudo isso! Esta é a primeira questão: o regente está preparado para tanto? Caso negativo, a música não deslancha, ela apenas passa na nossa frente.

Samuel, ao centro, Naomi (d) e eu (e) 

Cruzava com Samuel Kerr no Teatro Municipal de São Paulo e na Escola Municipal de Música. Se não me engano, uma ou outra vez na orquestra, dividindo o palco com a Osesp do Eleazar de Carvalho (eram duas figuras diferentes, um de coro e outro de orquestra, temperamentos diversos trazendo a seu modo quase todas aquelas qualidades que listei no princípio). Samuel foi diretor da Escola Municipal de Música do Teatro Municipal nos anos 70, cargo que eu mesmo vim a ocupar vinte anos depois, já de volta ao Brasil e estabelecido em São Paulo. As mãos do Samuel lá estavam, no carinho com que ele tocou a EMM nos seus tempos de direção. Um ciclo que, após minha saída, veio a ser ocupado durante algum tempo por outra grande regente coral, a quem eu chamo até hoje ‘Magic Naomi’, que nos deixou no começo da pandemia, em 2020 – não coincidentemente, pessoa ligada a mim, e de forma mais estreita ao próprio Samuel. Certo dia, reencontramo-nos em Tatuí. Foi há poucos anos, fechando o círculo de cumplicidade e de sonhos comuns para a EMM e para a música.


Lembro-me de que foi no dia de meu aniversário, em maio de 2000, que Samuel tornou-se mestre pela UNESP – exigência da carreira, e não sua, frisava -, paralelamente ao cargo de professor daquela prestigiosa universidade, sua tese vindo a público com um trabalho de grande importância: “História da Atividade Musical na Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo – Uma Fisionomia Possível”, abordagem detalhista de longa data da tradição musical presbiteriana em São Paulo. Passando os olhos pela tese, achei-a de tamanha relevância para a música da Capital e a tradição presbiteriana que comentei, que deveria publicar o texto em forma de livro. Samuel ponderou e pediu-me sugestões, sendo que a primeira que me veio à cabeça foi minha editora de então, a Edicon, que ele fosse lá e conversasse com a responsável, ela estaria avisada. Fechou-se o acordo e, não tardou muito, logo estávamos com os exemplares nas mãos.

O jovem Samuel ao órgão

Um trecho do Boletim nº 1479 da Igreja Presbiteriana, de 13/11/1955, dedicava-se a um talentoso jovem músico: “Foi solenemente empossado o novo organista da Igreja, Samuel Kerr. Durante o culto recebeu a solene investidura de organista emérito o Prof. William Sunderland Cook, a quem foi entregue o respectivo diploma”.  Samuel, que começara a estudar música um pouco tarde, aos treze, ao assumir o posto tinha então vinte anos, muita garra e especial vocação. Naquela Igreja, Samuel plantou as sementes de um estudo cada vez mais dedicado e profundo, lapidando-se e crescendo não apenas como organista, mas também como maestro de coro e professor amado por todos os que com ele quisessem aprender. Levava assim adiante uma tradição musical do passado, de grandes compositores e regentes de coro, organistas e cantores que se entregavam com dedicação especial à arte de louvar a Deus. A Igreja Presbiteriana Unida, no Brasil, existe há mais de 120 anos, e contando-se os primeiros esforços já conta com um total de 158 anos, desde os primórdios, na atual Rua Líbero Badaró, e chegando à fusão como Igreja Presbiteriana Unida, no bairro de Santa Cecília, em 1900. Além de congregar seus fiéis, a IPU ajudou a produzir um sem-número de músicos para o país, e lá amadureceu nosso querido maestro.

Mário de Andrade

O nome de Samuel Kerr é indissociável do Coral Paulistano, fundado em 1936 por Mário de Andrade e voltado principalmente ao repertório coral brasileiro. Assistir ao maestro conduzindo o Paulistano era abrir o coração para a nossa música, apresentações da mais alta qualidade não apenas no sentido universal, mas, também, à preservação do que temos de melhor - do folclore, do molejo e do gingado, passando pelas nossas composições mais elaboradas e chegando à música contemporânea.


Na quarta-feira, 17 de maio de 2023, baixava as mãos al niente, ao silêncio, pela última vez, o maestro frente ao seu imenso coro, que conduziria com espírito jovem e invulgar energia. Tinha então 88 anos completados doze dias antes; aniversariava um dia depois de mim, razão de eu guardar a data. Sua partida rumo à grande pausa, não sei se repentina, foi notícia que me pegou despreparado, de supetão. Um susto. (Lembrei-me da foto dele que guardo, nós juntos à amiga regente do Coro da Osesp Naomi, em uma visita que fizeram a Tatuí). É chegada a hora de entoar para Samuel o famoso coro da ópera Nabucco, de Verdi: Va pensiero, sull’ ali dorate (“Vai pensamento, sobre asas douradas”).

sábado, 20 de maio de 2023

CAVALOS SELVAGENS E O CURURU

 


um dito inglês bastante popular: “Cavalos selvagens não poderiam me arrastar daqui” (Wild horses couldn’t drag me away), com o sentido de que nada, força alguma tiraria de onde está a pessoa que fala. Quem já viu, no prado ou no cinema, cavalos selvagens em disparada ou empinando sobre as patas traseiras aquela massa de músculos, animais lindos de se ver, sabe do que falo. A expressão deu o mote para que os Rolling Stones compusessem uma bela (embora tristíssima) música sobre o tema, Wild horses, sobre as dores de um amor e cavalos selvagens. A frase pode ser entendida como “nada me arrasta daqui”, e em sentido estrito, “tenho os pés fincados neste local”. Nesse aspecto, “aqui é o meu lugar”, referindo-se a um rincão, região ou estado. No Brasil, o apelo seria o mesmo do americano: a terra em que se nasceu, que se adotou, aquela onde se viveu, cresceu, enfim, conheceu os costumes e, deste modo, sorveu a cultura local e sua  culinária, jeito de se vestir, o sotaque, o dialeto. Em todos os lugares, fala-se de um apego muito especial: os rios da terra no sangue das veias e os pés no barro do chão.

Portinari

Curiosamente
, mesmo havendo um apelo geográfico, pode acontecer de o sujeito ser levado por “cavalos selvagens” a outro lugar, longe da região onde nasceu. Bons exemplos são Villa-Lobos e seu “Trenzinho do Caipira” cultura distante de seu Rio de Janeiro natal; o norte-americano Aaron Copland com seu “Apalachian Springs” e Antonín Dvorák, nascido na Boêmia do Império Austríaco, hoje República Tcheca, mantendo o vigor de suas raízes no coração, onde quer que trabalhasse, a exemplo das “Danças Eslavas”. Assim como muitos outros compositores, seja lá onde estivessem também estaria a cultura de suas origens, base de sua formação. Em nossa música popular, Gilberto Gil canta a Bahia por atavismo em todos os cantos, enquanto Belchior e Fagner carregam seu Ceará pelos lugares que adotaram. O mesmo aconteceu com bluesmen e cantores folk americanos, e Bob Dylan seria um ótimo exemplo. Ainda pensando nas artes, temos o paulista Candido Portinari, que pintava sofridos retirantes nordestinos, sem esquecer a também paulista Tarsila do Amaral, cujas pinceladas modernistas foram do interior à metrópole das chaminés de fábricas e seus operários, espremidos entre muros.


Parece
que quanto mais se vive, mais a gente se espalha, e o último lugar onde se vive, que é onde se está, é a outra ponta do torrão natal. Vemos ‘cavalos selvagens’ até que a vida nos cerque e nos conduza para outro lugar, enquanto nossos corações deixam um pedacinho ali, outro acolá, e levam consigo um pouco dos caminhos que trilhamos. Difícil esconder de nós mesmos o tanto que acumulamos na estrada, melhor é rasgar a cortina e mergulhar na riqueza desses lugares. Os velhos Mutantes da Pompeia paulistana cantavam com tanta graça, com a brilhante e saudosa Rita Lee à frente, um futuro intergaláctico (“Dois Mil e Um”): “Astronauta libertado / minha vida me ultrapassa / em qualquer rota que eu faça” - com voz de matuto forçada (ave Rita, salve artista cosmopolita).

A turma do Cornélio Pires

, sim, os que nem cavalos selvagens arrastariam de seus lugares a troco de nada, parecem fincados na origem e destino, são parte de seu chão, e cantam, contam, pintam sua história. Os artistas de raiz, distantes dos spotlights dos estúdios de TV são estranhos à superficialidade das telas coloridas, precisam sentir com o tato o barro, a terra e o cheiro de suas nascenças, suas andanças, suas vivenças.   

Camargo Guarnieri

Conheci
bem o cururu, que é a cantoria do Médio Tietê, desafio paulista com rima de santo e viola ponteando o improviso. Foi nas plagas do cururu que compreendi uma nova universalidade. Aprendi, às vezes surpreso com as rimas de “repente”: somos astronautas caipiras tal qual cantou Rita Lee, na velocidade da luz. Li muito Mário de Andrade, que, embora cidadão urbano por excelência, ensinava seus alunos, como o tieteense Camargo Guarnieri, que é nas raízes que se encontra o alimento da criação. Assim como a turma de Cornélio Pires, jornalista também de Tietê, que trouxe a linguagem caipira mais raiz à exposição como verdadeiro gênero musical. (Curioso, não se sabe se Cornélio (1884) e Guarnieri (1907) sequer se conheceram, há um lapso de tempo e de idade desde a ida do primeiro para São Paulo, em 1914. Salvo uma convivência que não houve, ambos beberam da mesma fonte, pisaram o mesmo barreiro).


Meia
volta ao cururu: quem me estimulou no assunto foi o grande e saudoso Osvaldo Lacerda, que chegou a me mandar cartões sobre os ensinamentos do Mário de Andrade: o uso dos elementos de raiz na música de concerto – prática levada à risca pelo mestre Guarnieri. Agora veja, esse tríptico de raiz-concerto, Andrade-Guarnieri-Lacerda, que foi o grande laço nacionalista da música do século passado, respirou a brisa do Médio Tietê, e também Villa-Lobos viu a fumaça do trem em sua excursão musical pela Estrada de Ferro Sorocabana.

Josué e Zé Pinto

É
aqui que eu amarro meus cavalos, neste ponto do texto e da vida. E se assim o faço é porque me afeiçoei pela gente da região e me apaixonei por sua música, que tem jesuítas, indígenas, tropeiros, catequistas. Conheci gente como o canturião José Pinto, poeta inspirado e de mão cheia, o Josué, jeito bonachão tocando aquela viola que chamo ‘de arrimo’. É a eles que dedico este texto, em nome de todos os cururueiros. Sejam mais fortes que cavalos selvagens, e que rimas e carreiras continuem a florescer no chão por onde passem e cantem.

 

sábado, 13 de maio de 2023

DE REPENTE,

 


...tudo na vida pareceu um quadro impressionista: paleta de muitas cores, paisagens, a beleza natural dos traços cheios de detalhes, um conjunto encimado por um céu azul como nada. Tudo isso junto, parecia que a natureza emoldurava aquele paraíso, as águas límpidas refletindo em nossos olhos, nosso pensar. (Mas por que essa poesia? Por que tão de repente? Quem viu esse quadro, esse óleo? Não seria simples ilusão, uma conspiração de sonhos, pensamentos etéreos e de boas ideias?)


N
a sexta-feira, cinco de maio, o etíope Tedros Adhanom, presidente da Organização Mundial de Saúde (ONU), com sede na Suíça, veio a público para declarar – ou decretar? - o fim do ciclo de emergência da pandemia. Desastre. Muitos tradutores apressados, ao redor do mundo, reproduziram a fala como, ao som de trompetes, a saudação ao fim da pandemia de Covid-19, como foi inicialmente compreendido pelos ouvintes mais afoitos, desavisados e repetidores de esquina. Soava-lhes como um salvo-conduto para a volta àquela vida boa de praia, aglomerações, abraços efusivos e sacudidos, beijos de simpatia ou amor, um novo paraíso construído com tijolos de fantasia e argamassa de pura ilusão, lembrando os bons tempos. As normas da própria OMS definem quando se declara o fim de uma pandemia, coisa não tão simples quanto pareceu ao grande público. A AIDS, por exemplo, ainda é uma pandemia viva, e, mesmo que em pequena escala e sob controle, ainda cabe como uma luva dentro da definição: “doença infectocontagiosa (...) caracterizada por alta morbidade e mortalidade (...) em curto espaço de tempo, por várias regiões do mundo” (Houaiss. Etim: do grego pan, todo, e demia, doença que atinge uma população). Para se ter uma ideia, o último diagnóstico da varíola (doença original, nada a ver com a recente ‘dos macacos’) aconteceu, solitário, apenas em 1977, o que levou a OMS a declarar a doença, em seu estado original, como extinta, após longos anos. Ademais, tal ‘ciclo de emergência da pandemia’ não poderia, jamais, ser lido como fim da pandemia em si, nem ao pé da letra.


T
ambém o diretor-executivo da OMS, Michael Ryan, tentou emendar o soneto, dizendo que a emergência pandêmica acabou, “mas a ameaça não. A batalha não acabou, e provavelmente não haverá um ponto em que a OMS anunciará o fim da pandemia”. O próprio Tedros disse que “foram quase sete milhões de mortes reportadas à OMS, mas sabemos que o número é muito maior, ao menos 20 milhões”. E, arrependendo-se (UOL, 5/05/23): "A pior coisa que qualquer país pode fazer agora é usar esta notícia (...) para baixar a guarda, desmantelar os sistemas que construiu ou enviar a mensagem de que a covid-19 não é mais motivo de preocupação".

Varella: El País 

N
a mesma noite da declaração de Tedros, a GN, em longa série plena de depoimentos, deixou claro que, em hora nenhuma, a pandemia teria acabado, batendo o pé com firmeza, pois ela continua viva como nunca, apenas com menor número de internações, intercorrências e mortes. No programa falou-se até em negacionismo, e o Dr. Dráuzio Varella, juntando tudo, chegou a mencionar a palavra estupidez: sobrancelhas franzidas, expressão dura, estava mais irritado com tudo aquilo do que raramente se vira antes. Varella sempre lutou pela vacina e por salvar vidas, como um todo; renomado cientista que é, nunca deixaria passar uma expressão que sequer insinuasse este mal entendido. É da vida dele, o talento especial que exibe ao falar, ao se fazer compreender. Mas para quem ouve notícias picadinhas, por alto, deve-se evitar esse tipo de sutileza, que pode sobrepassá-lo sem aviso como um trator.


E
stamos em pleno deslanche inicial da subvariante arcturus, da omicron, e vis-à-vis às portas da nova fase da campanha: a da vacina bivalente, que já lota as geladeiras das unidades de saúde do país. É difícil este começo, especialmente dada a “indolência natural do povo brasileiro”, como dizia Mário de Andrade. Faltou nesses anos cooperação de setores dos mais altos escalões; pior ainda, o recente escândalo das carteiras de vacinação, surrealistamente para não serem vacinados devido a interesses escusos ou supostas posições ideológicas exatamente aqueles que tinham poder sobre o quê, quando e onde inocular a população. Um péssimo exemplo. O modelo bivalente ora nos postos de saúde tem dois alvos, como o próprio nome diz: tanto as cepas mais antigas quanto as mais recentes. A última delas, Arcturus, surgida na Índia, país mais populoso do mundo (1,5 bi de habitantes), já toma corpo na Europa e ‘estreou’ no Brasil recentemente. Se por um lado ela mata em escala bem mais reduzida, alastra-se com maior facilidade e joga aos leitos e emergências número significativamente menor de pacientes. Mas o bicho ainda vive, Vivinho da Silva, diriam antigamente. 


F
oi tudo doce ilusão, ou tudo não passou de um mal-entendido? Talvez entre a pronúncia do Dr. Tedros Adhanom, da OMS, a redação do discurso, certo enfado e a quase sempre plana e rasa intepretação ao falar? Perdeu-se o sentido da coisa e criou-se um novo vírus, este virtual e multicelular, pioneiro em fazer confusões, campeão na arte de desinformar, material fértil para fake news de todos os gêneros. As equipes desses cirurgiões das palavras têm atuado rápido nesse tortuoso e bem sustentado caminho do equívoco; reinventam o que, pelo simples prazer ou dever de mal informar, já vinham fazendo: “Fez-se do amigo próximo o distante / fez-se da vida uma aventura errante / De repente, não mais que de repente” (Vinicius de Moraes).

 

sexta-feira, 5 de maio de 2023

COMMIRNATY BIVALENTE, RNAm E COVID

 

Foto: Prefeitura de Tatuí

S
egunda-feira, 24 de abril de 2023. Pensando em uma conversa tida com um amigo no sábado, não demorei cinco minutos para decidir: Centro Municipal de Especialidades Médicas, o CEMEM, perto do centro de Tatuí, SP. A rua é movimentada, mas achei vaga no estacionamento da calçada da clínica, desci, andei um pouco, galguei o ambiente, limpo, amplo, organizado. Ali, sentei-me um pouco e puxei assunto com uma senhora de branco, gentil enfermeira, que após conferir meus dados aplicou-me no braço esquerdo uma dose da Pfizer – Commirnaty Bivalente RNAm, a chamada sexta dose de vacina contra a Covid-19. Ela é uma sequência das anteriores anti-Covid acrescida (daí o ‘bivalente’) do Ômicron B.1.1.526. Já RNA é a sigla em inglês de ácido ribonucleico, que com o ‘m’, ‘mensageiro’, forma batalhões de microscópicos cavalos de Troia que atuarão dentro do corpo para contra-atacar o vírus.


A
proveitei para, no braço direito, ter aplicada uma dose contra gripe, a Influenza Trivalente, já que esses bichinhos vão mudando ano a ano e temos de nos atualizar. Atendimento e eficiência: saí de casa e em menos de uma hora eu estava de volta almoçando. Antes que eu me esqueça, minhas experiências com vacinas aqui em Tatuí têm sido cada vez melhores. Mas é hora de colocar na pauta alguns problemas de consciência: se eu não me vacinasse, abriria guarda para que os vírus que hospedasse fizessem vítimas terceiros que não escolheram adoecer, o que é muito grave. Uma boa notícia: apesar de esta última vacina ter sido destinada a categorias etárias ou comorbidades específicas, no mesmo dia 24 o governo liberou a bivalente para todos acima de 18 anos, desde que já tenham tomado ao menos duas de Coronavac, Astrazeneca ou Pfizer até há mais de quatro meses (G1, 24/04/23). Li que era grande a preocupação do governo com a baixa procura – cerca de 18% - pela faixa etária e comorbidade iniciais, daí a liberação para os dezoito anos.


P
arece que o apelo já não era tão grande quando do pavor inicial provocado pela doença. Penso que vários fatores contribuíram para esse, digamos, descaso na campanha da vacina anti-Covid: um pouco de cansaço nessa já longa jornada, a desatenção para certos cuidados – máscaras e álcool em gel, além dos efeitos profiláticos, tinham um componente psicológico: ambientavam a tomada de certas precauções. Esse descaso é bem grande, estimulado no viés político por autoridades do nosso país, banalizando as dimensões da virulência da praga covidiana: com certeza, mesmo que um pouco mais rarefeita, o fato é que a incidência do vírus diminui, mas continua infectando. E matando.

Vibração de diapasões por simpatia

R
esolvi escrever este artigo por motivos que fincam raízes no cenário que acabo de descrever logo acima. O gatilho, para mim, veio com a decisão solidária que me deu na tradicional selfie com a carteirinha de vacinas na mão, tirada ainda na rua, e convenientemente postada em uma rede social. Muitos fazem isso, e eu não me furtei: estimula a procura pela inoculação e a solidariedade. Outro motivo: respondendo à questão de um amigo idoso na rede social sobre se “tem” de tomar esta sexta dose, expliquei o que sabia e ele se disse convencido a ser inoculado. Mais um protegido, que seja. Por fim, lembrei-me de que, apesar de meu ralo conhecimento superficial de infectologia e afins, era meu dever de cidadão fazê-lo (no sábado, durante aquele bate-papo com o amigo vizinho, fui convencido a segui-lo sem que ele tivesse de mover um dedo: brotou em mim (em música, diríamos que foi vibração por ‘simpatia’). Reproduzi o gesto, foi solidariedade, mesmo, feliz assim como eu fiquei ao ouvir a ideia do senhor idoso que se manifestou pela decisão da vacina. Afinal, a humanidade não é uma corrente?


H
oje todos já sabemos muito mais do que sabíamos sobre o vírus Covid e suas variantes e cepas, às vezes elegantes e eruditas com o alfabeto grego a reboque. Há três anos tudo era temor contra esses vírus franco-atiradores invisíveis. Medo, muito medo. À medida que novas cepas foram surgindo e a vacinação no mundo mostrava certo progresso, vimos que é no coletivo que ela funciona: já sabemos que não vai desaparecer, veio para ficar, mas a inoculação em massa diminuiu os efeitos que levaram muita gente à internação ou à morte. E agora, estamos protegidos? Em tese, parece que será uma luta constante: manter o nível de infecção muito baixo, quase nulo, cujos efeitos seriam pouco significativos em grande escala. Porém, para tanto é preciso que a campanha não arrefeça e continue o esclarecimento público, assim como que as pessoas atendam aos apelos quando convocadas em suas vezes. Foi assim com a pólio e outras doenças. Ao contrário, o negacionismo vai muito além de “pinga mata isso”, “já tive, estou imunizado” e balelas assim: negar o potencial do vírus é abrir flancos para mais formas de ataque.

Os flagelos das vacinas em 1904

J
á houve uma “Revolta das Vacinas” contra a campanha do Dr. Oswaldo Cruz, em 1904, quando a peste bubônica, a tuberculose, a febre amarela, a cólera e a varíola tomavam conta das ruas e sua população, em grande número recém-liberta da escravidão, sem que lhe fosse oferecida moradia condigna e sequer o saneamento necessário.   Mas o Brasil, terra do Oswaldo Cruz, continua sendo um dos bastiões dessa luta. É preciso ajudar, cada um colocar o seu grãozinho de areia. As vacinas protegem e são de graça, ou, melhor dizendo: nós todos pagamos, por meio de impostos,  que nos retornam com os antivírus e nos são de direito!

Obrigado por tudo, enfermeiros!