Em 1998, FHC sancionou a Lei 9648, que autoriza o Poder Executivo a contratar associações civis, fundações (e outros sem fins lucrativos), para a gestão de equipamentos públicos. Contratada a entidade pelo chamado ‘Contrato de Gestão’, ela é declarada Organização Social e passa a ter inúmeras metas a cumprir, sob rigorosas avaliações periódicas. Em nosso caso, o primeiro efeito prático disso é que, desligados da gestão da chamada administração direta, os artistas foram desvinculados da figura do servidor público, que melhor serve à burocracia administrativa, mas engessa a produção artística.
Cabe aqui debelar o primeiro mito imposto por aqueles que, comungando do ‘estatismo absoluto’ do passado, buscam tachar as OS como ‘privatização’, lembrando os arautos do velho pensamento kafkiano. Privatizar é simplesmente vender empresas públicas, é torná-las privadas. Associar privatizações às Organizações Sociais é iludir ou desconhecer: as Organizações não têm lucro, todos são assalariados, e eventuais receitas são reinvestidas nas atividades contratadas. Os Governos não perdem o controle em momento algum. Privatização e Organização Social são tão semelhantes quanto um refrigerante e um pé de jaca.
Segundo mito: ‘particulares’ estariam cuidando do dinheiro ‘do povo’ (ora, muitos dos que assim falam são exatamente aqueles que mais confundem uma coisa com outra!). A Lei da Improbidade Administrativa (8429/92), dispõe que todo aquele que, concursado, eleito ou em cargo de confiança, exerce função com ou sem remuneração em qualquer entidade para cujo custeio o Estado concorra com mais de 51% das receitas é um ‘agente público’! E está sujeito às mesmas – e mais outras - penalidades eventualmente impostas ao servidor no mau uso ou desvio de verbas públicas.
Terceiro mito: contratam empregados como em empresas particulares, sem concurso. Fora os cargos de confiança, portanto de livre contratação e demissão (similar ao serviço público), todos os demais são obrigados a prestar seleção pública, que pouco ou nada difere de um concurso. Prevalecem os mesmos princípios da isonomia, imparcialidade, impessoalidade e publicidade, e todos os documentos dos processos de seleção são encaminhados posteriormente ao Ministério Público.
Como se não bastasse, alardeia-se um quarto mito: a ‘compra sem licitação’. Ora, a Lei estabelece que cada OS deve possuir (e tornar público) seu manual de compras; pelo do Conservatório, o que se pratica são limites ainda mais baixos para cada modalidade emanada da chamada 8666, a Lei das Licitações. Até as compras que cabem no chamado ‘pronto pagamento’, por serem de pequeno valor, são cotadas para maior economia. Valores maiores estão sujeitos a processo licitatório – só que com muito mais agilidade e clareza, tornando virtualmente impossíveis os ‘ralos’ nada incomuns, como os que lemos nos jornais.
Um hospital paulista gerido por uma OS teve seu tomógrafo inutilizado acidentalmente. Em 3 semanas, licitação concluída, o novo aparelho estava lá, salvando vidas – na época, um ex-diretor do mesmo hospital declarava em entrevista que, nos tempos dele, uma aquisição dessas não sairia antes de 6 meses. Ah, e os pacientes, como ficavam, então?
Por fim, cai o argumento da tal ‘falta de transparência’ (termo que não uso porque é muito empregado também pelos que mais gostam da ‘obscurescência’ – com o perdão pelo neologismo). Todos os relatórios trimestrais e anuais das atividades do Conservatório passam por um Conselho, pela UFC da Secretaria de Cultura, pela fiscalização semestral da Secretaria da Fazenda, por uma auditoria externa, pela Comissão de Avaliação das OS, pelo Tribunal de Contas e, quando necessário, pelo Ministério Público.
Em 1998 o Partido dos Trabalhadores arguiu a constitucionalidade da Lei das OS, encabeçando para isso uma ação no STF (a ADI 1923). É um direito sagrado que assiste a qualquer partido, em respeito à sua orientação programática (embora hoje o Governo Federal queira leiloar aeroportos e já contrate ONGs). Mas o processo trilha um longo caminho, e, após 13 anos, o tempo ‘caçou’ esses ‘mitos’ criados: o Ministro relator, Ayres Britto, em um documento brilhante cuja leitura no Plenário do Supremo durou 1h05 (disponível no ‘Youtube’), vota pela modernidade, e aponta a necessidade de encontrarmos novas soluções para o futuro. O voto do novato Luiz Fux cortou ainda mais fundo, mostrando que deveria ser mudada a relação OS/Estado, que passariam a partes conveniadas, e não mais contratante e contratada. A ADI 1923 transborda dezenas de volumes de papéis, mas parece que chega à ‘morte anunciada’. Porém, vejamos o embate pelo lado positivo: o STF deverá não apenas declarar a constitucionalidade da Lei das OS, mas lhe trará aperfeiçoamentos inéditos. A Corte envolve-se na causa pública, e isso é ser republicano!
Voltando ao Conservatório, uma vez revogada acidentalmente em 2006 a Lei 997/51, que criou a escola em Tatuí há 57 anos, o que teria acontecido com a instituição sem a OS? Pois é exatamente o Contrato de Gestão celebrado entre ela e o Estado que tem sobrevivido a esse ‘hiato’ incólume. O Conservatório é do Estado – portanto, de todos os cidadãos -, e necessita de ter existência legal, e não apenas um contrato temporal. Em estágio de preparação para ir a Plenário, o Projeto de Lei 654/2011 restaurará a vigência da Lei de criação do Conservatório, retroagindo à revogação para que se produzam todos os efeitos legais.
É exatamente uma OS que conduz com versatilidade e eficiência o ensino artístico de qualidade rumo ao futuro. As OS se multiplicam, mesmo para ‘aqueles que não querem ver’.
[PUBLICADO EM O PROGRESSO DE 3 DE DEZEMBRO DE 2011]