Vinicius e Toquinho |
O título
acima tomei emprestado de uma frase infeliz dita em tom de brincadeira em um
bar carioca pelo poeta Vinicius de Moraes – frase pela qual ele pagou até o
resto da vida: “São Paulo é o túmulo do samba”.
Vista aérea: Campus da USP - foto divulgação |
Quando ingressei na USP como docente da área de música, ouvi de um colega da
área teórica que “instrumento é para conservatório, universidade é para
musicólogos e pesquisadores”. Isso foi em 1988. Hoje percebo que, apesar de um
certo sabor de veneno da frase boas-vindas que ouvi logo na chegada, agora
vista por outro ângulo a ideia passou a fazer outro sentido para mim (estando
em afastamento, permito-me algumas reflexões sobre o assunto, e, como diriam os
filósofos da ciência, o distanciamento é crítico).
Logo no
primeiro semestre, tive que reprovar um aluno, não havia como aprová-lo
mediante suas condições técnicas. Daí, logo de início, duas conclusões:
primeiro, a aprovação via vestibular junto com outras carreiras deixava
frequentemente escapar os bons instrumentistas para, somando todas as notas do
vestibular, aprovar os que obtiveram melhor classificação em conhecimentos
gerais, português, etc. – e não necessariamente em música. Segunda constatação:
as disciplinas ímpares, segundo o “sistema” (ah, sempre ele!!!) só são
oferecidas nos semestres ímpares – portanto, o aluno ficou sem repetir a
matéria em que eu o reprovei, para só cursá-la no ano, e não no semestre seguinte.
Voltou um ano depois, claro, com mais deficiências do que antes. Quando um
aluno de medicina ou engenharia começa o curso, ele não conhece nada, em termos
acadêmicos, do que vai estudar nos anos faculdade. Em música, ao contrário, é
preciso que ele venha de uns bons anos de preparação, ao menos: a universidade
seria um espaço de aprimoramento. Para completar, as exigências atuais pra ingresso como professor - título de doutor - já afastariam, desde já e de cara, dos concursos públicos, "candidatos" como Nelson Freire, Cristina Ortiz, Antonio Meneses, Emmanuele Baldini, Claudio Cruz, Luís Garcia e Fabio Zanon - este último professor da Royal Academy of Music, por ironia.
A faculdade
particular encontra outros problemas, a começar pelo preço: existe a aula
individual de instrumento, que tem custo muito alto, muito caro, o que arrasta
a contabilidade do curso inteiro para o vermelho. Daí surgem os quebra-galhos:
o aluno estuda teoria na faculdade e paga seu professor “por fora”, pesando no
bolso e impedindo que classes menos abastadas frequentem seus cursos de música.
Mais ainda, o MEC (um dos modelos nacionais da máquina burocrática) exige uma
grade segundo seu modelo para aprovar um curso. Nessa grade, “Instrumento I”
está em um lugar no quadro geral, e todos fingem que entendem – parece a fábula
O Rei Está Nu – que os alunos de todos os instrumentos estudam em um mesmo
horário semanal, o que é simplesmente impossível. Senti coisas como essas na
carne porque criei e dirigi um curso de música em uma faculdade de São Paulo.
Onde há curso superior de música, ele será deficitário, pois a hora do
professor de instrumento ou voz é muito mais cara do que a dos demais docentes.
São esses últimos que bancam o déficit financeiro puxado pela música. Fora
isso, a hora do professor de direito comporta mais de 40 alunos. A aula individual
de música é para apenas 1 aluno, ou seja, custa 40 vezes mais do que em outras
áreas.
Nos EUA – falo
por experiência própria - o aluno entra no curso superior de música porque é
bom músico, está preparado, o “vestibular” se faz tocando. As demais disciplinas,
teóricas e acadêmicas, ah, o aluno que se vire para acompanhar. Ou seja, só
entra a nata dos instrumentistas. Acontece na Juilliard e na Manhattan School
de NY, na New England, de Boston, no Curtis, da Philadelphia, e por aí vai. E
ainda há uma competição desenfreada entre os alunos, porque o caminho do músico
não conhece atalhos, só muita disputa e suadas recompensas.
Campus da Harvard University |
Já tive
neste espaço oportunidade de replicar uma história que o educador e economista
Claudio Moura Castro publicou, em 2005, nas páginas amarelas da Veja (16 de
fevereiro), na verdade uma deliciosa alegoria, chamada “Harvard foi Parar no
Irajá” (brincando com a peça de teatro de Fernando Mello estreada em 1973, cujo
título era “Greta Garbo, Quem Diria, foi Parar no Irajá”). Conta Moura Castro
que Larry Summers, o Presidente da venerável Harvard University, veio ao Brasil
assistir ao desfile de escolas de samba a ficou tão apaixonado que comprou casa
em Nilópolis e até iria sair na Beija-Flor. Gastou centenas de milhões de
dólares com estrutura e professores e lá, no Irajá, montou sua primeira filial
fora dos EUA. Maravilha!!!
Depois de
esmiuçar o funcionamento da Harvard – como, por exemplo, a liberdade de se
criar e extinguir cursos e disciplinas de acordo com a conveniência da
universidade -, Castro faz um termo de comparação com nossas faculdades
travadas pelos grilhões da burocracia. Em Harvard, o Presidente emite o diploma
do aluno, não há por que passar à aprovação de um MEC. E é um certificado com
duas assinaturas que garante emprego em qualquer lugar do mundo. Mas voltando à
“Nova Harvard” de Irajá, não demorou muito e chegou uma comissão do MEC. Logo,
recebeu um parecer de nossos doutos avaliadores do MEC e, pobre Harvard
tupiniquim, nem no Irajá ficou: ironiza Castro que o Ministério mandou fechá-la
por falta de compatibilidade com o nosso abençoado “sistema educacional”. Logo
após, segundo Castro, Mr. Larry Summers teria recebido convite de 189 países
para abrigar sua “Nova Harvard”. (Leia a parte II na semana que vem)