A água lacrimosa, una
lacrima sul viso, a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila,
depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor. Una furtiva lacrima negli
occhi suoi spuntò... quelle festose giovani invidiar sembrò... Che più cercando
Io vo? Uma lágrima escondida em teus olhos despontou, aqueles jovens em festa
pareciam invejar... o que mais poderia eu querer? (De uma ária do Elixir do
Amor, ópera de Donizetti, em trad. livre do A.). Fernando Pessoa: quantas
noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó mar! Tudo vale a pena se a
alma não é pequena, completou o poeta.
Para o grande Machado de
Assis, a poesia diz que a lágrima é o sono da alma, a linguagem do coração;
para os ânimos práticos é um sinal de fraqueza, para os corações sensíveis é um
objeto de respeito, uma causa de simpatia, disse. Como é bela a luz que brilha,
do mar na viva argentia! Este pranto como é doce, que entorna melancolia,
declamou Gonçalves Dias. E o que cantaram os mais modernos, como Drummond?
Quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água
pura, ar puro, puro pensamento. E até outras águas menos cotadas já serviram à
poesia, como em Vinicius de Morais, o Poetinha: fico ali respirando o cheiro
bom do estrume, entre as vacas e bois que me olham sem ciúme. E quando por
acaso uma mijada ferve, seguida de um olhar não sem malícia e verve, nós todos,
animais, sem comoção nenhuma, mijamos em comum numa festa de espuma.
Aguadeiro e chafariz |
Água, solvente universal,
que cura a sede e não dá preço, que limpa as ruas, mesmo que suja (dito
Português: água suja também lava). A água dos axés, que dizem conter o sangue
de todos os animais já sacrificados, a água de oxalá, cerimônia das meninas no
candomblé, a água panada, velha panaceia de nossos avós para cura de diversos
males, elas que contavam dos chafarizes públicos do passado, donde as latas
d’água abasteciam as residências dos dotô. E os aguadeiros dos tempos do
Império, que vendiam água porta em porta das casas?
Que dizer de tantas
histórias dos bichos de rios e mares, e das mentiras que viraram folclore? Foi
boto, sinhá, contavam as senhorinhas da Amazônia quando as filhas assim sem
mais apareciam prenhas. Mas se a mocinha for do Piauí, ah, então foi cabeça de
cuia, girando dentro daqueles redemoinhos nas beiras dos rios. Foi ali que a
moça virgem mergulhou e depois apareceu embuchada, como se diz por lá, foi ele,
o cabeça de cuia, sinhá! Água, elemento mais poderoso da natureza, a bênção, a
que fertiliza, a dádiva que o homem maltrata, desmatando para represar onde
antes só ia pingo da chuva, abençoado
maná da terra.
As pavimentações e os
bueiros entupidos, o excesso de calçadas e falta de terra e verde, a urbanização
desenfreada, sinal de traiçoeiro progresso... Quando entopem as ruas, e as
águas irrompem, é ela, a água, que leva a culpa dos nossos malfeitos, nosso
descaso e nossa pouca atenção para com a natureza. E se um dia o sertão virar
mar e o mar virar sertão, se a natureza vier a secar, poderemos dizer, com grande
sabença, que foi o homem, sinhô, foi o homem, sinhá!
Como chove!
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