Águas passadas não movem
moinhos, diz o mote popular. E desta água não beberei, porque mesmo mole bate
até que fura e pode ser a gota d’água. (Se tão forte é, por que a fonte do
nosso amor secou?) Quem corre por água não cansa, quando Deus queria no norte chovia,
água pelo São João tira azeite e não dá pão, água não empobrece nem envelhece,
a água é o sangue da terra, água detida é má pra bebida, e água que não soa não
é boa, porque a água silenciosa é sempre perigosa, água corrente não faz mal à
gente, pois água corrida tem mão na vida, e se água de janeiro mata o
onzeneiro, a de fevereiro vale muito dinheiro, e as de março vão fechando o
verão, que é promessa de vida no teu coração.
Água de beber, camará! Água
de beber, bica no quintal, sede de viver tudo. É a canção da ponte sobre águas
turbulentas, de quando chove chuva, chove sem parar. O Mar e a Catedral
Submersa, de Debussy (ouça abaixo, com a nossa gloriosa Guimar Novaes), a
Música Aquática, de Händel. A água das lágrimas, lacrimae rerum, lacrimae
Christe, água benta, qui tollis peccata mundi, água trouxe, água levou. E uma
mão lava a outra, é água, aguaceiro, aguadouro, água que limpa o couro ou até
mata (obrigado, Djavan), que desta água se fartem mesmo às escuras, ainda que
seja de noite, pediu Raul Seixas, a água que nasce na fonte serena do Guilherme
Arantes, e que abre um profundo grotão, água que faz inocente riacho e deságua
na corrente do ribeirão. Molhado é o rock do Blood, Sweat and Tears (Sangue,
Suor e Lágrimas), é Caetano cantando não se perca de mim, não se esqueça de
mim, não desapareça, a chuva tá caindo e quando a chuva começa eu acabo de
perder a cabeça... E se a melhor uva faz o melhor vinho, sai da melhor água a
melhor cerveja, invenções dos povos mais antigos, berço de nossa civilização.
Moisés amargou 40 anos de êxodo com sede no deserto, e com fé conduziu e abriu
caminho no Mar Vermelho para a travessia do povo hebreu.
Fernando Pessoa |
O Chico que cantou a
revolução dos cravos sabia das léguas a nos separar, e também que é preciso,
pá, navegar, navegar (veja e ouça abaixo). Da terrinha lusitana, outro nosso
compadre português, Fernando Pessoa, dizia que navegar é preciso, viver não é
preciso. Seu conterrâneo Camões muito antes apontara as armas e os barões
assinalados, por mares nunca dantes navegados, que passaram ainda além da
Taprobana. Tanto mar, tanto mar, o milagre de Cristo na multiplicação dos
peixes (eles não sabem do mar nem dos peixes, Milton, não deixam ver a flor, a
pura canção). Eu tenho esses peixes, e dou de coração à natureza. E havendo no
mar peixe grande, como o do Velho do Hemingway, a luta pode ser longa e de
viver ou matar. Caymmi, com sua jangada, dizia que ia sair pro mar, e se Deus
quisesse, quando voltasse do mar, um peixe bom iria trazer. E tendo fome e não
havendo outro jeito, secamente, contou o Severino de João Cabral, faziam dos
dedos isca pra pescar camarão.
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