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sábado, 19 de janeiro de 2013

ÁGUA - I


Águas passadas não movem moinhos, diz o mote popular. E desta água não beberei, porque mesmo mole bate até que fura e pode ser a gota d’água. (Se tão forte é, por que a fonte do nosso amor secou?) Quem corre por água não cansa, quando Deus queria no norte chovia, água pelo São João tira azeite e não dá pão, água não empobrece nem envelhece, a água é o sangue da terra, água detida é má pra bebida, e água que não soa não é boa, porque a água silenciosa é sempre perigosa, água corrente não faz mal à gente, pois água corrida tem mão na vida, e se água de janeiro mata o onzeneiro, a de fevereiro vale muito dinheiro, e as de março vão fechando o verão, que é promessa de vida no teu coração.
Água de beber, camará! Água de beber, bica no quintal, sede de viver tudo. É a canção da ponte sobre águas turbulentas, de quando chove chuva, chove sem parar. O Mar e a Catedral Submersa, de Debussy (ouça abaixo, com a nossa gloriosa Guimar Novaes), a Música Aquática, de Händel. A água das lágrimas, lacrimae rerum, lacrimae Christe, água benta, qui tollis peccata mundi, água trouxe, água levou. E uma mão lava a outra, é água, aguaceiro, aguadouro, água que limpa o couro ou até mata (obrigado, Djavan), que desta água se fartem mesmo às escuras, ainda que seja de noite, pediu Raul Seixas, a água que nasce na fonte serena do Guilherme Arantes, e que abre um profundo grotão, água que faz inocente riacho e deságua na corrente do ribeirão. Molhado é o rock do Blood, Sweat and Tears (Sangue, Suor e Lágrimas), é Caetano cantando não se perca de mim, não se esqueça de mim, não desapareça, a chuva tá caindo e quando a chuva começa eu acabo de perder a cabeça... E se a melhor uva faz o melhor vinho, sai da melhor água a melhor cerveja, invenções dos povos mais antigos, berço de nossa civilização. Moisés amargou 40 anos de êxodo com sede no deserto, e com fé conduziu e abriu caminho no Mar Vermelho para a travessia do povo hebreu.

Fernando Pessoa
O Chico que cantou a revolução dos cravos sabia das léguas a nos separar, e também que é preciso, pá, navegar, navegar (veja e ouça abaixo). Da terrinha lusitana, outro nosso compadre português, Fernando Pessoa, dizia que navegar é preciso, viver não é preciso. Seu conterrâneo Camões muito antes apontara as armas e os barões assinalados, por mares nunca dantes navegados, que passaram ainda além da Taprobana. Tanto mar, tanto mar, o milagre de Cristo na multiplicação dos peixes (eles não sabem do mar nem dos peixes, Milton, não deixam ver a flor, a pura canção). Eu tenho esses peixes, e dou de coração à natureza. E havendo no mar peixe grande, como o do Velho do Hemingway, a luta pode ser longa e de viver ou matar. Caymmi, com sua jangada, dizia que ia sair pro mar, e se Deus quisesse, quando voltasse do mar, um peixe bom iria trazer. E tendo fome e não havendo outro jeito, secamente, contou o Severino de João Cabral, faziam dos dedos isca pra pescar camarão.

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