FERRADURA, PÉ DE COELHO, ESCAPULÁRIO...
Superstições são crenças, e, assim como os amuletos, existem e
existiram em todos os lugares, culturas e épocas da humanidade. Servem a
inventar coisas que não há para explicar o inexplicável, dotar objetos e seres
vivos de poderes que não têm. Surgem da ilusão de se estabelecer uma relação
causal entre fatos e coisas – tanto as que já aconteceram quanto as que se
deseja que aconteçam - ou, ao contrário, as que se espera nunca aconteçam. Às
vezes, é uma mentira engendrada para se evitar algo, a exemplo de "não se
deve tomar leite e comer manga". Essa crença, bem brasileira, foi
instigada pelos senhorios nos escravos, porque nas fazendas as mangueiras
abundavam, cresciam como capim, se dizia. E o leite era privilégio das famílias
brancas, nas casas grandes. Assim, como sobrava manga, principal alimento dos
escravos, virou verdade a mentira de que a mistura poderia até matar. A ameaça
podia estender-se a outros frutos, a depender do plantio local.
O hamsa é um amuleto
que vem da Cartago das guerras púnicas, e, pendurado na porta, afastaria o mal
da casa. Em árabe, a palavra quer dizer cinco, e o formato do objeto simboliza uma
mão, geralmente bem pintada ou decorada com pedras e pingentes. Está presente
também na cultura judaica, apelidado Shin,
letra do hebraico, simbolizando Shaddai,
“o Todo-Poderoso”.
Espécies de escapulários judaicos |
A tradição católica criou proteções bem particulares, como os
escapulários e ágnus-dei (medalhão de cera), aqui de herança portuguesa. Na
cultura não-religiosa cristã, há os patuás (espécies de “bentinhos”), talismãs,
figas e os já mencionados pés de coelho.
Esses últimos têm origem na Idade Média: os moradores das vilas,
no inverno, abrigavam em suas casas esses animaizinhos, ótimos para aconchego e
aquecimento. Na Grã-Bretanha, os coelhos, na crença celta desde antes de 600
a.C., eram tidos como animais da sorte, daí o hábito de, após um deles falecer,
carregar um pezinho consigo para a rua, como proteção onde for.
O trevo (oxalis tetraphyla)
de quatro folhas traz boa sorte, e é associado a Saint Patrick, bispo do século
14 e patrono da Irlanda, mas vem de bem mais longe, dos druidas celtas, sacerdotes
cujas origens vêm de séculos antes, entre os romanos.
Druidas |
O sal é um elemento de diversos significados. Do lado católico,
a crença tem origem no oriente, como força que vem da terra. Serve de proteção,
afasta mau-agouro e protege – haja vista seu uso no batismo, costume da
tradição apostólico-romana. É comum ouvir falarem “vai passar sal grosso na
cabeça”, ou “vá tomar banho com sal grosso”, e até que comer sal em casa de
alguém sela uma amizade. Outra virtude do velho cloreto de sódio: é
fertilizante. “Vós sois o sal da terra” (Mateus, 5:13). Por outro lado,
derramá-lo na mesa traz malefícios, e no catimbó (feitiçaria que mistura
elementos negros, indígenas e católicos), segundo o folclorista Luís da Câmara
Cascudo, é poderoso no trabalho de preparação do mal. Segundo ele, reza a lenda
que cobrir com sal a pegada de uma pessoa na areia é feitiço praguejador que só
pode ser desfeito com água do mar, em uma espécie de ritual.
A figa (do provençal francês, “figo”), por sua vez, tanto pode
ser feita com a mão fechada, polegar entre os dedos indicador e médio, ou vir
representada para servir de amuleto da sorte e contra mau-olhado. Segundo
Moacyr da Costa Ferreira, há uma versão caipira chamada ‘mão carnuda’ (cheia),
com os dedos indicador e mínimo estendidos e os demais fechados, e serve para
afastar o mal e ajudar na fertilização da mulher.
Curiosamente, este é também o gesto de saudação dos adeptos do
rock “heavy metal”, mas certamente no caso evoca um dos símbolos de rituais de
morte ou satânicos, que eles tanto dizem cultuar pour épater la bourgeoisie (chocar a burguesia, no jargão dos estudiosos),
haja vista nomes de grupos como “Madame Saatan”, “Sepultura” e “Black Sabbath”.
A ferradura é outro amuleto do bem, pois além de proteger as
patas do cavalo, entre os homens atrai felicidade e repele o mal. Símbolo de
proteção, o amuleto vem dos mesmos velhos druidas, em suas práticas religiosas
na Idade do Ferro, mas a ferradura só funciona se for encontrada ao acaso na
rua e depois afixada na porta de casa, crendice de longa data que chegou a nós
vinda da Europa durante a colonização. Nos escritos de Plutarco (46 a 120
d.C.), o ferro teria poderes mágicos, e era chamado “o osso dos deuses”, donde
talvez a origem do amuleto.
Já o alho teria o poder de afastar vampiros, lobisomens, mulas
sem cabeça e caiporas, e seu uso benéfico vem do Egito antigo, passando pelos países
eslavos, especialmente a Romênia, onde fica a Transilvânia – sim, a do Conde
Drácula.
Eu, sinceramente, não sou chegado a crendices ou emprestar
poderes a símbolos e objetos. Passo por baixo de escada – claro, se o pintor
não estiver em cima com uma lata de tinta -, cruzo caminho de gato preto, tomo
sorvete cremoso de manga, deixo bolsa no chão... mas quando as coisas estão tão
feias, mas tão feias, tanto quanto agora, passo a adotar aquela velha máxima
galega (de Galiza, noroeste da Espanha): Yo
no creo em las brujas, pero que las hay, las hay. Além de lutar com suas
mãos e palavras por um futuro melhor, vale cada um se apegar a seu Deus, credo,
crença, e até se preciso amuletos. Não creio que funcionem, mas que existem,
existem. Ou ao menos podem ajudar a torcer e alimentar esperanças no futuro.
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