Mark Twain |
“Quando pequeno,
lembrava-me de tudo: do que realmente aconteceu e do que nunca acontecera. Porém,
minha capacidade está decaindo, e logo vou lembrar-me apenas do que nunca
acontecera”. Meu pai disse essa frase algumas vezes, algo a ver com a realidade
interior e o passado que ele levava para seus livros.
A curiosidade dessa menção de meu pai à frase de Mark Twain (de quem falaremos adiante), que construiu suas aventuras na fictícia cidade de Saint Petersburg, tudo a ver com a Hannibal (Missouri) de infância de Twain. A inegável influência em William Faulkner (que nutria por Twain grande admiração) sobre a obra de meu pai, veio da "corrente de consciência" que este último tomara de Proust. Como Twain, Faulkner também teve seu condado imaginário, Yoknapatawpha. No caso de meu pai, quase todos os romances se passam em uma também imaginária cidade mineira, Duas Pontes. Com Twain, Faulkner e Joyce. Claro, nenhuma dessas ligações foi por acaso)
A frase está em “A autobiografia”, do norte-americano Mark Twain (1835-1910), um dos escritores mais reverenciados da história. Seu “As aventuras de Tom Sawyer” (1876), é um apanhado da infância, ao sabor da frase com que iniciei este artigo. Ele mesmo, personagem de sua imaginação que iria pontuar seus personagens, nas “Aventuras”, apresenta Hucleberry Finn, seu amigo de traquinagens, que era uma espécie de nome de fantasia literária para seu amigo vagabundo, pilantra e maltrapilho, o garoto Tom Blankenship, na vida real.
A curiosidade dessa menção de meu pai à frase de Mark Twain (de quem falaremos adiante), que construiu suas aventuras na fictícia cidade de Saint Petersburg, tudo a ver com a Hannibal (Missouri) de infância de Twain. A inegável influência em William Faulkner (que nutria por Twain grande admiração) sobre a obra de meu pai, veio da "corrente de consciência" que este último tomara de Proust. Como Twain, Faulkner também teve seu condado imaginário, Yoknapatawpha. No caso de meu pai, quase todos os romances se passam em uma também imaginária cidade mineira, Duas Pontes. Com Twain, Faulkner e Joyce. Claro, nenhuma dessas ligações foi por acaso)
A frase está em “A autobiografia”, do norte-americano Mark Twain (1835-1910), um dos escritores mais reverenciados da história. Seu “As aventuras de Tom Sawyer” (1876), é um apanhado da infância, ao sabor da frase com que iniciei este artigo. Ele mesmo, personagem de sua imaginação que iria pontuar seus personagens, nas “Aventuras”, apresenta Hucleberry Finn, seu amigo de traquinagens, que era uma espécie de nome de fantasia literária para seu amigo vagabundo, pilantra e maltrapilho, o garoto Tom Blankenship, na vida real.
"Huck" Finn |
“As
aventuras de Huckleberry Finn” (1885) se tornaria, depois, um de seus livros
mais importantes. Envolto nesse misto de “fantasia real” e realidade, Mark
Twain – na verdade, pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens – é recomendado para
todas as idades, boa leitura para os jovens de ontem e de hoje. Por tão cativante,
envolveu-me entre as leituras de criança, refletindo-se em minhas próprias
imersões nos fatos que, em minha meninice, realmente existiram, quer tenham ou
não acontecido.
Casa de Tom ("Huck" Finn) |
Lembrei-me
disso tudo porque recentemente, em uma noite de pouco sono, busquei distrair-me
retirando da estante ao acaso, para folhear, “Estórias curtas britânicas e
americanas” (British and American Short Stories).
Story significa “estória”, conto, ao
passo que history se refere à história,
como ciência, disciplina. Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu “Primeiras
estórias” (1962) e “Estas estórias” (1969). Eu, sem pretensão de chegar à
sombra de ambos, publiquei “Pequena estória da música” (1992), brincadeira com
o título “Pequena história da música”, do Mário de Andrade. Bons dicionários,
como o Houaiss, ainda conservam a palavra, enquanto outros pretendem condená-la
à extinção, péssimo costume brasileiro de empobrecer nossa língua, enquanto
acrescentam neologismos bobos como “deletar”.
"A única diferença entre o cobrador de imposto e o embalsamador é que o segundo deixa a pele" |
O fiscal do Imposto de Renda (por Leonard Rosoman) |
Certo dia,
M. recebeu a visita um homem que se identificou como assessor – palavra que em inglês também quer dizer cobrador de
impostos -, a quem, ora em diante, chamarei apenas “C”. Sem saber o que o C. exatamente
fazia, e pensando que fosse uma espécie de negociante, M. perguntou se ele
estava abrindo algum negócio na vizinhança. O diálogo desenvolveu-se com
palavras curtas. C.: Ahã. M.: Como vai o comércio? C.: Bem. Hábil e ardiloso, o
visitante ensaiava uma aproximação, um jogo como em “crescendo” musical nas palavras
e frases da narrativa interior envolvente de Twain (que lembra Faulkner, que o
considerava “o pai da literatura americana”).
Não tardou,
e C. logo foi abrindo as cartas: você imagina quanto eu ganhei em conversas com
pessoas neste inverno e primavera? M.: dois mil dólares, talvez? (16 mil
dólares, atualizados, ou R$ 56 mil, ao câmbio de hoje. A partir daqui, todas as
cifras serão atualizadas pela inflação americana do período e convertidas em
reais). M. logo se corrigiu: não, isso seria muito, talvez uns R$ 42 mil. C.
deu boas risadas. Pois foram quase R$ 120 mil! M.: estou impressionado, você
ainda diz que não é tudo?
Continuando
a exibir seus rendimentos, C. disse que vendeu 95 mil cópias de seu livro “Os
inocentes no estrangeiro”. (Agora, pausa. Este é o enigma e sua chave que não o
abre nunca: trata-se do livro mais vendido do próprio Mark Twain! Seria aquele um
diálogo do autor consigo mesmo?). C.: rendeu R$ 11.270.000, e a mim cabe a
metade! E levantou-se, como fosse embora, entregando a M. um envelope, dizendo
que ficaria feliz em poder ajuda-lo. Abrindo-o, M. viu que se tratava de sua
própria declaração de renda, e C. disse que ele deveria declarar R$ 6 milhões.
Pelo índice de taxação do governo (5%, na época), ele teria R$ 300 mil de imposto
a pagar. Mas haveria ainda o desconto-padrão.
C. colocou
seus óculos, pegou uma caneta e começou a calcular as deduções para M.: perdas
com acidente, fogo em sua propriedade e outros. Prejuízos imobiliários, animais perdidos no incêndio, aluguel
do imóvel, reparos e melhoramentos. Ao final dessa mágica contábil, C.
mostrou-lhe que seu imposto devido seria de apenas R$ 35 mil.
E não é só,
continuou. Seu desconto-padrão é de R$ 30 mil, portanto o imposto a pagar,
depois de todas aquelas contas, seria de apenas R$ 5 mil! (Enquanto ouvia, M.,
perplexo, vira o filho de C. sacar uma nota de R$ 50 do bolso, e logo
guardá-la. Teve certeza de que o menino, se perguntado, saberia mentir sobre o
quanto ganhou). Você trabalha com essas tantas “deduções” todos os anos,
senhor? Claro, caso contrário eu seria “um pobre mendigo sustentando este
governo perverso, cruel e pavoroso”, respondeu-lhe C., que M. já achava ser o
homem mais rico da cidade.
Resolvido,
M. foi à agência da Receita e atestou a veracidade de “mentira após mentira,
truque após truque, maldade após maldade”, até sua alma ficar "encoberta
por polegadas e polegadas de falsas declarações, e seu respeito próprio
desaparecer para todo o sempre”.
Mark Twain
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