Sigmund Freud |
A livre associação foi um
dos grandes achados de Freud em seu método psicanalítico. Não sou da área,
apenas aficionado pela leitura do assunto, mas posso falar informalmente para
abrir este texto. Freud passou a se utilizar dos sonhos e da livre associação (via regia, em latim, ou seja, via real)
em suas sessões de psicanálise. Trata-se de um meio natural e menos agressivo e
intromissor do que a hipnose de seu colega Breuer. Ela consiste em fazer o
paciente ouvir uma palavra e dizer imediatamente outra, sem deixar seu
consciente inibir o jogo que leva a revelações do inconsciente.
Na livre associação, a cada
palavra dada o paciente tem de dizer outra diferente, no popular “o que der na
telha”. Por exemplo, na sequência imaginária de palavras a seguir, a primeira é
dita pelo psicanalista, enquanto a segunda pelo paciente, sem pensar: carro/pai,
água/praia, beijo/mãe, flor/ freio. Tudo anotado em sua prancheta, o
psicanalista já teria, nessa curta série fictícia de palavras, algumas ligações
possíveis, como “carro/pai” associando o primeiro à virilidade de seu pai. Já
“carinho/mãe” revela a imagem da mãe que conforta, como na frase bíblica “junto
àquele que me conforta” (do latim omni
possum in eo qui me confortat), em Filipenses 4:13, com frequência
erroneamente traduzida para “naquele que me fortalece”). Já “flor/freio” foi um
diferencial que imaginei, em que a associação do suposto paciente vem pela consoante
“f” (labiodental, em gramática, pois ela é produzida pelos dentes superiores
contra o lábio inferior). Mas é possível supor que “freio” é algo que pode
conter a “flor”, associada ao amor. Essa seria minha interpretação pessoal.
Dia desses chamei a
atenção de um colega para um e-mail que recebi do The New England Conservatory,
de Boston (EUA), onde tive a oportunidade de me formar. Era um simples e
criativo anúncio da abertura da temporada de 2016-2017 (no exterior, ano letivo
e temporadas musicais sempre começam no outono local) da fabulosa orquestra
sinfônica do NEC: “Wolfgang, Gustav, Johann Sebastian, Sergei e Franz encontram
Cindy, Ellen, Augusta, Anna, Caroline, Jennifer e Kati”. Simplesmente usaram os
prenomes de alguns dos mais famosos compositores para juntá-los aos de mulheres
compositoras, nessa temporada junto aos grande mestres.
Gustav Mahler e Gustav Holst |
Mostrei
o anúncio ao colega Antonio Ribeiro, e imediatamente começamos uma associação:
Wolfgang é o prenome de Mozart; Gustav, de Mahler. Poderia até ser Gustav
Holst, por exemplo, autor de “Os Planetas”, mas a primeira associação foi a
mais óbvia para nós. Se eu tivesse acabado de ouvir “Os Planetas”, talvez me
viesse à mente Gustav Holst. Johann Sebastian é Bach, claro, e de imediato o
associei ao nome de um barzinho em Belo
Horizonte que se chamava João Sebastião Bar, lembrança de adolescente.
Sergei Koussevitzy, regente e professor de Eleazar |
Já Sergei me lembrou Sergei
Koussevitzky, contrabaixista e regente da Sinfônica de Boston, professor do
nosso grande maestro Eleazar de Carvalho, falecido há vinte anos. (Também tive
aulas com um ex-discípulo dele, Bill Curtis). Porém, veio meu consciente e
organizou tudo: Sergei Koussevitzky nunca foi um compositor como os outros dois
xarás, e concluí que deveria ser Sergei Prokofiev, sinfonista e autor de
Tenente Kije, peça que tem um belo solo de contrabaixo, meu instrumento. Já meu
colega pensou em Sergei Rachmaninoff – não por acaso, autor de quatro dificílimos
concertos e uma rapsódia para piano e orquestra. Claro, hoje compositor, meu
colega começou na música ao piano, fazendo-o seu instrumento, daí sua
associação pessoal. Já Franz é prenome de compositores como Franz Schubert (minha
escolha), grande sinfonista, mas meu colega optou por Franz Liszt, autor de
obras virtuosísticas para piano e um dos maiores pianistas da história.
Da Vinci |
Passamos a falar de
nomes e sobrenomes, seus significados em seus idiomas de origem e quem ou o que
nos lembram. Alemães levam frequentemente sobrenomes de profissões, que no
passado ajudavam a identificar as pessoas: O sobrenome Gustav Mahler significa
pintor; Schumacher, o piloto, é o artesão fabricante de sapatos; Zimmermann, da
família de músicos, carpinteiro. Em italiano, durante muito tempo, criava-se um
sobrenome a partir da origem do cidadão: Giovanni da Palestrina, compositor, Gasparo
da Salò, artesão fabricante de violinos antecessor de Stradivarius, o gênio
Leonardo da Vinci, cujos sobrenomes identificam suas origens.
Alfred Hitchcock e Albert ("Alfred") Speer |
Daí passamos a uma
rápida brincadeira com outros nomes, como Alfred, que a meu colega lembrou
Hitchcock, o grande cineasta do suspense. Concordei, mas depois pensei, em
Albert (troquei-o por Alfred) Speer, o arquiteto nazista que fazia dos comícios
de Hitler grandiosos espetáculos cênicos (curioso: li recentemente sobre Alfred
Albert White, tripulante sobrevivente do Titanic, que depois do naufrágio
voltou a trabalhar em navios, até sua morte. Não foi por acaso meu lapso Alfred-Albert,
então). Prossegui:
Heitor Coutinho, falecido em 2005 |
Heitor, claro, é o
nosso Villa-Lobos, mas para mim também Heitor Coutinho, que pintou um retrato
de meu pai, que ficava na sala de jantar, ou o assassino de Dana de Teffé, Heitor
Coutinho Leopoldo Heitor, matéria recente de jornal pelos 55 anos do crime. A
memória de cada um é íntima, exclusiva, e só dele. Por isso temos gostos diferentes
para música, por associação e memória, para lugares, o que lembra sua família,
criação ou onde se sentiu bem, algo que tenha marcado sua vida. O nosso dia a
dia é um mundo de associações que escapa à nossa consciência, mas que merecem
ser pensadas quando em conflito, ansiedade ou dúvida, com o valioso auxílio de
nossa razão.
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