Aurore Dupin, aliás, George Sand |
Frédérik
Chopin (1810-1847), virtuose polonês do piano, compôs praticamente apenas para seu
próprio instrumento: mazurcas, noturnos e polonaises, dois belos concertos cuja
parte orquestral não agrada gregos e troianos e outras obras. A conduta exótica
de Chopin gerava interpretações das mais diversas, pois apaixonou-se por Aurore
Dupin, escritora mais conhecida como George Sand, que se vestia como homem,
terno e chapéu. Sobre ela, o próprio Chopin teria dito que parecia um rapaz – já
Liszt a teria descrito como uma viril amazona. O estranho relacionamento surgiu
após trocas de bilhetes seguidas de vaivéns de cartas, e as recebidas por Sand em
sua maioria rasgadas.
Robert Schumann |
Bem mais
turbulenta foi a vida do alemão Robert Schumann (1810-1856), que desde cedo
despertava a atenção para seus transtornos emocionais e de personalidade. Foi músico,
literato e crítico, e pensava em dois autores fictícios, Florestan e Eusébius –
o primeiro, sonhador exaltado e louco, o segundo, o introvertido e racional. Para alguns, sinal de um pé firme na esquizofrenia.
Seu lado Florestan apaixonou-se doentiamente por Clara Wieck, filha de seu
professor e já uma virtuose nas teclas. Ela tinha apenas doze anos e Robert era
passado dos vinte, tiveram de aguardar na Justiça autorização para o casamento.
Com Clara já aos vinte e um, finalmente puderam realizar seu enlace. Papai
Wieck desistira de um recurso judicial em que alegava que o noivo era um perturbado
boêmio.
Pequeno artefato para exercício do dedo anelar |
Robert
Schumann tornou-se um dos mais importantes compositores de música vocal (Lieder,
canções) e pianística, além de suas quatro sinfonias e outras peças. No
desespero de ser um grande virtuose, não se conformava com os movimentos mais limitados
dos dedos anelares. Ignorando lições de anatomia, passou a forçá-los no afã de
liberta-los do jugo dos tendões. Amarrava os dedos a cordões que passavam por
uma alça no teto, tendo na ponta um contrapeso. O abuso daquelas engenhocas por
pouco não foi mais trágico, mas encerrou-lhe a desejada carreira de solista. Passou
a entregar-se com afinco à composição para o resto da vida.
Local do Reno onde Schumann se atirou às águas |
Como
líder de orquestra, Schumann também usou invencionices como certo apetrecho, espécie
de ‘cinto de segurança’ que não deixava a batuta cair-lhe da mão. Tido como
regente fraco, deve ter passado por situações vexatórias à frente de orquestras.
Era do tipo que se perdia pelas ruas com facilidade, e volta e meia deixava
cair o que carregava, o que só acirrava os ânimos dos maldosos. Nas crises, falava
sozinho, dizia que se comunicava com os espíritos e frequentemente caía em desespero.
Entregue à doença, jogou-se nas águas do rio Reno, mas foi resgatado contra sua
vontade. Em 1854, pediu para ser internado, tão grave era o mal que o afligia, e
deu entrada no manicômio de Endenich. Até o alívio que lhe trouxera a morte,
Schumann tornou-se imprestável, mal reconhecia a mulher que tanto amou, mas foi
justo ela que levou adiante seu nome e obra, executando-a por toda a Europa, partituras
embebidas na ideia de que dor e prazer, assim como outros sentimentos antagônicos
- coisas de Florestan e Eusébius - estão intimamente ligados.
Caricatura da orquestra de Berlioz por Grandville (1846) |
O
excêntrico francês Hector Berlioz (1803-1869) também foi, além de compositor de
obras grandiosas, crítico e literato, habilidades de escrita frequentes entre
seus pares na época. Versátil na partitura e nas letras, costumava receber para
longos bate-papos a nata dos melhores artistas da época: Mendelssohn, Chopin,
Paganini e Liszt, além de escritores como Victor Hugo, o que dá uma ideia da
riqueza de suas tertúlias e saraus. Habituou-se a compor sobre formas
complexas, que orquestrava de maneira exacerbada, a exemplo do seu Réquiem,
escrito para um conjunto de quatro orquestras, que tentara vender para várias
famílias de defuntos. Um crítico disse que Berlioz tinha mania de compor para
500 músicos, e levou uma ironia como resposta: nem sempre, às vezes me contento
com 450. A bem da verdade, grandes números não foram invenção dele, já que em
1628 Orazio Benevoli já havia escrito uma missa para cinco orquestras, dois
coros duplos, contínuo e solistas.
Greve de músicos da Sinfônica de Detroit (EUA) |
Na Sinfonia
Fantástica, Berlioz se inspira em um músico que, perturbado pelo desespero de
uma decepção amorosa, envenena-se com ópio. Como a dose foi insuficiente, o
candidato a suicida não logrou seu intento, mas o efeito do narcótico passou a
atormenta-lo com visões - como a da amada que se transubstanciava em divina melodia.
Para traduzir suas ideias em música, o instrumento de Berlioz sempre foi a
orquestra. Pouco arranhava o violão, às vezes tentava os tímpanos, sem que tenha
chegado a tocar ‘a vera’ qualquer um deles. Foi um grande artista na música e
na vida: enlouquecido pela noiva que o abandonou por outro pretendente, tal
qual o personagem de sua própria Fantástica, Berlioz planejou disfarçar-se de
criado para assassinar o rival. Dono de um gênio extravagante, o compositor
tinha frequentes problemas, em especial com os músicos: durante uma
apresentação da Fantástica, parte da orquestra parou à meia-noite - os músicos franceses
sempre foram militantes incansáveis, e em respeito às novas determinações das guildas
passaram a empacotar seus instrumentos e sair. Berlioz ignorou-os e prosseguiu
com pompa arrogante e triunfal, embora tenha concluído o concerto com apenas uma
parte do conjunto. A apresentação terminou em um rotundo fracasso por causa dos
rebeldes paredistas. E nem havia central sindical naquela época!