Fui parecerista ad hoc da Fapesp, coisa
de dois anos. Desconhecendo a comissão que fez o convite, aceitei, consciente
de que não receberia pelo trabalho voluntário. Minha área não era a produção
científica das chamadas exatas, mas a do campo das humanas, comunicações e
artes, e os projetos chegavam e eram devolvidos pela Internet com as avaliações,
sem poder identificar meus interlocutores. Como em todas as vezes em que fiz banca,
fui jurado ou perito, uma vez parecerista busquei ser correto e justo: rejeitei
projeto fraco de um conhecido mas dei aval à proposta de um desafeto.
A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo) foi criada pela Constituição Estadual de 1947 (Art. 123): “O
amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma
Fundação, organizada em moldes que forem estabelecidos em lei”. Determina, para
custeio, ‘não menos do que meio por cento da receita ordinária’ (O complexo de
receitas do Estado, números que hoje seriam fenomenais). Em 1989, o decreto 29.598 estabeleceu a autonomia das universidades, assegurando-as não-ingerência externa na quase totalidade dos atos. Novos percentuais couberam à Constituição
Estadual, do mesmo ano, que reservou à Fapesp 1% da arrecadação tributária (ICMS), e
somente dela. À USP, Unesp e Unicamp couberam, primeiramente, 6,5%, e mais
tarde 9,57%.
Problemas: (1) Sutilezas de interpretação. A LOA
/2017 propunha “até” aqueles percentuais, o que é muito diferente do original “no
mínimo”, apesar de o governo insistir que ambas eram a mesma coisa. (2) “Abertura
de crédito suplementar”, transferência de verbas já dedicadas de uma rubrica
para outra. Ou: a Assembleia Legislativa naquele ano transferiu da Fapesp, sob
protestos da comunidade científica, 120 milhões, 12,63% do repasse total, mas, por inconstitucional,
teve de devolvê-los. (3) Impopular eufemismo, o “contingenciamento” – que
significa “não há cortes no orçamento, mas ‘n%’ vocês não podem usar”. (4) A crise
econômica e a queda na arrecadação, mas esse é um exercício de futurologia em que
eu, leigo, sequer ousaria adentrar. Coisa para um economista de sólida formação
tributária com uma bola de cristal milagrosa nas mãos.
CWTS Journal |
Associada à Fapesp e ao CNPq, em 2019 a USP foi
classificada pela CWTS holandesa em 8° lugar no mundo por sua produção
científica, e ficou entre as 150 melhores universidades do mundo, segundo o Academic
Ranking of World Universities (ARWU)! Quase totalidade do que se produziu
nesses 73 anos de Fapesp e 68 de CNPq reverteu à população - de novos
tratamentos médicos à obra de Graciliano Ramos. Uma plêiade de cientistas
trabalhando pela comunidade em prol da coisa pública.
(Foto: Brasil 247) |
O CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa), órgão federal
– cujo repasse de verbas é feito a bel-prazer do governo -, tem sido foco de
imensos cortes, tão dramáticos que culminaram agora com a suspensão de 40 mil
bolsas. Criado pela lei 1.310/51 para ser responsável pela organização de todos
os sistemas de suporte à pesquisa, o Conselho chegou a levar o Brasil, ao lado
da Fapesp e outros, a ingressar no ‘clube’ dos dezoito países que representam, cada,
ao menos 1% da produção científica mundial.
César Lattes |
O mentor do CNPq, César Lattes, falecido em
2005, foi parceiro na descoberta do ‘méson-pi’, que deu a Cecil Powell o Nobel
de Física em 1950, mas a coautoria do brasileiro foi preterida injustamente. Como
deferência, em 1999 o sistema nacional de catalogação de currículos e pesquisas
de cientistas e acadêmicos passou a se chamar ‘Plataforma Lattes’. O físico
Joaquim da Costa Ribeiro, falecido em 1960, foi o descobridor do ‘efeito
termodielétrico’, e ocupou boa parte de sua vida estudando a radioatividade. Foi
o único brasileiro a ter assento no Comitê Consultivo da ONU para Aplicações
Pacíficas da Energia Nuclear.
Crodowaldo Pavan |
Crodowaldo Pavan (1919-2009), biólogo, estudou
na USP a convite de André Dreyfus, um dos criadores da Universidade, e logo
tornou-se docente. Foi presidente do CNPq (1986-1990), e após se aposentar rumou
para Oak Ridge, EUA, onde criou um laboratório de genética celular de âmbito
nacional; depois, foi professor catedrático na Texas University, em Austin. Catalogar
todos os avanços creditados a esses órgãos e pesquisadores seria um trabalho de
envergadura monumental.
Stephen Hawking, o gênio. |
Não há semana que não traga novidades: no dia
em que escrevo, a USP divulgou mais um avanço na área de química e biomedicina:
cientistas conseguiram associar o metabolismo da gordura ao desenvolvimento de
uma das doenças degenerativas mais terríveis, a Esclerose Lateral Amiotrófica
(ELA), que começa a devorar vidas desde cedo, a exemplo de Stephen Hawkins - um
dos maiores físicos da história. Só nessa área, somem-se Alzheimer, Parkinson, vários
tipos de câncer, Aids, drogas que salvam vidas e um sem-número de moléstias que
receberam inestimável contribuição dos pesquisadores.
Estudos sobre pontes, viadutos e barragens – que
tanto caem! -, novos materiais, combustíveis não-fósseis, controle de
poluentes, descobertas arqueológicas, teorias antropológicas, estudos da
história, cultura e artes, abrem uma enorme estrada rumo a novas descobertas.
Laboratório na Yale University |
O custo disso? Material e equipamentos, e ao pesquisador-bolsista
não um salário, mas o mínimo que possa prover seu sustento, o suficiente para passar
dias inteiros em laboratórios e bibliotecas, sempre em contato com o mundo, seja
via internet ou no exterior. A labuta desses bolsistas, docentes e orientadores
abre caminho para dias melhores. Porque sem pesquisa científica e universidade pública
de alto nível o destino nos reservará a medíocre subserviência aos países que
as priorizam. E deles passaremos a comprar com royalties o que deixarmos de produzir.