Alquimia é palavra que vem do árabe al-kīmyiā, dos tempos mais antigos. Refere-se a práticas protocientíficas, ou seja, não-científicas. (Proto é um antepositivo que quer dizer algo como pré, como em protótipo, algo que prepara, antecede, como a Protofonia da Ópera Il Guarany, de Carlos Gomes. Pejorativamente, significa um arremedo, algo que não pretende ser). Os alquimistas dos primeiros tempos tentavam, sem base alguma, purificar e transformar metais como chumbo em espécies nobres, como ouro. Buscavam criar algum produto químico que tornasse os homens imortais, curasse qualquer doença e encontrasse a Pedra Filosofal, que teria o condão de transformar materiais e rejuvenescer, razão pela qual era tida como símbolo de uma bênção universal a se alcançar.
Em sua música “Os alquimistas estão chegando” (1974), Jorge Ben descreve: “São pacientes, assíduos e perseverantes / executam segundo as regras herméticas / desde a trituração, a fixação / a destilação e a coagulação”. Mostrou-os como seres exóticos, imersos naquelas crendices, ilações e supostos experimentos científicos. Os pós-alquimistas de Jorge Ben seriam os dos tempos modernos, que persistem com suas práticas obscurantistas até os dias de hoje, exercendo certo fascínio sobre quem ouvir explicações rápidas, simplórias e retrógradas sobre assuntos que deveriam ser analisados e comprovados pela ciência.
Desde os meus tempos de estudante, o trinômio aplicado à filosofia era basicamente o da chamada dialética de Hegel: A tese seria uma ideia a ser analisada, a antítese, como a palavra diz, seu contrário, para colocá-la à prova, e finalmente a síntese, após esse confronto: uma ideia resumida, ou conclusão. Processo semelhante acontece com o direito e a ciência, com denominações diversas mas princípios lógicos comuns.
No dia 15/01, a revista Isto é noticiou: “Pazuello montou e financiou força-tarefa para disseminar cloroquina em Manaus”. Seria essa sua alquimia, a que não precisa de explicações além de obsessão ou mania (aqui, no sentido de psicopatia) de sua lavra ou de seu chefe, a quem obedece cegamente? O mundo inteiro não reconhece benefício algum na droga – até pelo contrário, é um produto danoso à parte psíquica. Ainda no dia 30 de novembro, em Roma, a EMA (agência de medicamentos da União Europeia) alertou que o uso da medicação, em qualquer de suas denominações, seria responsável por distúrbios psiquiátricos. Todas as pesquisas mundiais apontavam não apenas ineficiência contra a Covid, mas também a periculosidade do produto, já estocado em larga escala pelo governo brasileiro. Pazuello, fiel servo, deveria saber disso – se não como cientista ou médico, coisas que ele não é, ao menos como ministro, leitor de jornais por obrigação, costume que ele parece não ter.
No mesmo mês de novembro, Pazuello já havia sido alertado para um iminente colapso no estoque de oxigênio, enquanto sua força-tarefa despejava cloroquina nos hospitais de Manaus. Privilegiou a alquimia do mandatário da nação em detrimento do oxigênio e, consequentemente, da vida de inúmeros cidadãos manauenses.
No dia 14 de janeiro, um conceituado jornal espanhol, El País, noticiava: “Morrer sem oxigênio em Manaus, a tragédia que escancara a negligência política na pandemia”, ressaltando que “após minimizar a crise, Planalto e Governo do Amazonas correm contra o relógio para transferir doentes para outros estados (...) Só “nos primeiros dias de janeiro, morreram 1.654 pessoas no estado, mais do que entre abril e dezembro”. E em 15 de janeiro: “O estado brasileiro do Amazonas está ficando sem oxigênio durante onda de Covid-19 “, ressaltando que o Brasil tem o segundo maior número de mortes, depois dos EUA. No mesmo dia, a CNN americana informava que 60 bebês prematuros foram transportados para São Paulo, a 3.875 km dali. Ainda naquele dia, o Estadão trazia matéria com o título: “Entenda o que aconteceu em Manaus”: “capital do Amazonas voltou a registrar recordes de internações e sepultamentos; situação foi agravada na quinta-feira quando a falta de estoque de oxigênio levou pacientes à morte por asfixia”.
No dia 16, O prestigioso BBC News britânico estampou: “Hospitais do Brasil ficam sem oxigênio para os pacientes do vírus”, enquanto no dia 17 a americana CNN escancarava: “Saúde Pública no estado brasileiro do Amazonas em ‘colapso’, enquanto as infecções por Covid-19 transbordam”. No mesmo dia, o diário Ouest France deu a manchete: “A Covid-19 asfixia novamente a cidade de Manaus” - “Já tendo passado pela pandemia na primavera, a capital do estado do Amazonas se encontra sem leitos de hospital e com falta de oxigênio. A preocupação se elevou quando uma variante do vírus foi detectada”. E assim multiplicaram-se notícias aqui e pelo mundo. Brasília distribuiu fortunas em curandeirismo à luz do dia, com sua enviesada catequese política, ao passo que um número crescente de mortos se acumulava, conforme se pôde ver nesta breve compilação de matérias publicadas em apenas quatro dias.
O compositor Sidney Miller, cult nos anos 60/70, cantou: “Duas doses de ácido lisérgico / ou uma bomba de gás lacrimogêneo / qual das duas que você prefere / na sua linda tenda de oxigênio?” A letra era simbólica - claro, tempos de ditadura -, mas como poesia ela pode ser entendida de várias formas, as palavras se transmutando na fecundidade do pensamento. Hoje, entre o delírio de uma droga sem efeitos além da vã esperança em momento de agonia ou a morte certa em tenda de oxigênio exaurida.
Ou deitado no corredor.
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