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domingo, 25 de novembro de 2018

A DOR


"Notícia" de divulgação da peça

“Pra mim / basta um dia / não mais que um dia (...) / Só um / belo dia / pois se jura, se esconjura, se ama e tortura / se tritura, se atura e se cura a dor / na orgia / da luz do dia / é só / o que eu queria / um dia pra aplacar / minha agonia”. Lembro-me das mais de  centena de vezes que ouvi a linda interpretação da Bibi Ferreira para esta obra do Chico, na peça Gota D’Água (fui músico da estreia e temporada carioca). A dor de Bibi/Joana/Medeia era por Jasão tê-la abandonado com os dois filhos para unir-se a Alma, filha do poderoso Creonte, o rei do pedaço, ambientando a tragédia de Eurípides (480-406 a.C.) em alguma favela de um morro do Rio. Após muitas ideias, todas loucas, claro, atormentada e alimentada apenas por uma dor imensa, Joana/Medeia resolve matar os dois filhos e suicidar-se, vingança contra o traidor Jasão. A dor imensa chegaria ao fim com a consumação do gesto.
Belchior, ainda jovem, foi do seu Ceará natal para o Rio, tentando a vida com o violão. Um dia compôs uma das obras mais populares de Elis Regina, Como Nossos Pais (1976): ”Por isso cuidado, meu bem / há perigo na esquina / eles venceram / e o sinal está fechado para nós / que somos jovens / (...) Minha dor é perceber / que apesar de termos feito / tudo o que fizemos / ainda somos os mesmos e vivemos / como nossos pais”. A dor de Belchior era aceitar que “eles” nos derrotaram, que (ainda) vivíamos como antes, entre perigo e medo. E que, embora tenhamos feito de tudo, ainda permanecemos os mesmos e nada mudamos. Era a dor do inconformista, do jovem que, como milhões de outros, queria transformar o país e o mundo em um lugar melhor, e por tudo isso sentiu-se derrotado. Ele alerta para o perigo nas esquinas, mas ao final se conforma: “eles venceram”. A censura do regime militar foi condescendente com as muito sutis cores da poesia desta música, mas em troca foi implacável tesourando aqui e ali trechos de diversas outras faixas do disco, a título infantil de compensação. 
(Crédito: Filosofa's world)
O amor, sentimento maior e puro na essência, leva a sentir de outra forma uma dor diferente, tão profunda que pode levar a matar ou morrer (haja vista a Medeia e os assassinos dos telejornais diários!). Já a rica poesia de Paul Simon e Art Garfunkel assim resumiu o papel do poeta frente ao sofrimento da amada, em Bridge over Troubled Water: “E quando a dor estiver por todo canto, / como uma ponte sobre águas revoltas / eu vou me deitar”. É o gesto que lembra o clássico ‘estender o paletó’ sobre a poça para a mulher cortejada passar, só que agora transposto para um ângulo mais amplo, cinematográfico e mais abrangente do poético afago, que é oferecido à guisa de suporte para a amada nas horas de dor. Uma ponte que vai se estender para que ela atravesse o rio de águas furiosas, perigo que volta e meia aparece no caminho da vida.  A dor da paixão faz de tudo contra a tristeza da amada nos momentos mais depressivos.
Mas o que seria a dor de que tanto falamos, e que volta e meia sentimos? O poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), em seu Alquimia da Dor, diz “Um te ilumina com seu ardor / o outro encontra em ti teu luto, natureza! / aquele que diz a um ‘sepultura!’ / diz a outro ‘vida e esplendor” (T. do A.). Mas que sentimento é esse, tão volúvel, tão confuso? Para uns a morbidez, aos outros um paraíso? E por que uns sentem, outros não? Chico mostra a resiliência da mulher que sofre a qualquer tentativa de salvá-la: “Carolina / nos teus olhos fundos / guarda tanta dor / a dor de todo esse mundo / (...) Eu bem que mostrei sorrindo / pela janela, ó que lindo / mas Carolina não viu”. (Carolina, graças à Globo, foi composta às pressas como moeda de troca pelo rompimento por parte do Chico do contrato de um programa especial assinado com a emissora, que exigiu em contrapartida uma música para o II Festival Internacional da Canção. Do acerto surgiu esta pérola, uma das mais lindas do bardo carioca. (Fonte: Severiano, Jairo e de Mello, Zuza Homem. A Canção no Tempo. SP: ED 34, 4ª ed. 2002)
(Ilust. Legal Moments)
A dor imposta pela traição a Joana/Medeia, a dor de Belchior ao ver que perdemos a luta, a dor apaixonada do homem que se deita como uma ponte para a travessia de sua amada nos momentos difíceis, a dor ambígua em Baudelaire, a dor física do enfermo ou do acidentado - afinal, o que é essa dor de que todos falam? Que sentimento é esse, tão inexplicável? Houaiss tenta organizá-lo em acepções, tais como ‘sensação desagradável’, ‘mágoa por desgostos’, ‘compaixão’, ‘sofrimento físico ou moral’... Mas dá para explicar o significado da palavra a quem hipoteticamente nunca tenha sofrido? Primeiro, definir ódio, amor, medo ou dor é missão sem norte e sem fim. Depois, é melhor viver a dor, por um segundo que seja, do que tornar esses sentimentos objetos de estudos, definições e axiomas, na busca vã de explicar o inexplicável.
Pau de arara (Superinteressante)
Qual o sentido da dor eterna, que pode levar à morte, como em Gota D’Água/Medeia? Da dor que mereceu do amado uma ponte? Da dor que poderia sucumbir à beleza, mas Carolina não quis ver... A dor pode durar um átimo ou uma vida inteira, ser sentida por um bebê na vacinação e por outro apenas estranhada, ou por uns mais e outros menos ao encarar a morte de um ente querido. Fale-me de suportar a dor, fazendo-o em silêncio durante uma sessão de tortura, como sofreram muitos. Que seja algo tão etéreo quanto descreveu Fernando Pessoa em Vaga, no Azul Amplo Solta: “Na minha amarga ansiedade / mais alto do que a nuvem mora / está para além da saudade / (...) Não sei o que é nem consinto / à alma que o saiba bem / visto da dor com que minto / dor que a minha alma tem”.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O MEDO



Talvez a representação plástica mais impactante sobre o medo seja a obra-prima O Grito (1893), do norueguês Edvard Munch. Seduzido pelas portas maravilhosas que o simbolismo lhe abria de maneira bem pessoal, Munch também foi influenciado pelos expressionistas alemães. Mas que mistério inominado teme a figura retratada por Munch? 
Para mim o quadro remete a figura concreta, uma fotografia: a da menina Kim Phuc, sem roupas e desesperada, tentando fugir do ataque de bombas Napalm na guerra do Vietnã. Em O Grito, a boca escancarada, as mãos espalmadas sobre faces e orelhas, um cenário de linhas sinuosas como fossem as ondas sonoras do berro incontido. Para maior impacto, Munch pintou nuvens como representação de sangue: dor.
Quem tem Medo de Virginia Woolf? (1962) é o título de uma peça do grande teatrólogo americano Edward Albee. Aborda os conflitos de um homem e uma mulher de meia-idade com seus convidados, um casal de jovens. O título é uma blague com o nome da escritora Virginia Woolf (1882-1941) sobre Quem tem Medo do Lobo Mau (‘Who’s afraid of the Big Bad Wolf?), de ‘Os três Porquinhos’, desenho animado infantil de Walt Disney.  
Clarice Lispector passeia com Freud e Kierkegaard (“a angústia é a vertigem de liberdade”). Especialmente no filósofo dinamarquês, trava-se o embate entre medo e liberdade, duas faces opostas ligadas à raiz de uma mesma origem. Se Freud separou medo, susto e angústia, cada um com seus signos, Clarice os uniu, tornando essa trindade coesa e apavorante, praticamente um sentimento uno em sua obra, na qual passeiam a ‘condenação à liberdade’ de Sartre e Kafka, em seu livre mas amargo mundo surreal interior.
Milton Nascimento, na brilhante Caçador de Mim (1981, nos estertores da ditadura), falou sobre ignorar o medo: “Nada a temer senão o correr da luta / nada a fazer senão esquecer o medo, medo / Abrir o peito à força numa procura / fugir às armadilhas da mata escura...” É um desafio de peito aberto ao medo, o enfrentar a luta como inevitável. Mas Jobim, como sempre, prefere seu lado dócil e enamorado: “...teus olhos morenos / me metem mais medo / que um raio de sol”.
Jackson do Pandeiro curte à moda bem faceira a simplicidade e a pureza de seu medo, o de perder um amor: “A ema gemeu (...) / será que é o nosso amor, ó morena / que vai se acabar? / Você bem sabe que a ema quando canta traz no meio de seu canto um bocado de azar / Eu tenho medo, morena / eu tenho medo / (...) desse amor se acabar”.
O medo é como venda nos olhos e abismo na estrada de um povo. Ele não pensa, só teme as consequências, meio caminho da espiral da alucinação. Já o líder que mostra destemor é um chefe a ser respeitado. Bom exemplo foi um certo discurso meio xoxo de JK a um público apático. Meu pai, secretário de imprensa da Presidência e responsável por muitos textos palacianos, achou por bem arriscar num pedaço de papel colocado no bolso do paletó de JK uma frase de impacto, de inspiração bíblica e volta e meia lembrada: “Deus poupou-me o sentimento do medo!” JK bradou-a com tamanha verve e convicção que o público saiu da letargia e irrompeu em sorrisos e aplausos solidários. Havia medo: houve ameaça de golpe logo na posse, malograda com a presença do Mal. Lott, as fracassadas revoltas militares de Aragarças e Jacareanga. Havia razão de sobra para o medo, que só viria a se impor como todo-poderoso sistema após 1964, alguns anos depois.
Restos de armênios
Existe medo maior do que aquele sentido nos corredores da morte? O que vinha do odor  dos campos de Auschwitz, Treblinka e Sobibór? Dos armênios durante o genocídio pelos otomanos de 1,5 milhão de seus irmãos de sangue? Ora, no Vietnã oficiais americanos faziam vista grossa para injeções de morfina (e mesmo heroína) nos soldados, o ‘front’ se transformava em um espetáculo indolor, pleno de cores e delírios. Já os inimigos foram mortos a seco, a dor perfurando as tripas e o fundo d’alma.
O Brasil sempre foi pródigo em períodos de medo: os massacres da colonização, a escravatura, as chibatadas e punições sem lei, as matanças de índios, as crueldades contra os inconfidentes, o esmagar com sangue nos olhos diversas revoltas populares. A mais longo termo, as ditaduras, como as de Floriano, Getúlio e a de 1964. O medo era real até nos sonhos, como aquele retratado por Chico: “Acorda, amor / eu tive um pesadelo agora / sonhei que tinha gente lá fora / (...) Era a ‘dura’, numa muito escura viatura...”. O medo do número crescente de prisões, torturas, medo de sair na rua, a angústia de estar sem saber próximo do que se chamaria ‘síndrome do pânico’, assídua nos divãs de psicanalistas e consultórios de psiquiatras de hoje, transtorno cada vez mais comum entre os cidadãos: o fim da estrada é simplesmente o terrível medo de ter medo (a literatura sobre a síndrome em todos os idiomas é vasta).
Impor o medo é estratégia tão antiga quanto o próprio homem. Resume Macchiavelli, em O Príncipe (XIX.12): “O príncipe que quer conservar seu domínio às vezes é instado a praticar o mal”. Seja pela força bruta, aliada a outras ferramentas de molestamento físico e mental, seja pelo cerceamento do cidadão, cada vez mais podado em sua opinião e arbítrio. Imagem impiedosa é ficcionalmente estampada em Alphaville (1965, filme de Jean-Luc Godard), um lugar onde sentimento e amor eram vetados. Há também 1984, de George Orwell, texto de 1949 que espelha o doloroso perigo do império nazista, então já derrocado.
Disse Nelson Mandela: “Aprendi que coragem não é ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem de bravura não é o que não sente medo, mas o que o conquista”.


sábado, 10 de novembro de 2018

UM ÓDIO, DOIS ÂNGULOS


A respeitabilíssima revista americana Scientific American publicou há semanas a conclusão de uma abrangente pesquisa sobre as eleições do dia 6 de novembro para o Congresso americano. Nela, a metralhadora giratória da raiva também esteve presente: o estúpido massacre de judeus na Sinagoga de Pittsburgh, onze mortos e seis feridos. Houve, pontua a revista, influência indireta dos recorrentes estímulos ao ódio e às armas, o clima beligerante.
Como entender esse ódio? A sinagoga seria um detestável massacre a mais. Por outro ângulo, o Irã, em 1980, por ordem direta do então presidente Jimmy Carter, foi palco de uma tentativa mal-ajambrada de resgatar 52 reféns na embaixada americana, a chamada Operação Garra da Águia, cujo eventual sucesso serviria a Carter de bandeira em eleições semelhantes às do dia 6/11. O helicóptero da USAF espatifou-se contra um avião com técnicos e combustível, deixando oito mortos. Iranianos creditaram o malogro da operação aos ‘Anjos de Alá’. Hoje, a pressão sobre o Irã segue cada vez mais forte, há ameaças alucinadas de ataques de 5 mil soldados contra 5 mil civis, um para cada homem.
[Pano de fundo: Vale lembrar o colega Osvaldo Coggiola, historiador da USP com quem tive o prazer de dividir um lançamento de livros, que faz sua ‘radiografia do conflito nas Bálcãs’, em Imperialismo e Guerra na Iugoslávia (SP: Xamã, 1999). Ele deixa claro que todos os grandes eventos bélicos, do início do século 20 aos dias recentes, têm como objetivo encoberto o ouro negro, petróleo].
Corria o ano de 1980. Eu vivia em Boston e morava perto da Northeastern University, que atraía estudantes do Oriente Médio, e senti de perto os efeitos colaterais da grande trapalhada de Jimmy Carter. Meus vizinhos iranianos eram falantes e corteses, um deles até consertou uma peça no meu carro. À noite, ouvia os libaneses vizinhos entoando seus cânticos religiosos plenos de melismas, comuns tanto entre muçulmanos quanto judeus. Eu relaxava, embalado por aqueles vocalises em sinuosas orações.
Ruholah Khomeini
Aquela paz foi quebrada pela estúpida Garra da Águia. O ódio contra o país do louco radical Aiatolá Khomeini espalhou-se como fogo no mato. À noite, como se os estudantes iranianos fossem os culpados pelo erro de Carter, uma horda passou aos urros pelas ruas, fazendo os vizinhos do Oriente Médio apagarem as luzes. Fuck you, iranians!, era o grito de ordem que visava a apavorar genericamente os estudantes do Oriente Médio, já que os americanos não sabiam distinguir quem era de um país de quem era de outro.
Retomemos, e que sobre o atual presidente americano não caiba a sombra de qualquer ônus direto sobre o recente ataque à sinagoga, maior assassinato coletivo de judeus da história dos EUA. Ladino, ele aproveitou o tema ao avesso: enrubescido, as jugulares e o topete saltando, esbraveja e ameaça, com o ódio que lhe é característico, contra quem quer que deseje inimigo. E o Irã, de novo, está na alça de mira presidencial. O mandatário dos EUA capitalizou um justo sentimento pátrio e do povo judeu de forma canhestra, olho na campanha: ódio ao Irã. Seria crucial para ele a vitória no legislativo no dia 6 de novembro, pavimentando a disputa para a reeleição. Sem maioria no Congresso, diz a tradição, é bem mais difícil um novo mandato. Eram 35% das vagas dos 100 senadores e 100% das cadeiras dos 435 deputados. Essa contabilidade pode parecer truncada, mas é natural para os americanos, e tem como objetivo evitar mudanças abruptas na balança do poder e instabilidade para o país. Depois de anos nos EUA, eu pessoalmente confesso, como aquele comediante da TV: ‘entendi, mas não compreendi’.
[Sloan compôs um verdadeiro brado, uma bandeira contra o ódio disseminado, uma canção de protesto para a juventude na voz meio áspera e desafinada de Barry McGuire: “O mundo ocidental / está explodindo / a violência irrompe / e a munição é carregada / Você tem idade para matar / mas não para votar / você não acredita em guerra / ...mas o que é esta pistola que você carrega? / Ah, você não vai acreditar, estamos todos na véspera da destruição” (Trad. Livre do A.). Também falava do ódio na China vermelha e em Selma, Alabama, epicentro da luta pelo direito dos negros ao voto, conquistado e tornado emenda constitucional em 1965. A canção foi um alerta contra o ódio, arma sem lei.
No dia 6/11, da chamada eleição midterm, o presidente obteve esperada vitória de cadeiras no Senado, mas perdeu a maioria da Câmara, que detém enormes poderes. Enquanto alardeia vitória que não houve, dizendo-a acachapante, desde já pressente o futuro que lhe está reservado. O cenário vai mudar e o tresloucado deixará de ser um déspota já desde o primeiro ou segundo embate legislativo.
Niccolò Macchiavelli (1469-1527), em um de seus ensinamentos ao príncipe, mostrou-lhe que ‘novos soberanos, em novos domínios, devem armar seus súditos’. Isso, no sentido estrito. E há outro, figurado: o ódio como arma. Cidadãos americanos, acha o presidente, devem ser bem armados, como queria Macchiavelli. A disseminação do ódio cresce no ritmo do arsenal de fuzis, em mistura incompatível com a paz. O objetivo é vencer - sejam pessoas, uma guerra ou a reeleição.
Domínio, poder – seja em casa ou no Oriente Médio! Só o tempo dirá o que o resultado do dia 6 de novembro significará para a história americana e para o mundo. Mas o estímulo às armas, somado ao ódio estimulado a raças que não a branca, povos e minorias, já terá deixado mais tantas de suas dolorosas marcas.


sábado, 3 de novembro de 2018

SALVE O OXIGÊNIO !


Escafandristas, à maneira do filme 200 mil Léguas Submarinas, sobre um livro de Jules Verne, trabalhavam nas profundezas do mar. Era preciso comprimir o oxigênio antes de descer o mergulhador e dota-lo do suficiente para a missão. Na volta à superfície (ou ao submarino), a necessária e gradual descompressão para o nível adequado. Logo, sem saber, como em muitas descobertas e invenções, alguém se deu conta de que um fenômeno estava acontecendo.
Os escafandristas, à parte o mergulho abissal geralmente em águas turvas, sofriam enorme pressão nos ouvidos e no corpo, mas apresentavam algo mais em comum: não adoeciam, ao menos de muitos males que atacavam os que não trabalhavam nas profundezas do mar. Mas por que diabos acontecia isso? Durante muito tempo, tratou-se apenas de uma constatação sem maior importância, curiosidade sem norte que guiasse os pesquisadores para apresentar uma conclusão aceitável para a comunidade científica.
Dr. Leonard Corning
Paul Bert, um cientista francês, no final dos anos 1870 publicou La Préssion Barometrique, onde discorria sobre os efeitos da pressão aumentada e diminuída alternadamente no corpo humano. No final daquele século, Dr. Leonard Corning construiu a primeira câmara hiperbárica direcionada aos enfermos da mortal ‘influenza’ que grassava pela Europa na Primeira Guerra. Os anos se passavam e a técnica se aprimorava, sendo estendida com compreensível euforia à sífilis, diabetes, infecções diversas e artrite. A comunidade científica, apesar dos dados coletados, mostrava-se descrente – como sempre faz com as novidades que não consegue pegar e apalpar. Não havia provas químicas em Corning que carimbassem as razões de seu propalado sucesso.
Dr. Álvaro Ozorio de Almeida
Já no hiato dos anos entre as duas grandes guerras, um brasileiro – sim! –, Álvaro Ozorio de Almeida, registrou em seus estudos o efeito benéfico de altíssimas concentrações de oxigênio puro sobre o câncer em animais. Depois, em humanos. A Marinha norte-americana passou a usar o oxigênio puro comprimido para tratar doenças da descompressão (JAIN, K. K. Textbook of Hyperbaric Medicine. Cambridge: MA, 2009. Hogrefe and Huber ed.) Textos como o de Moon & Camparesi (1999), entre outros, já haviam começado a abrir luz sobre os experimentos e asas à imaginação. Em anos mais recentes, não faltou quem procurasse oxigênio puro como espécie de panaceia moderna, mesmo sem ter qualquer evidência significativa em seus casos: HIV, esclerose múltipla, Parkinson, Alzheimer, esclerose amiotrófica e outras afecções graves. O que interessava a essa gente era apenas, a que custo fosse, escapar do desespero, do sombra do carrasco sobre suas cabeças, e nada mais. O efeito do tratamento é comprovadíssimo, sim, para melhor cura da anemia, abscessos dos tecidos e cerebrais, envenenamentos, queimaduras, gangrenas e uma longa lista de outros problemas. 
Michael Jackson em sua câmara hiperbárica particular
Enquanto o Brasil dava tímidos passos rumo à medicina hiperbárica, os EUA passavam à produção em escala de toda sorte de equipamentos, desde os ambientes coletivos aos pequenos exóticos modelos pessoais, que mais parece abrigarem defuntos: esquifes de aparência lúgubre com tampa de vidro, como o usado em casa pelo cantor Michael Jackson para rejuvenescer, manter a pele e cabelos suaves e  estender seus dias (chegou a declarar, espalhafatosamente, que viveria 300 anos). As câmaras particulares existem no Brasil nos lares dos mais ricos, excêntricos e até no de ao menos um de nossos jogadores de futebol.
Compressão no voo
Em setembro de 2018 meu médico descobriu um abscesso interno na perna que deveria ser operado imediatamente. No mesmo dia, subimos à sala de cirurgia do hospital do convênio para o procedimento. Dias depois, após a retirada do dreno, ele achou por bem nos aliarmos a um coadjuvante inusitado para a rápida cura total: a câmara hiperbárica, e a mais próxima conveniada estava em Sorocaba, a 50 minutos de Tatuí. Pois logo iniciamos as 15 viagens de 50 minutos e as jornadas plenas de imaginação em um cilindro que mais parecia um submarino inerte, como que naufragado com suas escotilhas no fundo de algum mar do Pacífico. A compressão de oxigênio puro chega a 2 ATM, ou Atmosferas (nos EUA até 3), razão pela qual é preciso fazer os ouvidos driblarem a pressão do oxigênio com movimentos dos maxilares, tal fosse uma decolagem de avião, para evitar certo tipo de ‘entupimento’. Alcançada a compressão, um filmezinho para distrair os confinados durante a sessão de uma hora e meia, fora preliminares. (Detalhe: no Brasil, somente em 1995 o CFM aprovou a técnica).
Tubo de compressão coletivo
Cabe alertar os que sofrem de claustrofobia (leva-se mais de 10 min. para despressurizar a câmara e abrir a porta), hipertensão aguda, gravidez, diabetes descontrolada e outros. Esses devem conversar com seus médicos caso sofram de algum desses males. No meu "tubo" ‘viajavam’ duas adolescentes na faixa dos 15 anos, um rapaz acidentado, uma senhora bem idosa em cadeira de rodas e outros dois. Minha cirurgia e debelo da infecção tiveram resultados surpreendentes e rápidos, claro que tendo a câmara coadjuvante de duas belas intervenções feitas pelo médico do hospital.
Floresta Amazônica
O Brasil possui – ainda - 85% da floresta amazônica, o chamado ‘pulmão do mundo’.  Era esse elemento precioso, que responde por “O2”, que nos dava uma vida saudável no passado; com o desmatamento, ele é sufocado pelos inimigos CO2, Pb, S02 e outros invasores armados. A defesa do meio ambiente não é modismo, coisa de 'ripongos' nem pecha para fazer troça de ONGs. Trata-se do futuro do planeta.