Ponte medieval em Plön, perto de Lübeck, Alemanha |
O arco teve, desde sua origem, uma aura
de simbolismo, mistérios e virtudes que remontam à antiguidade. Nas construções,
a forma em arco evita o estresse em um ponto só, a força de sustentação é
distribuída por toda a estrutura do vão, haja vista inúmeras obras que resistem
ao passar dos séculos. Fator de grande importância na sustentação de pontes, às
vezes até mesmo sem uso de qualquer tipo de massa ou cola entre as peças, quer sejam
elas de pedra ou produzidas com outro material, aproveitam-se da gravidade, todas
as forças convergindo, distribuídas em direção ao centro.
Mstislav Rostropovich (The Telegraph) |
(Nas aulas de música, era pensando nisso
que eu mostrava que os dedos dos instrumentistas de cordas devem trabalhar arqueados
como se a mão estivesse em repouso. Assim, eles se movimentam com a tensão bem dividida
entre os músculos, ao invés de quando os dedos estão retos ou se curvam para
trás, esforço concentrado que dificulta o relaxamento).
(Sobre o arco desde os longínquos tempos no extremo Oriente, para todas as áreas de interesse, da filosofia à música e relaxamento físico e espiritual, recomendo a leitura de um sábio livrinho, "A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen", de Eugen Herriger , Ed. Pensamento)
(Sobre o arco desde os longínquos tempos no extremo Oriente, para todas as áreas de interesse, da filosofia à música e relaxamento físico e espiritual, recomendo a leitura de um sábio livrinho, "A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen", de Eugen Herriger , Ed. Pensamento)
Não há como deixar de falar no Arco
do Triunfo, de Paris, um dos mais famosos monumentos do mundo. Erguido em
homenagem aos heróis da Revolução Francesa e das Guerras Napoleônicas, sua
construção abriga, também, a tumba do soldado desconhecido da I Grande Guerra. Inspirado
no Arco de Titus (ano I d.C.), de Roma, o de Paris fez história: outros o
seguiram, como o Monumento à Revolução Mexicana (início do séc. 20) e o Arco do
Triunfo de Pyongyang, Coreia do norte (1982), entre muitos.
No Brasil, os belos Arcos da Lapa, no
centro do Rio, são a maior obra de arquitetura dos tempos da colônia. Na
verdade, trata-se um empreendimento a priori não urbanístico: servia para sustentar
um aqueduto para trazer água do Rio Carioca. Foi planejado no início do séc.
17, e as obras se arrastaram de 1660 até a conclusão, em 1723. O aqueduto dos
Arcos sofreu diversos problemas ao longo dos anos; com a República, novas
formas de abastecer o Rio de Janeiro foram sendo encontradas e, por feliz
iniciativa, cinco anos após a Proclamação aqueles Arcos, já um símbolo da
cidade, foram destinados aos bondes da Cia. de Carris Urbanos, levando
passageiros à aprazível Santa Teresa, hoje bairro simples mas badalado e sempre
na moda – uma espécie de Greenwich Village de Manhattan ou Vila Madalena em
São Paulo. Com lindas vistas chacoalhando na subida do bonde, é cartão-postal e
faz parte do roteiro turístico da cidade.
Um ravanastron e seu arco |
Na música, arte em que é personagem fundamental,
o arco dos instrumentos de cordas nos primórdios em tudo se assemelhava ao seu
homônimo usado para arremessar flechas: vareta curvada em forma de meia-lua entre
cujas extremidades era atada algum tipo de corda ou cerda retorcida. Há 2.500
anos, os nômades do Mar Cáspio já tocavam o rebab, ancestral da nossa rabeca,
mas o ravanastron (tributo ao rei Ravana, de Lanka) da Índia e Sri- Lanka, é o
que guarda mais semelhanças com a diversidade de instrumentos atuais.
Arcos barrocos |
Com o tempo, o arco sofreu diversas
transformações: das grandes curvaturas côncavas passou por uma silhueta quase
retilínea até chegar ao formato atual, ligeiramente convexo. A família das antigas
violas de arco era grande: a partir das chamadas da braccio, tocadas
como violinos, passando pelas da gamba, entre as pernas, como no violoncelo,
e o violone, que deu origem ao contrabaixo.
Giuseppe Tartini |
No século 18, o relojoeiro e depois
grande archetier (fabricante de arcos) François Tourte concluiu que o
pau-brasil ou uma de suas variedades, como o Pernambuco, seria a madeira ideal,
dada sua flexibilidade, densidade (afunda n’água) e pelos veios perfeitos, sem
nós. E assim permanece até hoje. Depois, Tourte curvou a antiga vareta ligeiramente côncava ao contrário, em
suave forma convexa, dotando-a de um tipo de flexibilidade que possibilitou muitos
novos golpes técnicos e arcadas. O virtuose Giuseppe Tartini (1692-1770)
idealizou o parafuso interno à vareta que serve para puxar uma peça de madeira
chamada talão e retesar um feixe de crina de cavalo, esticada entre a ponta e a
extremidade inferior. O arco passou a ser uma ferramenta até mais importante para
o músico do que o próprio instrumento. Ouvi grandes solistas dizerem que preferem um
violino mediano e um ótimo arco do que um ótimo instrumento e um arco ruim.
Por Debret |
Poderíamos continuar a discorrer interminavelmente
sobre o arco, sua importância e vasta utilização na música, abrir o leque para
as centenas de instrumentos de arco e suas peculiaridades, do passado longínquo
ao presente. Poderíamos falar no arco
(ou verga) do berimbau, que, por isso mesmo vergado por um fino cabo de aço e percutido com
uma vareta, usa uma cabaça na parte inferior como caixa de ressonância – instrumento
da capoeira: música, dança e esporte que devemos aos africanos que para cá
vieram escravizados. (Recomendo de coração a leitura de um livrinho mágico, A Arte cavalheiresca do Arqueiro Zen, de Heinz Herriger).
Violeta Parra (1917-1967) |
Além de tudo, a forma do arco também é
poesia, e como letra também serve à criação musical, como na linda canção de
protesto “Volver a los 17”, da chilena Violeta Parra: “...el arco de las
alianzas / ha penetrado em mi nido / (...) se ha paseado por mis venas / y
hasta las duras cadenas / con que nos ata el destino” – música gravada por uma
infinidade de artistas, de Mercedes Sosa a Joan Baez.
Falando de um arco, Chico Buarque descreve a
saudade com uma imagem brilhante em “Pedaço de Mim”: um sentimento a um só tempo
doce e perverso, lindo e doloroso, de alguém que nunca voltará: “Ó, pedaço de mim
/ Ó, metade exilada de mim / leva os teus sinais / que a saudade dói como um
barco...” Para concluir: “que aos poucos descreve um arco / e evita atracar no
cais”
(Com Chico Buarque e a linda e melancólica voz de Zizi Possi)