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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

FOSSA E ALEGRIA

O FINO DA FOSSA
Música para todas as dores

Não é só música sertaneja (dessas novas, jeito de Jovem Guarda e com roupa de caubói americano) que canta dor de cotovelo, solidão, traição. O tema vem de longe, e não fica só na MPB, está em toda parte. Passando pela campeã Maysa, por Dolores Duran e outros, chegamos a uma pérola, na minha opinião, com Edu Lobo, em “Pra dizer adeus”: “Adeus, vou pra não voltar / e onde quer que eu vá / sei que vou sozinho / (...) ah, pena eu não saber / como te contar / que o amor foi tanto / e no entanto eu queria dizer: vem / eu só sei dizer vem / nem que seja só / pra dizer adeus” (pra fazer chorar qualquer mocinha). Há muito anos, havia um programa na televisão, dirigido por Walter Lacet, em que ele treinava as mocinhas da plateia (lembro-me bem do Ivan Lins, na época do GUM, Grupo Universitário de Música) para encostarem seus rostinhos apoiados no queixo, bem perto do piano, se possível chorando. (O virtuose húngaro Franz Liszt, uns 100 anos antes, já havia inventado o truque, e chegava a pagar alguns trocados para moçoilas chorarem copiosamente ao vê-lo tocar).
“A gente briga / diz tanta coisa que não quer dizer / briga pensando que não vai sofrer / que não faz mal se tudo terminar”... Cantava versos assim a Adiléia da Rocha, aliás, Dolores Duran, que, quando criança, teve febre reumática e sopro cardíaco, ainda moça um infarto e, depois, gravidez tubária com risco de vida; a seguir, veio a depressão, até morrer de ataque cardíaco aos 29 anos, após overdose de barbitúricos e álcool. Ela teve o nome artístico tirado do espanhol ‘dolores’ (‘dores’), que tão bem vestiu sua vida. Maysa, a musa das boates, mulher de muitos causos e casos, também fez sucesso nos anos 1960/70, com peças lindas como “Felicidade infeliz”: “Felicidade, deves ser bem infeliz / andas sempre tão sozinha / nunca perto de ninguém”. A diva da ‘fossa’ foi vítima de um acidente fatal na ponte Rio-Niterói.
Mick Jagger, dos Stones, em uma declaração de amor a Angela (mulher de seu amigo e ex-caso David Bowie), canta: “Angie, Angie / quando essas nuvens vão desaparecer? / Angie, Angie / para onde vão nos levar daqui? / sem amor em nossas almas / sem dinheiro em nossos bolsos / não diga que estamos satisfeitos”. Aliás, a insatisfação é mote de Jagger: “Não posso me satisfazer / porque eu tento / e eu tento / e eu tento...”. Simon e Garfunkel, como dupla é imbatível, haja vista a obra-prima “The boxer”: “pedindo apenas salário de trabalhador / eu buscava um emprego, mas não tive oportunidade / apenas um mero “vem cá” das prostitutas da Sétima Avenida / Eu confesso que estava tão sozinho / que tive ali algum conforto”.
Chico Buarque é um expoente do gênero: “Quando você me deixou, meu bem / me disse pra ser feliz e passar bem / quis morrer de ciúme / quase enlouqueci / mas depois, como era de costume / obedeci” – claro, para ser cantada por voz de mulher, ou por homem, como se fosse uma. Também dessa dor de cotovelo compartilhou Janis Joplin, dama do ‘blues’ morta por overdose aos 27 anos, idade com que também faleceu a ‘blueseira’ Amy Winehouse: “Amor, bem-vindo de volta / eu sei que ela disse / amor, eu sei que ela disse que te amava / muito mais do que eu te amei / (...) venha e chore, chore, amor...”.
O som de lamento, de melancolia, é o da voz cantada, tendo a música letra ou não. Repare no choro das crianças, das mulheres – e dos homens, quando têm coragem de mostrar seus sentimentos. É assim que, metrificada e flutuando sobre uma melodia, a voz adquire maior expressão. Ouça as “Paixões” (segundo João ou Mateus) de Bach, inspiradas na agonia de Cristo. Alban Berg compôs seu magistral “Concerto para violino – à memória de um anjo” -, dedicado a Manon Gropius, filha de Alma Mahler e Walter Gropius, belíssima jovem falecida aos dezoito anos. O concerto de Berg é uma peça envolvente e triste, mas talvez não tanto quanto a “Pavana para uma princesa defunta” (1889), de Ravel, o mesmo do famoso “Bolero”; densa e plangente é a “Marcha Fúnebre” da 3ª Sinfonia de Beethoven (“Eroica”). E há as peças especiais, como os ‘requiems’ de Mozart, Fauré, Berlioz, Brahms e Britten.
Ironicamente, Beethoven compôs o coral “Ode à alegria”, musicado sobre poema de Schiller, que eterniza sua obra-prima, a “Nona Sinfonia”, no quarto movimento. Um homem conhecido pelo sofrimento e pela autodestruição, portador de diversas doenças, exalta a grandeza do ser humano, construindo para ele o mais sublime elogio à felicidade, que traz um famoso solo de barítono conclamando: “O Freunde, nicht diese Töne!” – “Oh, amigos, não nesses tons! / Ao contrário, vamos levantar nossas vozes / com tons mais agradáveis / e sons mais alegres / alegria! Alegria! / (...) Alegria, a linda centelha do Divino” (trad. livre). Beethoven, então, já estava totalmente surdo e doente, vindo a sobreviver mais três anos. Antevendo a agonia, no final restou-lhe exaltar a felicidade. Amen.
(Publicado em ‘O Progresso’ de 1 de outubro de 2011).

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