Quem mais me toca, claro, pela proximidade que teve comigo em vida, é o Maestro Eleazar de Carvalho, também centenário neste ano, falecido em 1906 (Eleazar é o único brasileiro a quem reservo o “M” maiúsculo para “Maestro”). Nos tempos em que ele estava bem de saúde, se os músicos do Brasil tivessem de escolher um regente para sua orquestra, os que trabalharam com o “Velho Zuza” –como era carinhosamente chamado pelos músicos nos bastidores e, claro, somente por trás deles– o elegeriam com folga. Não me impressionam mais Zubin Mehta, Abbado e Osawa, que foram alunos de Eleazar. Eu nem mesmo teceria comparações com Barenboim e Rattle, e muito menos ainda com um grande jovem talento venezuelano, Gustavo Dudamel.
Como diria o jurista na tribuna, “data venia” para revelar um fato de que raras pessoas sabem sobre um episódio na vida de Eleazar! (Se é que há mais de 2 ou 3 pessoas conhecedoras do causo). Não poderia levar esse momento comigo sozinho. Tenho certeza de que ele abriria um sorriso e encheria os olhos de lágrima, como de costume, se me lesse hoje. Estava eu desfrutando de uma histórica festa de 75 anos do “Velho” em seu amplo apartamento nos Jardins, e uma pessoa que não posso identificar chamou-me a um canto para revelar-me um segredo sobre o Maestro: quando ele se aproximava dos 70, em uma das orquestras de que ele foi titular no país (grupo cujo nome não vou declinar), meu interlocutor contou que, para não deixar Eleazar ser ‘atropelado’ pela aposentadoria compulsória dos 70 anos (a que os funcionários públicos chamam “expulsória”), usou uma máquina de escrever Remington velha há muitos anos, para, com cuidados sherlockianos, alterar um dígito no documento e no prontuário do Maestro, dando-lhe uma sobrevida no emprego, para felicidade dos músicos que, sem saber do fato, viveram com ele alguns dos melhores momentos de suas vidas. (E talvez o próprio Maestro nem tenha atinado para essas coisas burocráticas, pois logo depois viria a ser nomeado para cargo em comissão, sem limite de idade). Tenho certeza de que este fato é mais uma parte da história riquíssima da vida do Maestro, e se um dia eu escrever sobre o tema, no futuro, será com o milagre e os nomes dos santos completos. Por ora, fica escrito o que foi dito. “Pois é / fica o dito e o redito por não dito...” (Chico)