Finalmente, os maestros. Ah, esses
divinos líderes expostos à fúria crítica dos músicos, apesar dos leves sorrisos
nos lábios! Em certa loja, estavam à venda dois canários. A primeira gaiola
trazia uma placa: canário cantor, R$ 100. A segunda: canário mudo, R$ 1.000.
Instado por um freguês curioso sobre o porquê de um canário mudo custar dez
vezes mais do que um que canta, ouve a explicação do vendedor: “não canta, mas
rege”. Do lado verdadeiro, Franz Strauss, trompista pai de Richard Strauss (de
“Assim falou Zaratustra”), ao chegar um novo maestro sempre se dirigia ao
estreante de forma agressiva: “ao entrar em um palco, pelos passos a orquestra
já sabe quem vai mandar, ela ou o regente. No seu caso, somos nós”. Eis uma
famosa pergunta: “por que o regente deve ser enterrado vinte pés abaixo da
superfície? Porque no fundo, no fundo, ele é bom”. E “por que todo regente vai
para o Céu? Porque quando chega lá, já havia cem músicos orando por ele”.
Happy hour after concert |
Tudo não passa de uma brincadeira
sadia. Nem de perto o fanatismo doentio e agressivo de alguns torcedores de
futebol. Ao terminar o concerto, músicos costumeiramente se reúnem para uma
pizza ou um chope. Isso faz parte da necessidade de se comemorar uma boa
apresentação, um bom show, queimando os últimos restos de adrenalina que vêm
necessariamente com a ansiedade, coisa de que nenhum artista se livra. Ali,
todos compartilham, e quando o maestro se junta, é sempre sem a batuta, porque
diante de um bom vinho, como já fazia o velho Bach, há séculos, todos são
iguais. Tudo é permitido, claro, mas só até o próximo ensaio.
Eleazar |
Eleazar de Carvalho, ao reger pela
primeira vez a Filarmônica de Nova Iorque, ouviu de um músico que havia um
certo clima desfavorável ao brasileiro: “maestro, toda orquestra tem um líder.
Isso é fato. “Aqui, por exemplo, é o primeiro oboé”. Pague-lhe um café. Assim
fez Eleazar, e depois do ensaio ambos saíram para algum drinque. Brincadeiras, abraços...
No ensaio do dia seguinte, o maestro subiu no pódio, ante a aprovação do oboísta, dirigiu palavras
gentis à orquestra, deixando escapar uma ou duas de sua coleção de anedotas.
Com isso, seduziu esse verdadeiro polvo de cem tentáculos que é uma sinfônica.
Programa de concerto: Eleazar de Carvalho |
Consta que foi um belíssimo
concerto (veja ao lado o programa: 5 de novembro de 1959, no Carnegie Hall, com
Casadesus como solista). Eleazar foi um homem que pouquíssimo espaço deixava
para anedotas: primeiro, pela sua competência inquestionável. Segundo, porque
ele mesmo era o melhor piadista, dentro e fora do palco, nos ensaios e até
mesmo, acredite, em concertos. Foi uma anedota viva.
Parnassus |
O músico é um artista que reclama,
critica e faz brincadeiras por natureza. Ora, que mais pode um sujeito que
passa a vida em busca do gradus ad
parnassum? (“degraus para a perfeição”). Ele cobra, de todos e de si mesmo,
e por isso sofre. Mas tem a diversão da vida que escolheu e a alegria de
transmiti-la aos outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário