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domingo, 2 de dezembro de 2012

NOITES CARIOCAS - I


O Beco das Garrafas
Já em Copacabana havia o Beco das Garrafas, onde cresceu a bossa-nova, parida nos apartamentos do bairro e de Ipanema, nascida chorando com a voz miúda do João Gilberto e da Nara Leão, quase sussurrando, a bateria econômica de toque suave no aro da caixa, acompanhando a batida do violão, quase uma caixinha de fósforos dedilhada para não incomodar a vizinhança. De boate em boate do Beco, o inesquecível e inteiramente louco Edison Machado, baterista que ficou “queimado” na noite porque não aceitava conversa de fregueses enquanto tocava – chegou a atirar suas baquetas em um casal falante na boate Flag. Ficou fora da noite e foi para os EUA.
Dom Um Romão
Do Beco também saiu Dom Um Romão, fabuloso percussionista que incendiava e roubava os shows do famoso grupo Weather Report, liderado por Zawinul, em NY também. Bastava pegar no berimbau ou sentar-se na bateria tocando diversos instrumentos ao mesmo tempo, e a mágica acontecia. Criou seu estúdio, o Black Beans, e permanece no coração de Manhattan, tocando como sempre aos setenta e tantos. E tinha Novelli e Edson Lobo, contrabaixistas, Luís Carlos Vinhas, pianista, e tantos outros que varavam a madrugada alegrando corações e ouvidos!
Zerró Santos
Contrabaixista também era o Zerró Santos, paraense que chegou no Rio com a Fafá de Belém. Talento fenomenal, Zerró começou a fazer arranjos sem estudo técnico algum, e tocava tão bem de ouvido que um dia, no famoso Antonio’s, do Leblon, a plateia do bar lotada com Jobim, Vinicius e a fina flor da bossa, atreveu-se a pegar no contrabaixo enquanto o lendário pianista Bill Evans dava uma “canja” de graça, para babação geral. Após alguns compassos, o pianista americano, com aquelas mãos cheias de dedos, mãos enormes e maravilhosas espalhando no teclado acordes dissonantes intricadíssimos, volta-se para trás, vê Zerró brilhando “de orelha”, e depois pergunta: gente, quem é esse cara?
Ah, entre as lendárias casas noturnas, Copacabana tinha o famoso Bolero, perto do orla da praia ao lado do Copacabana Palace, onde trabalhei por uns meses. Ali, enquanto tocávamos, havia vedetes, cantores, atores, e um monte de mocinhas de família quase boa aguardando companhia para dançar, esvoaçando seus vestidos para gáudio de fazendeiros, turistas americanos e marinheiros a desfrutar de um belo filé picadinho com cebola e uísque (de terceira, que era servido somente após a segunda dose do escocês ao incauto frequentador). O lugar era tão antigo que diziam que Pedro Álvares Cabral, ao chegar ao Brasil, logo perguntou: onde fica o Bolero? Às vezes eu saía de lá e ainda ia dar uma “canja” no Mikado, especialista em receber turistas japoneses. Ali, na brincadeira, revezavam-se comigo no contrabaixo o Zerró Santos e o Bruxa.
MIkado
O Bruxa tem uma divertidíssima: enquanto aguardávamos, eu e ele, no ponto de ônibus, na Avenida Copacabana, debaixo de uma chuva de canivetes, um caminhão passa sobre a poça d’água, enlameando o pobre contrabaixista (eu já debaixo da marquise). Aos berros, Bruxa xingou ascendentes e descendentes do motorista com os piores palavrões que já ouvi. Problema: o caminhão para, o motorista abre a porta, desce, chega perto do meu colega e senta-lhe um murro que o jogou no chão. E vai-se embora sem olhar para trás, enquanto Bruxa se limpa e resmunga: comigo é assim, resolvo no cacete! (Cai o pano). 

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